Entrevista

Eugênio Aragão: "Recuperar a confiança da população nas instituições vai ser duro”

Ex-ministro da Justiça foi destaque na programação desta quarta (6) do I Encontro Nacional de Juristas pela Democracia

Brasília (DF) |
Aragão: "Toda decisão é sempre política, e a técnica serve para dar consistência à política"
Aragão: "Toda decisão é sempre política, e a técnica serve para dar consistência à política" - Gil Ferreira/Agência CNJ

Destaque da programação do I Encontro Nacional de Juristas pela Democracia nesta quarta-feira (6), o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão teceu críticas à postura das instituições do sistema de Justiça no atual contexto brasileiro.

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Membro do Ministério Público desde 1987, ele defendeu que os tribunais devem garantir a transparência em relação aos seus posicionamentos políticos, e que a técnica jurídica não pode ser “usada para escamotear políticas”.

Aragão também falou ao Brasil de Fato sobre outros temas transversais ao atual processo de impeachment. Na visão dele, antes de buscar outro referencial, como uma reforma jurídica, o Direito brasileiro precisa tomar atitudes mais embrionárias, revendo a formação acadêmica dos profissionais.

O ex-ministro defendeu ainda um novo sistema de seleção que seja mais cuidadoso e qualificado que o atual formato de concurso público. “Temos que fazer uma revolução no ensino jurídico”, advogou.

Por fim, Aragão disse apostar em uma futura descrença da sociedade em relação às instituições brasileiras após os fatos que se desenrolam no cenário político atual.

Confira abaixo a íntegra da entrevista exclusiva, concedida durante o evento:

Brasil de Fato - Você disse na abertura do evento que o Brasil nunca vai conseguir superar a politização dos tribunais porque toda decisão final é política…

Eugênio Aragão - Isso. Toda decisão é sempre política, e a técnica serve para dar consistência à política. A questão é se ela é devidamente utilizada. É aí que está.

A gente não tem que ficar escondendo o caráter político das coisas. Nós temos que assumi-lo abertamente, transparentemente, porque o Judiciário é a expressão da soberania popular. Não temos que escamotear nada, e a técnica tem sido usada pra escamotear as políticas que estão por trás.

A política tem que vir à frente e mostrar claramente as opções que os tribunais fazem, porque eles fazem opções, claro, e elas merecem ser discutidas pela sociedade.

Na sua visão, este momento político que estamos vivendo demonstraria uma certa fragilidade da Constituição Federal como referencial maior?

Eu diria que estamos vivendo é um desamor pela Constituição. Quando as pessoas começam a se dizer saudosas em relação à ditadura militar, quando elas começam a debochar de direitos, de pautas progressistas, isso mostra um verdadeiro desamor pela Carta Magna. E isso é reflexo de um processo de sua deslegitimação.

De onde vem a fragilização das instituições brasileiras, na sua opinião?

São várias as razões, mas eu destacaria o modo de se fazer política como a primeira delas. Porque no Brasil ela tem sido feita com assalto aos recursos públicos, tem se financiado a partir disso, o que provocou a sua deslegitimação. E, quando isso acontece, outros órgãos indevidamente se politizam, porque a política é um espaço que precisa ser ocupado.

Se aqueles que devem ocupar legitimamente esse território se deslegitimam, outros vão aparecer. Então, hoje o Judiciário e o Ministério Público ocupam um terreno que teoricamente era dos políticos eleitos. Agora, quem disse que o Judiciário e o MP, ao fazerem política, são mais legítimos do que os representantes eleitos pelo povo?

Que tipo de influência esse protagonismo do Judiciário no atual contexto político pode trazer ao campo jurídico?

Em primeiro lugar, os nossos juristas, bem ou mal, pela sua formação, não são políticos. Eles não têm visão macroscópica da nossa sociedade porque não foram feitos pra isso, e sim para resolver problemas de conflitos específicos nas relações interindividuais e algumas de relações coletivas, mas eles não foram feitos para administrar politicamente a sociedade. Portanto, o Judiciário não sabe fazer isso.

Quando o faz, é sempre sob um viés de culpa e inocência, uma lógica binária de condenar ou absolver. É de improcedência ou de procedência. Ou seja, o Judiciário não foi feito pra substituir a política.

Na hora em que ele entra nessa seara, passa a ser extremamente conservador, aniquilador do pluralismo na sociedade e autoritário, querendo impor os seus valores, que são extremamente limitados.

Então, ele não é um bom político. Ainda mais um Judiciário como o nosso, que não é eleito, como o americano. É um Judiciário burocrático, que passa por um processo de seleção por concurso público em uma seleção que é muito mal feita, na base de beijar a mão de políticos.

Essa seleção deveria ser repensada, então?

Sim, claro. A escolha não pode ser um “beija-mão”. Um candidato conservador ao STF, por exemplo, pode não compartilhar comigo em muitas coisas a respeito da sociedade, mas ele pode ser uma pessoa séria e bem formada, estruturada, e eu posso ter que respeitá-lo. Agora, uma pessoa que é selecionada só na base do binarismo “amigo ou inimigo”… Isso não gera coisa boa, né.

O Judiciário brasileiro, portanto, precisaria de um outro referencial, uma reforma jurídica, por exemplo?

Eu acho que a mudança tem que começar na formação dos nossos juristas, no ensino, que hoje é extremamente frouxo.

Nós não preparamos nossos juristas pra serem operadores do Direito. Damos uma cultura geral para transformar essas pessoas em indivíduos que se acham muito 'luminares' e não se submetem a um sistema. Isso faz com que um juiz da vara tal decida “A” e um juiz de outra vara decida “não A”, e a segurança jurídica do jurisdicionado vai para o espaço. Aí, tudo acaba indo pros tribunais, para unificar a jurisprudência.

Como resultado, você tem um Superior Tribunal de Justiça hoje com 300 mil processos por ano e um Supremo com quase 200 mil processos ao ano. Isso não existe em lugar nenhum do mundo e mostra claramente a disfuncionalidade do sistema.

Que tipo de iniciativa poderia ser tomada para qualificar esse sistema jurídico que você disse que estaria em falência?

Para começar, temos que repensar a questão do concurso público. Essa não é a melhor forma de selecionar os atores, os operadores do Direito. O concurso pode ser democrático, mas, se nós formos sérios na seleção, nós podemos usar outros critérios.

Então, antes de mais nada, temos que garantir que todos os que saem das faculdades de Direito sejam bem formados, que sejam potencialmente juízes, e aí temos que fazer uma revolução no ensino jurídico. Essa é a primeira coisa a ser feita.

Você acha que a situação que estamos vivendo hoje no Brasil pode deixar algum legado jurídico?

Vai gerar para as próximas gerações é uma sociedade extremamente desconfiada em relação às suas instituições e talvez um certo niilismo. É disso que tenho mais medo. Reconstruir isso agora vai ser extremamente difícil porque as instituições estão negando a sua vocação.

O Ministério Público, por exemplo, não é mais aquele “darling” da sociedade, que zela pelos direitos, pelas garantias das pessoas e pela democracia. Hoje o MP se transformou quase em um órgão policial e com uma vigilância seletiva. Então me parece que recuperar a confiança da população nessas instituições vai ser um processo muito duro no futuro.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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