Impeachment

Golpe:“É preciso ter coragem histórica pra saber enfrentar este momento”, diz Cardozo

Ex-ministro da Justiça foi destaque em debate realizado pela Frente Brasil Popular sobre “o golpe e o programa do golpe"

Brasília (DF) |
O evento, que teve como tema “O golpe e o programa do golpe”, contou ainda com a participação do sindicalista José Lopez Feijó, ex-secretário especial do Trabalho do governo Dilma.
O evento, que teve como tema “O golpe e o programa do golpe”, contou ainda com a participação do sindicalista José Lopez Feijó, ex-secretário especial do Trabalho do governo Dilma. - Adilvane Spezia / MPA

“É preciso ter coragem histórica pra saber enfrentar este momento que estamos vivendo no Brasil. Digo coragem histórica como aquilo que nos move quando a gente acredita em algo que é importante pra nós e pro nosso futuro”. Foi com essas palavras que o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, comoveu o público presente no debate realizado pela Frente Brasil Popular nessa quinta-feira (22), em Brasília (DF). O evento, que teve como tema “O golpe e o programa do golpe”, contou ainda com a participação do sindicalista José Lopez Feijó, ex-secretário especial do Trabalho do governo Dilma.

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Advogado de Dilma Rousseff no processo de impeachment, Cardozo destacou a necessidade de as forças que lutam contra o afastamento da presidenta intensificarem as mobilizações para sensibilizar os demais segmentos da sociedade.

“Nós temos gente de todos os cantos do planeta, incluindo intelectuais e chefes de Estado, tendo clareza do que está acontecendo no Brasil. Precisamos convencer o restante das pessoas aqui do que está ocorrendo, porque mesmo quem não gostava do governo Dilma, se for um democrata, não pode aceitar que ela seja afastada de forma leviana e indevida”, disse Cardozo.

Para o ex-ministro, as articulações precisam se dar nos mais diversos compartimentos da vida social para que o discurso contra o impeachment tenha capilaridade. “Às vezes é difícil a gente perceber quando está vivenciando um momento histórico. (…) Este é um dos processos mais perversos que o Brasil já viveu se pensarmos na luta do povo pela conquista da democracia, por isso é preciso colocar a sociedade em marcha em defesa dos valores democráticos. Todo mundo precisa cumprir o seu papel, com amor pela democracia, pelo país e pelo ser humano. O engajamento de cada um é importante, e ele precisa se dar nas ruas, nos locais de trabalho, nas casas, conversando sobre o que está ocorrendo, para que possamos reverter esse resultado”, disse, em referência à votação final do impeachment no Senado, que deve ocorrer no final de agosto.

O impeachment e as elites

Durante o debate, Eduardo Cardozo destacou o afastamento da presidenta Dilma Rousseff como resultado de uma ofensiva conservadora orquestrada por setores que estariam inconformados com o resultado da eleição presidencial de 2014.

“Foi um pleito difícil, disputado voto a voto, e, quando abriram as urnas, a perspectiva da continuidade da transformação saiu vitoriosa. Eles nunca engoliram aquilo, por isso pediram auditoria e recontagem dos votos, mas não conseguiram provar qualquer tipo de fraude. Depois começaram a lutar pelo impeachment. Não sabiam nem que crime iriam apontar para a presidenta, mas começaram desde então a somar forças políticas para desviar o país dos rumos que o povo, com 54 milhões de votos, deu à nação (…) Vale tudo pra inventar um crime”, analisou o ex-ministro.

Para Feijó, o movimento que levou ao afastamento de Dilma teria começado ainda antes do último pleito presidencial. Ele estaria conectado à fase histórica que se iniciou nas eleições de 2002. “As elites nunca se conformaram com a vitória do presidente Lula, porque, depois de lutas históricas, a classe trabalhadora e os movimentos sociais conseguiram eleger um operário como presidente da República. Nós nos atrevemos a adentrar um espaço que era exclusivamente deles e esse operário, além de reeleito, conseguiu eleger uma mulher como sucessora, que também se reelegeu e, por mais que eles e a mídia oligopolizada insistam em bater nesse personagem, ele continua liderando as pesquisas”, observa o ex-secretário especial do Trabalho.

