Música

Festival do MST em BH mostra que a Reforma Agrária vai além da distribuição de terra

Diversidade musical deu o tom da mostra de música do rap à moda de viola, do baião à canções de influência indígena

Belo Horizonte (MG) |
Festival conseguiu aliar diversidade e qualidade nas apresentações
Festival conseguiu aliar diversidade e qualidade nas apresentações - Elitiel Guedes

"O festival demonstra que a Reforma Agrária vai para além da distribuição de terra. Nós também lutamos pela distribuição do conhecimento, da arte, da cultura. O Sem Terra produz muita cultura, em diversas áreas, que vão desde as artes plásticas, a poesia, a música, várias outras formas de se expressar artisticamente”, afirma Marcos Pertaqui, intérprete de uma das canções apresentadas durante o Festival Nacional de Artes e Cultura da Reforma Agrária, em Belo Horizonte.

Mais de 100 canções de 18 estados do Brasil foram inscritas no Festival. Sessenta canções chegaram à capital mineira e foram apresentadas durante 4 dias de festa, nas duas sedes do evento, a Serraria Souza Pinto e a Praça da Estação, localizadas no centro da capital mineira. Agora, as 20 selecionadas pelo juri farão parte de um CD, incluindo a música do Sem Terra Marcos Pertaqui. Dez destas músicas serão de militantes do MST e as outras de amigos do movimento, e todas farão parte de um DVD.

Marcos é do acampamento Primeiro do Sul, em Campo do Meio, no estado de Minas Gerais. Para o músico, "a canção pode ter a capacidade de traduzir para o povo brasileiro uma coisa que um discurso político em cima de um carro de som não teria a capacidade de atingir. Ela consegue chegar nos lares, em todos os lugares. E quando você transforma essa expressão artística em uma arte engajada, você consegue levar essa mensagem de transformação”.

“A arte, a cultura e a política não são coisas separadas, elas estão sempre juntas”, ressalta Bruna Gavino, do Levante Popular da Juventude de Minas Gerais, uma das mais aclamadas pelo público presente à Serraria. Ela lembra, porém, que mais importante que ter sua música reconhecida é “ver a galera da cultura pautando a política”.

“E a minha música não é só minha. Fiquei duas semanas tentando escrever essa música e saíram só três frases. Ai, no meio do nosso acampamento estadual aqui de Minas Gerais, com todo aquele clima, com toda aquela gente, ela saiu em 10 minutos”, comenta Bruna.

Amigos do MST

A diversidade musical prevaleceu na escolha do juri: do rap à moda de viola, do baião à canções recheadas de influências latinas e andinas. Entre os selecionados estão amigos e parceiros do MST e artistas nascidos e criados dentro do Movimento Sem Terra. 

Um dos amigos do MST, Neudo Oliveira, natural de Bodocó, município de Pernambuco, explica que participar do Festival foi “uma experiência incrível”. “Essa relação de construção com os artistas, muitas amizades e, principalmente, a importância que tem de estar aqui. Para mim, é maravilhoso”, diz.

Neudo lembra que no estado onde nasceu Luiz Gonzaga, todo mundo é músico. "No sertão de Pernambuco todo mundo é músico, toca alguma coisa, porque o Forró Pé de Serra está na alma. Meu pai é sanfoneiro tradicional de Pé de Serra e fazia as apresentações dele para camponeses e camponesas da época. Ai a gente foi aprendendo”.

A paulista de Americana, Anita Lino, reverenciada pelos músicos e pela plateia, começou a se relacionar com o MST através da música. Ela lembra de ter participado de um ato do Movimento no Rio de Janeiro, onde uma amiga lhe aproximou da cultura e das canções camponesas. Após sua apresentação, ela não conseguia disfarçar a emoção. 

“É muito forte, eu estou bastante emocionada de ver que esse Festival recebeu minha música, assim, de primeira, porque foi justamente a terra que me inspirou a fazê-la. Essa terra que fecunda memórias, que fecunda sabedorias, uma terra fértil. E eu acho que essa música tem tudo a ver com a luta em si, justamente porque o nome dela, "Fecunda-Ação", mostra que toda ação pode mudar o mundo”, aponta.

Anita já tem dois EP`s (álbuns compactos, geralmente uma amostras do trabalho do artista) gravados, mas não se sente confortável em embarcar na roda da indústria cultural. “Eu toco muito na rua, sou cantora de rua, morei no México e tirei muita grana tocando na rua mesmo. Eu acredito que a música não tem dono, a música é a mais libertária das deusas e eu acho que se ela está aqui, ela está para gritar”, completa.

Diversidade

O Festival conseguiu aliar diversidade e qualidade nas apresentações, segundo o arranjador André Siqueira, que participou da preparação das canções e dos próprios músicos. “Fiquei muito feliz, por ter acesso a essa produção cultural de dentro do Movimento. Aponta para uma direção muito interessante em termos de educação musical, e quero estar mais perto, quero acompanhar, porque achei muito interessante essa mostra tão diversa, do país inteiro, gente do Piauí, de São Paulo, Minas, Bahia, Rio Grande do Sul, isso é muito bonito”, afirma Siqueira.

Para o arranjador, o Festival cumpre um papel importante ao unir a agricultura - um dos pilares do Movimento Sem Terra - e a cultura: “Elas têm a mesma raiz, são irmãs gêmeas”, disse. “Nós músicos somos artesãos também. Assim como o lavrador planta o grão, espera a plantinha crescer, reza para chover, reza para parar de chover, a gente também acompanha esse processo na nossa arte. Ela não funciona como uma esteira de produção, desde a criação da música, até a gravação, somos nós que acompanhamos todo o processo”, completa.

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