TRADIÇÃO

Parteiras tradicionais buscam reconhecimento e preservação dos seus saberes

Existem cerca de 600 parteiras atuando em Pernambuco, de acordo com o Grupo Curumim

Recife (PE) |
São nas serras, sertões, ilhas e periferias que elas mais atuam.
São nas serras, sertões, ilhas e periferias que elas mais atuam. - Eduardo Queiroga/Instituto Nômades/ Projeto "Parteiras, um mundo pelas mãos".

A primeira vez que Maria dos Prazeres, 79 anos, ajudou uma criança a nascer ela não esquece. “Parecia que eu estava subindo nas nuvens de tanta alegria”, conta a parteira. Moradora de Jaboatão dos Guararapes, ela é filha, neta e bisneta de parteiras e faz isso há 60 anos. “Eu ouvia as conversas da minha mãe sobre os partos que ela ajudava. Sempre fui muito curiosa. Quando eu sentia o cheiro de alfazema, que é muito tradicional de se queimar na casa que a mulher está parindo, eu saía em disparada para tentar ver”, conta Prazeres.
As parteiras tradicionais são, em sua maioria, mulheres de referência em suas comunidades. Lideranças dos grupos que atuam, geralmente são mais velhas e não possuem formação acadêmica, mas dominam uma série de técnicas e conhecimentos sobre gestação, parto e pós-parto. O início no ofício se dá por destino ou necessidade. São nas serras, sertões, ilhas e periferias que elas mais atuam.
“A parteira é um elo importante entre a comunidade e o Sistema Único de Saúde (SUS). No Brasil, existem cerca de 3 mil parteiras tradicionais no cadastro do Ministério da Saúde. Elas já estão inseridas em algumas políticas públicas, são colocadas na certificação dos nascidos vivos. Isso demonstra um reconhecimento político. No entanto, ainda são muito discriminadas quando chegam aos hospitais, por exemplo”, afirma Paula Viana, enfermeira e secretária-executiva do colegiado do Grupo Curumim.
Atuando desde 1990 em todo o Nordeste, o Grupo Curumim busca melhorar as condições de trabalho e vida das parteiras tradicionais e garantir o reconhecimento e a preservação dos seus saberes. A relação dessas mulheres com seus territórios, a troca de conhecimentos de forma oral, de geração em geração, precisam ser respeitadas e fortalecidas, de acordo com Paula Viana.
“É preciso entender que as parteiras podem sim atender ao parto na casa da mulher, já que isso é um direito. A família é soberana no nascer e morrer. E quando reconhecemos esses saberes como patrimônio cultural brasileiro, asseguramos que isso não se apague”, reforça Paula. Ela se refere ao processo que foi aberto em 2011 por ONGs e associações de parteiras e reaberto neste ano no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para reconhecimento dos saberes e práticas das parteiras tradicionais.

Em Pernambuco, o Programa Estadual de Parteiras Tradicionais (PEPT) está funcionando desde 1993 e é considerado uma referência nacional no âmbito. Contempla ações de melhoria do parto domiciliar realizado pelas profissionais, sendo feita a identificação e o cadastro por município e a capacitação para o acompanhamento à gestante durante o parto domiciliar.
Maria dos Prazeres é formada em enfermagem e trabalhou por muitos anos em grandes hospitais do Recife. Ela conta que decidiu ir para as maternidades para ver as diferenças nas formas de fazer parto, e diz serem muitas. Ela uniu, durante sua trajetória, os conhecimentos empíricos e acadêmicos. “Eu me sinto realizada juntando os dois conhecimentos e compartilhando com as minhas colegas parteiras”, explica a senhora, que ainda hoje coordena os encontros das parteiras do seu município.
A maior alegria de Maria dos Prazeres é poder dizer que na sua mão nunca um bebê morreu. Já foram mais de cinco mil partos. De algumas famílias, ela já acompanhou três gerações. O último parto que assistiu foi o do seu bisneto, que aconteceu na sua própria cama há sete meses. “Eu trabalho pisando no chão, navegando nas emoções do parto”, conclui Maria dos Prazeres, transformando em palavras o amor que sente pelo seu ofício.

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