Migração

Refugiado congolês relaciona as finais da Eurocopa e da III Copa dos Refugiados

Jean Katumba está no Brasil há quatro anos e é um dos organizadores da Copa dos Refugiados, em São Paulo (SP)

Redação |
"O Brasil tem acolhimento mas não tem acompanhamento"
"O Brasil tem acolhimento mas não tem acompanhamento" - Reprodução/Facebook

Uma semana após a homenagem de Cristiano Ronaldo a todos os imigrantes, com a vitória de Portugal sobre a França na decisão da Eurocopa, será realizada a final da III Copa dos Refugiados em São Paulo, no próximo domingo (17).

O evento, organizado pelos próprios refugiados de diferentes nacionalidades que vivem na capital paulista, tem o objetivo de promover a integração dos refugiados.

Esta edição da Eurocopa ficou marcada por diversos episódios racistas e xenófobos, reflexo da onda conservadora e nacionalista que está ressurgindo na Europa com a crise humanitária e aumento do fluxo migratório. Alguns exemplos desse comportamento que saíram na mídia foram os torcedores ingleses jogando moedas no chão para crianças refugiadas na França, e o relato de uma equipe de reportagem brasileira agredida com xingamentos racistas por torcedores.

Foi nesta Europa que cada vez mais fecha suas fronteiras para evitar a entrada de imigrantes e refugiados, que Cristiano Ronaldo, ele próprio imigrante da colônia portuguesa da Ilha da Madeira, dedicou a taça do maior campeonato esportivo do continente a "todos os portugueses e todos os imigrantes".

Dos 23 jogadores do time português, nove nasceram em outros países, como Cabo Verde, Angola, Alemanha e Brasil. O gol decisivo da final, por exemplo, foi feito pelo jogador Éder, nascido em Guiné-Bissau, ex-colônia portuguesa na África.

Esse potencial de questionamento e resistência política do futebol e do esporte no geral foi um dos motivos de um grupo de refugiados vivendo no Brasil se juntarem para criar a Copa dos Refugiados, em 2014.

Um dos organizadores da terceira edição do evento, Jean Katumba, afirmou em entrevista para o Brasil de Fato que acredita que a atitude de Cristiano Ronaldo não foi apenas interessante, mais muito significativa.

Katumba é congolês e está refugiado no Brasil há quatro anos. Para ele, seria "um sinal forte para o mundo inteiro" se os atletas brasileiros também dedicassem medalhas para os imigrantes nas Olimpíadas, que ocorrerão daqui a um mês no Rio de Janeiro.

Segundo Jean, os refugiados que vivem no Brasil também não estão sendo integrados na sociedade. "Se a gente sofria com perseguições físicas nos nossos países de origem, aqui estamos sofrendo perseguições morais, por falta do acompanhamento do acolhimento. A ideia da Copa dos Refugiados também é divulgar algumas informações, algumas carências que a gente lida no dia a dia para o governo se posicionar e resolver essas questões", afirmou.

A final da III Copa dos Refugiados, no dia 17, contará com uma partida feminina de um jogo tradicional africano, brincadeiras para as crianças refugiadas e um show de músicos refugiados, além das disputas de primeiro e terceiro lugar. O evento terá início às 10h, no Sesc Itaquera.  

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato - Qual a importância do esporte na integração de imigrantes e refugiados?

Jean Katumba - Nós achamos que o esporte é muito importante na integração dos refugiados, porque para jogar futebol, por exemplo, não precisa ter visão política específica, religião, raça, tribo, ou nacionalidade.

O futebol facilita a confraternização entre os refugiados e melhora a integração com o país destino, porque ele ajuda a fazer as pessoas reconhecerem o valor dos imigrantes e refugiados.

A Eurocopa foi marcada por comportamentos racistas e xenofóbicos dos torcedores europeus, mas os times europeus estão repletos de jogadores imigrantes. O que simboliza o gol final de Portugal ter sido feito por um imigrante e a dedicatória do Cristiano Ronaldo a todos os imigrantes?

Acho que esse racismo e xenofobia na Europa também estão em todos os lugares do mundo. Eu achei muito significativa, não somente interessante, mas muito significativa a atitude de Cristiano Ronaldo.

A ideia da nossa Copa dos Refugiados é essa também: não ser somente o jogo pelo jogo, mas um projeto de divulgação dos problemas do dia a dia dos refugiados e imigrantes no Brasil.

Para as pessoas entenderam e para diminuir o preconceito e a discriminação, além de aumentar a integração equilibrada e ajudar a estabelecer os direitos dos imigrantes.

Você acha que os brasileiros são muito xenofóbicos com refugiados também?

Eu sempre agradeço o Brasil por essa possibilidade de acolhimento, por ele abrir as portas para acolher os imigrantes e refugiados. Mas nós estamos pedindo um acompanhamento de acolhimento do Brasil.

O Brasil tem acolhimento mas não tem acompanhamento. Nós não estamos conseguindo essa integração equilibrada. Se a gente sofria com perseguições físicas nos nossos países de origem, aqui estamos sofrendo perseguições morais, por falta do acompanhamento do acolhimento.

Acolher não  é somente dar lugar pra dormir ou documentos, mas também garantir direitos políticos e integração. A ideia da Copa dos Refugiados também é divulgar algumas informações, algumas carências com a qual a gente lida no dia a dia para o governo se posicionar e resolver essas questões.

Daqui a um mês teremos as Olimpíadas no Rio de Janeiro. Você acha importante que os atletas brasileiros também se posicionem a favor dos imigrantes e refugiados?

Tenho informações de que alguns atletas brasileiros também são refugiados e outros são imigrantes.

Essa atitude que Portugal mostrou ao dedicar a taça para os imigrantes, se o Brasil fizer assim também, vai ser um sinal forte para o mundo inteiro, seria uma boa atitude e mostraria um acolhimento melhor.

O que vocês esperam da final da III Copa dos Refugiados?

Eu espero muita coisa. Como o tema dessa edição é "Refugiados, Espaço e Oportunidade", nós estamos esperando que a Copa traga oportunidade para os imigrantes nesse espaço, porque é disso que nós precisamos.

Se eu não falar aqui minha opinião, ninguém nunca vai saber o que eu penso. Nunca vou conseguir algo sozinho, sem oportunidades.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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