Cinema

"Seremos cada vez mais combativos", diz diretor de "Aquarius"

Longa-metragem tem levantado debates desde sua premiere, em Cannes, quando o elenco denunciou o golpe contra Dilma

São Paulo (SP) |
Elenco do filme "Aquarius" em coletiva de imprensa de lançamento, em São Paulo
Elenco do filme "Aquarius" em coletiva de imprensa de lançamento, em São Paulo - José Eduardo Bernardes/ Brasil de Fato

"Dá muito trabalho fazer um filme que 'esterilize' o Brasil. É muito mais fácil para mim fazer um filme político, realista, que dialogue com o momento que vive o país", afirma o diretor Kleber Mendonça em coletiva de imprensa de seu novo filme "Aquarius", que estreia nacionalmente nesta quarta (1º).

No filme, Clara (Sonia Braga) é uma jornalista e escritora moradora de Recife, mais especificamente da praia de Boa Viagem, e resiste às investidas do jovem e ambicioso corretor de imóveis Diego (Humberto Carrão). Ele tenta comprar o apartamento de Clara para construir ali um novo empreendimento imobiliário.

Assim como em "Som ao Redor", seu último e elogiado longa metragem, Mendonça volta a falar sobre a cidade e o incômodo criado pela especulação imobiliária. "É um movimento de se sentir desconfortável com essa nova cidade e com o espaço urbano como ele está", explica o diretor.

Apesar do prestígio que angariou ao colocar seu segundo longa metragem em Cannes, maior festival de cinema do mundo, que acontece na França, Mendonça se mostrou receoso com o futuro do cinema no país após o processo de impeachment da presidenta Dilma, que fez subir ao poder um governo interino com claras tendência conservadoras.

"Não sabemos o que será dos incentivos ao cinema daqui pra frente. Mas acho que seremos cada vez mais combativos, independentemente do que aconteça", aponta Mendonça. Para o diretor, não é possível "ficar calado na sociedade e as palavras são as armas ideais para isso".

Polêmicas

Aquarius tem levantado debates e polêmicas desde sua premiere, no festival francês. Lá, na noite de estreia, Mendonça e o elenco do filme, marcaram posição de denúncia contra o golpe que acontecia no Brasil, ao levantar diversos cartazes durante a passagem pelo tapete vermelho.

Agora, perto de sua estreia nacional, o Ministério da Justiça classificou o filme como para maiores de 18 anos, por "cenas de sexo complexo" e uso de drogas. A decisão causou reações no mundo cinematográfico.

Além disso, as críticas de Marcos Petrucelli, um dos jurados que selecionará a película que representará o Brasil no Oscar, às manifestações do elenco contra o golpe, em Cannes, causaram uma enxurrada de apoio ao filme, mesmo antes de sua estreia.

Três diretores já retiraram seu filme da disputa, e dois jurados (Guilherme Fiúza e Ingra Lyberato) deixaram suas posições entre os que decidirão o filme brasileiro no festival americano.

Mendonça explica que "sabe o filme que fez" e ressalta que as cenas de sexo "foram filmadas da distância correta, com as lentes e as câmeras certas".

"Filmes recente como Bruna Surfistinha, Tatuagem e Boi Neon, também tem cenas de sexo e não receberam essa classificação. Eu não acredito que Aquarius esteja na mesma prateleira de Ninfomaníaca e Love 3D", aponta Mendonça.

O diretor lembrou ainda que, na França, o filme recebeu classificação etária de 12 anos, e na Holanda, onde ganhou o prêmio de melhor filme do Festival de Cinema de Amsterdã no último fim de semana, "a classificação é livre", sorri.

Mulher no cinema

A protagonista do filme, interpretada por Sonia Braga, é uma mulher com mais de 60 anos que precisa lutar pelo direito de decidir. Assim como é raro ver mulheres protagonistas no cinema, é ainda mais raro mulheres com a idade de Sonia.

A atriz, que diz ter recebido de presente o "melhor roteiro da vida", lembra que a mulher já conseguiu "dentro da sociedade, uma posições mais forte". "Mas a indústria do cinema ainda não acompanhou isso", afirma.

Sonia faz também um paralelo entre o filme e o momento em que vive a presidenta Dilma Rousseff. "É muito estranho. Apesar de estarmos comemorando o lançamento do filme, o que tem acontecido no país me lembra muito o que acontece com a Clara, uma mulher que precisa lutar para provar que está certa", diz.

Para a atriz Maeva Jinkings, que vive Ana, a filha de Clara na película, a falta de personagens femininas é um reflexo das escolhas do mundo do cinema, "predominantemente masculino, hétero e com sede de juventude".

"As mulheres ainda falam menos no cinema, mostram mais o corpo e, geralmente, não têm profissão", conta a atriz.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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