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Claudio Ribeiro: O golpe continua com a denúncia de Lula

As delações (ou colaborações) foram restringidas a um só campo partidário, não há mais como esconder este fato

Curitiba |
Os fatos delatados contra filiados e caciques de outras agremiações partidárias dissolveram-se no ar e uma parte ponderável enferruja-se nalgumas gavetas do judiciário
Os fatos delatados contra filiados e caciques de outras agremiações partidárias dissolveram-se no ar e uma parte ponderável enferruja-se nalgumas gavetas do judiciário - Fernando Frazão/Agência Brasil

A denúncia de Lula e Marisa baseada na reserva e reforma de um ‘triplex em Guarujá’ e custeio do armazenamento de seus bens por um empreiteiro delator é uma denúncia legalmente vazia. A titularidade de um bem imóvel é comprovada pelo registro em Cartório e pode ainda sedimentar-se nos direitos gerados pela posse mansa e pacífica durante pelo menos cinco anos, quando urbano.

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O ‘triplex’ está registrado em nome de uma empreiteira e Lula e Marisa jamais o ocuparam sequer para uma temporada de férias de 30 dias. Essas premissas legais obrigatórias desmentem à saciedade que Lula e Marisa sejam proprietários de um, digamos, apartamento mediano de praia, ainda que o tenham visitado com o propósito de adquiri-lo. Jamais poderá legalmente se afirmar que sejam seus donos ou que tenha sido encontrado algum ‘contrato de gaveta’ comprobatório de sua aquisição.

As notícias veiculadas durante esses dois últimos anos esvaziam a denúncia; aliás, abre um insólito precedente nas formas de aquisição de bens; e neste fértil terreno poderão ser abertos milhares de hipóteses. Apenas para argumentar, se alguém reserva um imóvel e ordena a sua reforma deixando, depois, de adquiri-lo, isto não constitui crime ou tipo penal, podendo no máximo implicar responsabilidade civil, se os fatos forem devida e robustamente comprovados. A única conclusão inferível do libelo acusatório é inteira e incontornavelmente política.

O golpe que infiltrou Temer na cadeira presidencial faliu. O povo, inclusive parte ponderável dos segmentos sociais defensores do ‘Fora Dilma’ (e seus financiadores) constataram em pouquíssimo tempo que Temer não reúne força política para implementar as contrarreformas perseguidas pelos golpistas.

Há em todo o País um clima de indignação cada vez mais profundo e concentrado nas lutas pelo ‘Fora Temer’. Qual seria então a alternativa agora ensaiada pelos golpistas? Novas eleições para escolha de outro Presidente da República? Como promovê-las neste momento se as pesquisas, espontâneas ou não, apontam a vitória de Lula com largas vantagens; logo, antes e o mais depressa possível é preciso extirpá-lo do cenário político e este, a meu ver, é o real papel cumprido pela denúncia.

Não há dúvidas: A Lava-Jato foi a única ‘Operação’ policial/judicial que resultou no encarceramento de um grande número de grandes empresários brasileiros; todavia, todos, à exceção por enquanto de dois, foram agraciados pelas delações direcionadas contra o PT e alguns dirigentes petistas. Os fatos delatados contra filiados e caciques de outras agremiações partidárias dissolveram-se no ar e uma parte ponderável enferruja-se nalgumas gavetas do judiciário. As delações (ou colaborações) foram restringidas a um só campo partidário, não há mais como esconder este fato.

Na AP-470, o Supremo Tribunal Federal adotou, pela primeira vez no Brasil, e de forma discutível, a teoria do domínio funcional dos fatos para condenar José Dirceu como o ‘grande comandante’ da corrupção instalada nos altos escalões da República. Entretanto, o alcunhado ‘Mensalão’ não bastou. A elite branca, dona secular do Estado brasileiro, insatisfeita com o bilionário enriquecimento propiciado pela agiotagem do rentismo, não se deu por satisfeita e não aceita alguém de subalterna (na escala que adotam) classe teme riscos imaginários de, por esse caminho, perder seus monumentais privilégios e quer ardentemente destruir a maior liderança de origem popular que já demonstrou capacidade de derrotá-la em processos eleitorais.

Embora fundador do PT, venho criticando de forma pública a política do pragmatismo, a prática de governos de coalizão sem compromissos programáticos, os pactos de conciliação, porque era visível, desde os anos noventa, que isto nos conduziria ao cadafalso político, daria no que deu e continua dando. Só não enxergavam nem enxergam essas consequências os que fechavam os olhos e ainda fecham e os que se quedavam amordaçados pelo oportunismo e pelo carreirismo proporcionados pelas poltronas em espaços de Estado.

*Claudio Ribeiro, advogado trabalhista e integrante da Articulação Advogados pela Democracia 

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