Violência

Truculência, perseguições e infiltrado do Exército estimulam audiência pública

Comissão de Direitos Humanos da Câmara quer providências administrativas sobre a atuação das forças de segurança

Brasília (DF) |
Audiência pública para debater a criminalização crescente dos movimentos sociais e das manifestações de rua
Audiência pública para debater a criminalização crescente dos movimentos sociais e das manifestações de rua - Cristiane Sampaio/ Brasil de Fato

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal quer providências administrativas sobre a atuação das forças de segurança dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e do Distrito Federal durante atos políticos.

A novidade resulta de uma audiência pública realizada na tarde desta quarta-feira (14) no colegiado para debater a criminalização crescente dos movimentos sociais e o aumento da repressão às manifestações de rua. As constantes acusações de abuso de autoridade por parte da polícia têm despertado a atenção da opinião pública, provocando também a intervenção de atores institucionais.

“Se omitir é se acovardar, porque permitira que esses atos se avolumem pelo país afora. Não podemos baixar a cabeça diante dessa situação em que quem deveria garantir proteção ao cidadão está atacando esse mesmo cidadão”, disse o deputado Padre João (PT-MG), presidente da Comissão.

Ao longo da audiência foram ouvidos a médica Maria Alessio e os advogados Mauro Rogério dos Santos e Renato Freitas Júnior. Eles foram vítimas de agressão policial no Distrito Federal (DF) no Rio Grande do Sul e no Paraná, respectivamente.

Após os relatos, a Comissão informou que irá provocar o Ministério Público Estadual dos três estados para atuar nos casos, já que a instituição é responsável pelo controle externo da atividade policial. Também será oficiado o MP de São Paulo para tratar da reação desproporcional das forças de segurança durante os últimos atos na capital paulista.

Sociedade civil

Além deles, participaram da audiência a procuradora da República Déborah Duprat, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) em Brasília, e o jornalista Fausto Salvadori Filho, do coletivo Ponte Jornalismo, que descobriu a infiltração de um agente do Exército em grupos de manifestantes em São Paulo.

“É bom que este assunto esteja sendo discutido aqui, porque ele foi ignorado durante vários anos no Brasil e, como estamos diante de um governo que vem com a proposta de atropelar direitos, é preciso ter disposição para lutar contra isso”, disse o jornalista.

O assunto da infiltração do agente tomou as redes sociais nos últimos dias e foi apontado pelo colegiado como uma prioridade entre as apurações a serem feitas. Segundo o presidente, um dos próximos passos da Comissão deve ser a convocação de representantes dos ministérios da Defesa e da Justiça e do gabinete de Segurança Institucional do governo para prestarem explicações sobre o caso e sobre os relatos de truculência policial.

Esvaziamento

O requerimento para a convocação estava previsto para ser votado nesta quarta (14), mas o esvaziamento da audiência impediu que fossem tomadas deliberações. O número mínimo exigido na CDHM é de 10 parlamentares, e apenas quatro deputados compareceram, além do presidente.

A ausência de parlamentares governistas não escapou às críticas de deputados da oposição, que disseram que a bancada de Michel Temer estaria boicotando a reunião para travar a pauta de deliberações e dificultar a convocação de expoentes do governo.

“Vamos batalhar pela aprovação desse requerimento porque não se pode deixar de convocar o governo numa situação como esta”, disse Padre João, informando ainda que os deputados do colegiado estão autorizados a atuar em seus respectivos estados em nome da Comissão para intervir em situações de abuso de autoridade.

“A CMDH precisa se transformar em um tribunal permanente de escuta de denúncias de tudo isso que está ocorrendo agora. É preciso que esta Casa tome uma medida de impacto, até porque ela tem na sua composição vários representantes policiais. Temos inclusive os que comparecem uniformizados às sessões, e são as mesmas pessoas que reforçam o discurso tradicional da grande mídia sobre a violência”, criticou a deputada Janete Capiberibe (PSB-AP).

Vítimas

O advogado Mauro Rogério dos Santos é uma das recentes vítimas do abuso de autoridade da polícia em Caxias do Sul (RS). Durante uma manifestação contra o governo de Michel Temer ocorrida no começo deste mês, ele chegou a ser algemado e preso pelas forças de segurança depois de tentar intervir numa situação de repressão a um grupo de manifestantes.

“Eu tinha ido buscar meu filho, que estava participando do ato. Ele não estava entre os envolvidos, mas havia uns jovens assustados com a ação da polícia. Eu me dirigi até eles e, em questão de seis segundos, já estava algemado pelos policiais”, conta o advogado, que chegou a ser torturado pelos agentes e ainda sofre as sequelas da truculência.

“Depois disso, minha vida virou pelo avesso e tive problemas de toda ordem. Quando vi aquela situação, poderia simplesmente ter levado meu filho e virado as costas pra tudo aquilo, mas não podia fazer isso. Tinha que correr o risco, e corri. Não me arrependo. Se precisasse, faria de novo porque, se nós permitirmos isso, essas situações vão se multiplicar porque parece que se avizinha um Estado em que esse tipo de ação é incentivado, articulado. Precisamos seguir lutando. Não há outro caminho”, desabafou Santos, que participou da audiência como convidado.

O abuso de autoridade por agentes de segurança fez do advogado Renato Almeida Freitas Júnior mais uma vítima da polícia de Curitiba. Ele e um grupo de amigos foram violentados por policiais durante uma ação desmedida da PM, em um contexto sem motivações ou precedentes. Ele atribui o ocorrido ao histórico de preconceito social e racismo que ainda marca a sociedade brasileira, em especial a paranaense.

“Curitiba é uma cidade muito conservadora e hostil com as pessoas que vêm da periferia. (…) Além disso, o Brasil tem a polícia que mais mata no mundo. Só jovens foram mais de 600 mil assassinatos em duas décadas, a maioria negros. (…) Os cadáveres amontoados nas valas do cotidiano, já que a polícia mata cinco pessoas por dia no país, expõem a barbárie de nossas instituições”, disse, num depoimento que comoveu o público presente na audiência.

Após os relatos, a Comissão de Direitos Humanos informou que vai pedir providências também da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre a atuação nos dois casos, para evitar inclusive que advogados tenham a atuação cerceada pelos abusos policiais em manifestações.

Denúncias

Na ocasião, a procuradora Deborah Duprat se disse preocupada com o contexto de repressão crescente no país e ressaltou que qualquer pessoa pode comunicar um caso de abuso policial às procuradorias federais dos Direitos do Cidadão que atuam nos estados.

“Nós não estamos, como chegaram a sugerir algumas pessoas, infiltrados em manifestações e tirando fotos dos policiais, mas estamos acompanhando atentamente a situação, na medida das nossas capacidades institucionais e pelas mídias sociais”, disse.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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