RESISTÊNCIA CULTURAL

Arte como resistência aos tempos de golpe

Música, teatro, dança, cinema são ferramentas de resistência dos artistas e do povo em tempos sombrios

Recife |
Espetáculo "O ano em que sonhamos perigosamente" do grupo Magiluth.
Espetáculo "O ano em que sonhamos perigosamente" do grupo Magiluth. - Laís Sampaio

“O sistema é bruto, o processo é lento
nosso sentimento, não vai recuar
amor, liberdade, verdade, alimento
não tinha e agora querem golpear”

(Golpe Não – Chico César)

Difícil encontrar alguém que depois de um ato não tenha ficado com aquela música na cabeça. Tem as que nos acompanham por longos tempos, as que aprendemos ali, na hora, na voz da juventude, das mulheres, dos camponeses. Elas falam da nossa resistência, da história dos nossos lutadores, das nossas utopias. “Quero ser amizade, quero amor, prazer/ Quero nossa cidade sempre ensolarada/ Os meninos e o povo no poder, eu quero ver”, da canção de Milton Nascimento, ecoa dos trios e das vozes do povo na concentração. Faz parte do ritual.
Não apenas música, mas teatro, dança, cinema, artes plásticas são ferramentas de resistência dos artistas e do povo em tempos sombrios. A produção artística da época da Ditadura no Brasil reverbera e é referenciada até hoje. Caetano, Gil, Geraldo, Bethânia, Gal. Teatro de Arena, Teatro do Oprimido. São grandes exemplos.
O historiador e pesquisador musical Ivan Lima pontua que a produção musical da Ditadura que mais acessamos hoje foram feitas por uma elite cultural. “No entanto, a periferia também produziu e produz muita música de resistência. Naquela época tinha Odair José, Fernando Mendes, Agnaldo Timóteo. Hoje temos a MC Carol, Criolo, Emicida, Racionais, Chico César, Beth Carvalho”, comenta Ivan.
O pesquisador observa que a arte, a música, cria processos de microrresistências e entra na vida das pessoas. “Gosto de citar Maiakóvski, quando ele fala que a arte é um grande instrumento para a revolução. Fazer arte é reflexão, é um caminho para discutir. A arte dimensiona diversos sentidos. As músicas feitas por artistas da periferia é o que posso dizer de entretenimento com argumento. Circula com facilidade, passa uma mensagem objetiva e ajuda na composição de atos”, conclui Ivan.
No teatro, a resistência é inerente ao processo artístico, como observa Pedro Wagner, ator, produtor e diretor e integrante do Magiluth. “A arte sempre resistiu. Por si só ela é algo que resiste e ultrapassa as questões de um governo ou outro. Nós, que fazemos teatro, discutimos o mundo no qual vivemos. Todas as questões sociais desembocam no meu fazer teatral”, afirma Pedro. Sobre o cenário atual de golpe no Brasil, Pedro observa que são tempos sombrios. “Quando o governo oprime, a arte grita. Por isso em governos repressivos a censura chega logo”, reflete.
Pedro destaca, no cenário teatral recifense, os trabalhos da artista Flávia Pinheiro, do Coletivo Angu de Teatro e da atriz Hilda Torres, como trabalhos engajados politicamente. “Hilda, com o monólogo sobre Soledad, olha para o passado para mostrar os riscos que corremos no presente”, afirma e conclui: “a resistência é força motriz do teatro. É por isso que acordamos todos os dias”.

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