Crônica

Os ói de meu minino

Mãezinha, tenha cuidado, a puta que o pariu, se eu num comia, fazê o quê? Hein?

Recife (PE) |
Roberto Efrem Filho - ou Beto, como gosta - é do Recife e, vez ou outra, desajeita-se na palavra.
Roberto Efrem Filho - ou Beto, como gosta - é do Recife e, vez ou outra, desajeita-se na palavra. - Arquivo pessoal

Se ninguém vê, se a gente fica queta nesse silenço, a tristeza parece miudinha, do tamanho do imbigo dele no dia que eu deixei a maternidade. Pensei que não vingava. Também, minha fia, o pirraia era só cabeção e catarro, dava pena. Eu já tinha perdido duas, tu sabe. Marineide foi dirnutrição mermo. A médica dizia que o leite salva os bebê tudo, que era só peito e priu, mas que priu, que priu, se o leite secô? Ô, ô, ô! Mãezinha, dê o peito, mãezinha, tenha cuidado, a puta que o pariu, se eu num comia, fazê o quê? Hein? A segunda? Marleide foi falta de cumê não. Foi o fogo. Quano os puliça incendiaro a invasão da gente na Rua Velha, a vizinha correu com os minino dela, esqueceu Marleide no colchão. Na hora que ela voltô, a minina já não respirava mais. Arfixiada. Eu? Eu tava na casa da minha patroa em Boa Viage, cuidano do caçula dela, Gustavo, os ói azuzinho, azuzinho, visse?, vi crescê, bonito. Eu só soube de Marleide no ôto dia. Ouvi no rádio. Apois, eu cheguei em casa, minha fia, não era mais casa, nem fia, nem nada. Enterrei debaixo da Ponte de Ferro. Eu e os gabiru. Aí, pedi à patroa e fui morá no quartinho. Muito boa ela, a minha patroa. Dexô. Nunca se quexô. Falava às amiga que eu era limpinha, clarinha. Bom esse tempo. Depois da novela, eu podia até descê e namorá. Foi quano eu engravidei do meu minino. A patroa gostô não. Ela explicô que não dava certo, me deu as féria e pronto. Eu só voltei lá quano meu minino nasceu. Fui mostrá a ela os ói dele, azuzinho, azuzinho. Ela me mandô embora. Depois, mandô me buscá. Deu o trabalho de volta e comprô um barraco pra mim. Era boa ela, tô dizeno. Me ajudava. As roupinha usada de Gustavo ficava tudo pro minino. Assim fomo viveno, né? O minino era danado, visse?, ficô grandão, rapagão, todo dia era eu-te-amo-mainha, mainha-minha-princesa, dava opinião nas minha roupa, se combinava, se não, diziam que era viado, que se pegava com o padeiro e os pedreiro e os dotô, eu não ligava, se eu tivesse uns ói daquele, minha fia, quem mais dava era eu! Ô, ô, ô! Arrumô de vendê pedra, é, pedra de fumo, como é?, crack. Fazia as embalage, botava fita colorida, jeitoso demais. Começô a fazê dinhero, me enchia de presente. Me levô, meu bem, pro show de Roberto Carlo. Juro! Foi lá e tomô uma rosa pra mim. Não aguentei. Chorei. Coisa de televisão. Mas aí mataro. Foi. Eu tava com o feijão no fogo, separano o coentro, quano batero na porta. Balearo teu minino, Neide. Oxe! Do jeito que eu tava, de camisola, voei pra escola. Cheguei lá, era gente, visse?, uma multidão. Ele atirô, num atirô, tava armado, num tava armado. Eu sei é que um revolve apareceu, um tiroteio apareceu, as pedra apareceu, só não apareceu no jornal as fita colorida e o rombo da bala na nuca do meu minino, sim, na nuca, como quem fode alguém por trás, de costa. Agora eu fico aqui. De noite, no escuro, os ói do minino acende na ponta do cigarro. Oa, assim, dá até pra disfarçá a vida.

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