Contrários ao processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), advogados e advogadas de todo o Brasil estão reunidos em Brasília (DF) para o I Encontro Nacional da Frente Brasil de Juristas pela Democracia. A abertura do evento, que vai até esta quarta-feira (6), ocorre nesta segunda (4) no Plenário Petrônio Portela do Senado, às 18h.
A articulação foi originalmente pensada no interior da Frente Brasil Popular (FBP), que reúne entidades sindicais, movimentos populares, partidos políticos e organizações de juventude.
“A provocação para que se formasse a Frente Brasil de Juristas pela Democracia veio da Frente Brasil Popular. Ela congregou uma série de juristas que atuam em diversos setores e que têm como pautas de unidade a defesa do regime democrático, ou seja, contra o golpe e contra o retrocesso de direitos”, explica Ísis Táboas, advogada, professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das organizadoras do evento, que já tem mais de 300 inscritos. “Nós funcionamos por consenso dos e das integrantes. Ao longo do Encontro, nós iremos tirar nossa proposta de criação, carta de princípios e mais detalhes da atuação da Frente”.
O Encontro terá momentos de análise do atual momento político e discussões sobre a organização da própria entidade. Além de juristas, haverá a participação de parlamentares - como a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e o ex-presidente da OAB-RJ e deputado Wadih Damous (PT-RJ), e de João Pedro Stedile, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), estará no evento representando a Frente Brasil Popular.
Golpe
Um dos fatores que levou à criação da Frente de Juristas foi o posicionamento das entidades representativas ligadas ao mundo jurídico em relação à deposição de Dilma Rousseff. “É comum a todos os integrantes a indignação com a postura da OAB em defesa do impeachment. Não só em seu conteúdo, reafirmando uma posição golpista - uma vergonha na história da Ordem, mas também na forma como isso ocorreu: foi um método manipulador”, complementa Ricardo Gebrim, advogado e integrante da Consulta Popular, uma das forças políticas que integra a FBP.
“A Frente discorda da posição da OAB. Foi um erro como em 64, e esperamos que, assim como em relação àquela ocasião, a Ordem reveja sua posição”, concorda Táboas.
Para Ísis, o debate jurídico em torno do impeachment no atual contexto reforça a necessidade da criação de um contraponto nesse meio. “Esse golpe, diferente do ocorrido em 1964, tem características que o fazem ser apelidado de 'Golpe da Toga' – [bem como] da mídia e de outros setores que assumiram protagonismo nessa conjuntura. Os juristas são uma categoria que tem um papel importante em fazer uma contraposição ao posicionamento de algumas instituições que têm assumido posturas conservadoras, elitistas e antidemocráticas”, argumentou.
A Frente, de outro lado, transcende a discussão em relação ao impeachment. “O impulso de articulação se deu por conta do golpe, que indignou muito os juristas que percebem a ilegalidade deste processo. Isso fez com que se criasse uma rede mais ampla do que apenas advogados populares ou com histórico de atuação em movimentos sociais. A gente consegue agregar os juristas que defendem o voto popular e a conquista da democracia. Por outro lado, também temos como fundamento o não retrocesso de direitos, o que transcende a discussão do impeachment da presidenta Dilma. A ideia é, portanto, ser uma frente permanente em defesa dos direitos”, defende.
“A ideia é configurar uma rede democrática a mais ampla possível. Há inclusive alguns juristas tidos como conservadores que também estão indignados com o impeachment, e que entendem que se trata de uma manipulação jurídica, midiática e parlamentar”, diz Gebrim.
Judiciário
A Frente de Juristas nasce criticando também a atuação do Judiciário brasileiro no caso do impeachment, principalmente do Supremo Tribunal Federal (STF). “A característica deste golpe é dar o maior verniz jurídico possível. Os principais pensadores do mundo jurídico estão preocupados com a passividade do STF”, aponta Gebrim.
José Geraldo de Sousa Júnior, professor de Direito e ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB), afirma que uma das principais vítimas da dinâmica em curso no Brasil é a própria Constituição. Segundo ele, está ocorrendo um processo “desconstituinte” no país, através de “artificialismos de interpretação”. O alvo são os direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores.
“O Judiciário não se encontrou com o processo de redemocratização, porque não se viu projetado no desenho de institucionalidade participativa que a Constituição de 88 estabeleceu. De repente, ele é chamado a cumprir seu papel, mas não conseguiu se colocar à altura. Há previsão de impeachment? Sim, mas não há conteúdo, não houve configuração de crime de responsabilidade”, critica José Geraldo.
Para ele, o que está em jogo nesse momento é a própria sobrevivência do funcionamento da democracia. “A direita tem um limite: ela não é plenamente democrática. Não é porque não aceita o compartilhamento do poder político. Aceita a representação, mas originalmente excluiu diversos setores da sociedade. Quando chega a um ponto em que ela disputa legitimidade no próprio campo que ela instituiu - o da representação - há uma tentativa de redução destes limites. Isso coloca a institucionalidade, a liberdade, a consciência crítica, todo o Estado de Direito em risco”.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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