Rio de Janeiro

Entrevista

“A gente vê violência policial todo dia”, diz MC Carol

Em entrevista, cantora MC Carol fala sobre a música “Delação Premiada” e critica violência policial nas favelas

Rio de Janeiro |
MC Carol sobre a nova música: "A violência policial tem que parar"
MC Carol sobre a nova música: "A violência policial tem que parar" - Fernando Schlaepfer/Divulgação

Sons de sirene e tiroteio. Assim começa a música “Delação Premiada”, lançada recentemente pela cantora MC Carol, de 22 anos, criada no Morro do Preventório, em Niterói, e famosa pelos funks “Minha vó tá maluca” e “Não Foi Cabral”. Com batidas pesadas, a canção tem ritmo de trap (um tipo de rap) e critica fortemente a violência policial nas favelas do Rio de Janeiro. 

O nome da música também evidencia o tratamento diferente que a polícia dá a pobres e ricos. Isso porque delação premiada é o benefício legal dado a criminosos que aceitem denunciar o esquema de corrupção e entregar seus comparsas. Na letra, a artista diz que enquanto pobres são punidos com tortura, ricos recebem “tratamento VIP e delação premiada”.


Brasil de Fato - O que você passou e viu na sua vida que te inspirou a escrever “Delação Premiada”?

MC Carol - Eu não cheguei a viver pessoalmente, mas por ter nascido numa comunidade a gente vê violência policial todo dia. Um amigo meu, por exemplo, foi espancado porque ele estava chegando de um baile pela manhã e desceu de um táxi com outros amigos na comunidade. E para os policiais, é “estranho” descer de táxi numa comunidade, o pessoal anda de ônibus. Aí os policiais o revistaram e, quando viram que não eram bandidos, espancaram. Outro caso foi com um senhor que trabalhava com mototáxi, estava entrando de muleta na comunidade e levou da polícia dois tiros na barriga. Estava claro, era de tarde. Mas ficou por isso mesmo. Isso acontece sempre e a polícia nunca assume. Então, eu queria muito escrever uma música sobre isso, mas estava com medo. É perigoso morar numa comunidade e falar disso.

Brasil de Fato - Na música, você fala sobre a violência policial contra moradores da favela, principalmente negros, e ainda relembra as mortes do dançarino Douglas Pereira (DG) e do pedreiro Amarildo. Por que é importante relembrar esses casos?

MC Carol - Porque a violência policial tem que parar. Eles matam criança com celular na mão porque acham que é pistola. Desrespeitam mulher, pessoas de idade. Se você pergunta alguma coisa já é motivo. Na verdade, a PM é despreparada para fazer seu trabalho. A gente nunca vê os policiais assumindo o que fizeram, sempre alegam que a outra pessoa estava armada. Isso é um absurdo, tem que acabar.

Brasil de Fato - Você também fala sobre a diferença entre o tratamento do rico e do pobre, principalmente negro, na polícia e na Justiça. Você acha que isso tem alguma ligação com racismo?

MC Carol - Não sei se a questão da polícia envolve só racismo. Muitos policiais são negros e fazem o mesmo. Tem a questão da classe social. Acham que podem fazer o que querem porque estão numa comunidade. Se a pessoa leva um tapa na cara do policial na favela, ela não tem um advogado, e é complicado provar, tudo é muito difícil. Só por ser em uma comunidade isso já acontece. 

Brasil de Fato - Como a mídia tradicional, que você critica na música, contribui para esse problema?

MC Carol - A mídia defende a polícia sempre. E você pode até ouvir “PM mata por acidente”. Isso você não ouve tanto, mas se escuta, eles entrevistam o morador chorando, gritando. Aí entrevistam o policial, e o policial não vai falar (a verdade). Eles matam e forjam, plantam arma na cena do crime e droga ao lado. 

Brasil de Fato - Como é ser mulher e negra no seu dia a dia?

MC Carol - Ah, é complicado. O caminho é sempre mais difícil, ainda mais quando você é uma mulher de personalidade forte. Por exemplo, eu sou muito independente, gosto de trabalhar, ter o meu dinheiro. Mas em casa eu tenho problemas com o meu marido por isso. No trabalho, também, eu vivo com uma equipe de homens, e para ter respeito é mais complicado. Ser mulher e negra não é nada fácil.

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