Na visão dele, as articulações que culminaram no afastamento da presidenta tinham como objetivos centrais a retomada do espaço político pelas classes historicamente dominantes, a viabilização da agenda conservadora e a disputa pela renda nacional.

“Isso é o que destrói os direitos dos trabalhadores, fragilizando as defesas desses direitos, e compromete a soberania nacional”, completou Feijó, citando a proposta legislativa que abre a exploração do pré-sal para as multinacionais e o projeto de lei que libera a aquisição de terras rurais brasileiras para estrangeiros. Os dois PLs tramitam atualmente na Câmara Federal e são apontados como elementos-chave do receituário neoliberal.

Ainda segundo a análise dele, as elites brasileiras teriam utilizado os concursos públicos como uma ferramenta estratégica no processo que levou ao atual contexto político. “A gente nem se deu conta disso, mas, se você parar pra observar, aqueles que são bancados pela família e podem passar o dia inteiro estudando pra passar num bom concurso são os que acabam virando autoridade e fazem o estrago que a gente está vendo agora nas carreiras de Estado. Eles só se preocupam com os interesses das elites. Não se importam com a soberania nacional, por exemplo. Tudo isso faz parte dos instrumentos do golpe”, completou.

Direitos trabalhistas

José Lopez Feijó, que também é ex-vice-presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), reiterou que o processo de impeachment traz consigo uma série de ameaças aos direitos trabalhistas. Atualmente, 59 propostas legislativas de retirada de direitos tramitam no Congresso Nacional.

No rol, ele destaca o PL 4330, cuja proposta seria regulamentar a terceirização. “O que eles querem, na verdade, é liberar a terceirização de forma indiscriminada, porque os trabalhadores nessa situação têm menores salários, maiores jornadas, menos direitos e, invariavelmente, quando perdem o emprego, nem sequer sabem a quem cobrar os direitos porque as empresas muitas vezes decretam falência”, disse. Segundo dados da CUT, o Brasil tem cerca de 13 milhões de trabalhadores terceirizados.

O sindicalista destaca ainda o PL 3785/2012, que trata da jornada intermitente, em que o trabalhador ficaria à disposição do patrão e seria remunerado somente pelas horas em que tivesse sido recrutado para atuar; os projetos que pretendem reformar o Código Penal para alterar o conceito de trabalho escravo, dificultando a caracterização dessa prática; e o PL 427/2015, que trata da negociação direta entre patrão e trabalhador, sem necessidade de mediação sindical.

“Este último é o mais grave de todos. Eu quero saber que funcionário, por melhor que seja o seu patamar salarial, consegue negociar com a empresa em condições de igualdade. É claro que isso não ocorre, porque o trabalhador é sempre o lado mais fraco, por isso a assistência sindical é de grande relevância”, disse Feijó.

Ele afirmou que o PL 427 poderia colocar em xeque todas as garantias da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). “A legislação atual já permite que uma negociação coletiva se sobreponha à lei, desde que ela seja mais vantajosa para o trabalhador. Sendo assim, esse projeto só tem sentido se for pra permitir rebaixamento de direito porque para acrescentar direitos não precisaria de um PL”, pontuou.

Aglutinação da esquerda e resistência

Para José Lopez Feijó, o atual contexto político brasileiro tem como aspecto positivo a união das forças de esquerda. “É uma novidade importante que este período trouxe, porque possibilitou a criação de uma grande frente daqueles que acreditam na democracia. Essa unidade é muito preciosa e o nosso grande desafio é fazer com que ela se preserve. Isso precisa valer tanto para o caso de a Dilma voltar quanto para o caso de o golpe se consolidar. Se isso ocorrer e ela não retornar ao cargo, precisamos estar unidos para tentar abreviar esse governo golpista através da luta”, disse.

Cardozo destacou que a atual turbulência política pode gerar um aprendizado democrático para a sociedade brasileira. “Quando a gente luta pela democracia, a gente aprende os seus limites, as suas fragilidades e constrói situações mais sólidas”, finalizou.

Edição: Simone Freire.

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