Ligue 180

Denúncias de violência doméstica e familiar crescem 133%

Especialistas explicam o aumento a partir da expansão dos canais de denúncia e do maior acesso à informação

Redação |
Manifestante denuncia a violência contra a mulher durante ato público
Manifestante denuncia a violência contra a mulher durante ato público - Paulo Pinto/ AGPT

"Cadê meu celular? Eu vou ligar pro 180". Em 2016, 555.634 mulheres seguiram o mesmo caminho de Maria da Vila Matilde, personagem da música que dá nome ao último CD lançado por Elza Soares.

Segundo dados da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – Ligue 180, divulgados nesta terça-feira (9) pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, houve um aumento de 52% dos atendimentos em comparação ao mesmo período em 2015. Destes, 67.962 foram relatos envolvendo violência doméstica e familiar, o que representa um aumento de 133% em relação ao ano passado.

A Secretaria está ligada ao Ministério da Justiça e Cidadania e foi criada no governo interino após a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.

As estatísticas apontam ainda que o canal recebe, em média, 13 relatos de estupro por dia, o que representa um aumento de 147% em um ano. Em relação aos casos de cárcere privado, a média alcançou 18 registros por dia.

O Distrito Federal é o estado com a maior taxa de registro de atendimentos. Em seguida, está o Mato Grosso do Sul e o Piauí. Brasília foi a capital com maiores índices de denúncias, à frente do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. O balanço aponta ainda que 59,71% das mulheres que relataram casos de violência, no período, são negras.

Avaliação

O crescimento do número de denúncias é resultado da ampliação da divulgação dos canais de denúncias. Essa é a avaliação que faz a assistente social Patrícia Ferreira da Silva, diretora estadual do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS), que destaca também o trabalho de movimentos sociais, "que lutam para informar e orientar as mulheres".

Patrícia também lembra dos serviços socioassistenciais, voltados para o atendimento a mulheres vítimas de violência. "Embora deva ressaltar que existe hoje uma precarização generalizada nos serviços públicos estatais e cofinanciados", criticou.

A presidenta da União de Mulheres do Município de São Paulo, Rute Alonso, responsável pelo programa de orientação das Promotoras Legais Populares, também conecta o aumento generalizado dos números de atendimentos realizados pelo Ligue 180 a melhoras no acesso à informação.

"Quanto mais informações, mais as mulheres se entendem como protagonistas de suas vidas e ficam cientes do direito que têm sobre seus corpos", afirmou. Ela acredita que a divulgação dos canais de denúncia têm colaborado com o empoderamento das mulheres, principalmente as periféricas. 

Rute aposta que o aumento das denúncias não significa, necessariamente, que tenha aumentado também o cometimento do crime. "Ainda são números absurdos. Mas, provavelmente, com a mídia e as redes falando sobre o que é a cultura do estupro, as mulheres passam a perceber que aquela situação que vivenciaram, de abusos, do sexo sem consentimento, configuram estupros", disse.

No final de maio, o caso da adolescente abusada por 33 homens no Rio de Janeiro reacendeu o debate sobre o que é a cultura permanente de violência que perpetuam contra as mulheres. Para Patrícia, o número de denúncias de estupros neste contexto foi resultado do rompimento das "barreiras da autoculpabilização e da vergonha das que assumem que foram violadas em seu corpo".

Mulheres Rurais

A melhora na conectividade também explicaria, na percepção de Rute, o aumento das notificações em zonas rurais. As mulheres urbanas são responsáveis por mais de 90% das denúncias, mas o aumento de ligações oriundas do campo cresceu 139% no último semestre.

"Geralmente, são poucos os canais de comunicação que chegam ao interior para levar essas informações. Então, o que acho que acontecia era o silêncio e a naturalização da violência e que às vezes, com o maior acesso à internet, ao WhatsApp, pode ter impactado na zona rural", sustentou.

Já para Patrícia, a crescente da busca dos serviços na zona rural é também expressão da descentralização das políticas públicas, da assistência social, ainda que muito precarizados. "Mas conta com serviços primordiais, também, para a prevenção e o enfrentamento da violência contra mulheres, que, entre outras atribuições, deve levar a informação é orientação por meio de serviços que aproximam as comunidades de assuntos antes velados", disse.

Rute afirma que a mídia está, no entanto, muito aquém deste papel. "A mídia não usa essa potência que tem para, em vez de fomentar e corrobar com o jornalismo carniceiro que expõe assassinatos de mulheres, falar das casas especializadas, defender a discussão de genêro na Educação, uma escola onde se discuta diversidade. Tudo isso tá concatenado", refletiu.

Futuro incerto

O Ligue 180 é um serviço público, gratuito e confidencial oferecido desde 2005. O canal tem por objetivo receber denúncias de violência, reclamações sobre os serviços da rede de atendimento à mulher e de orientar as mulheres sobre seus direitos e sobre a legislação vigente, encaminhando-as para outros serviços quando necessário.

Desde março de 2014, serve como disque-denúncia, com capacidade de envio de denúncias para a Segurança Pública com cópia para o Ministério Público de cada estado. Para isso, conta com o apoio financeiro do Programa ‘Mulher, Viver sem Violência’.

Rute Alonso expressa preocupação com a perda do status de ministério da atual Secretária de Políticas para as Mulheres. "Estes dados evidenciam um trabalho anterior que foi feito, quando ainda existia o Ministério. Meu medo é que daqui a seis meses... Quais serão os novos números, por não termos investimentos?", questionou. 

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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