Identidade

Exposição “Portinari Popular”, no Masp, revela olhar branco sob o corpo negro

Retirantes, cangaceiros, sambistas e moradores do morro estão em alguns dos retratos do artista plástico paulista

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O artista plástico Moisés Patrício analisa a Exposição “Portinari Popular”, no Masp, em São Paulo (SP)
O artista plástico Moisés Patrício analisa a Exposição “Portinari Popular”, no Masp, em São Paulo (SP) - Reprodução

O Museu de Arte de São Paulo (MASP) traz, desde agosto, a exposição “Portinari Popular”, repleta de obras que abordam temas, narrativas e figuras populares — trabalhadores em suas diversas atividades e personagens como o cangaceiro, o retirante, a baiana, o sambista, a índia Carajá.

Um dos principais representantes da escola modernista no Brasil, Cândido Portinari (1903 – 1962) retrata um Brasil construído pela mão de obra negra, já destacada à margem da sociedade por decorrência do processo escravagista, mas que vê no trabalho sua redenção.

As obras variam entre a escassez de água e de vida marcada pelas formas deformadas dos retirantes, o trabalho nas plantações, a vida nas favelas e nas periferias.

Algumas imagens, hoje consolidadas como estereótipos da negritude, tiveram um papel importante naquele período, no qual os negros e negras eram totalmente invisibilizados nas obras artísticas ou apareciam ainda como figuras subalternas. 

Para Renata Felinto, que é artista plástica e doutora em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual de São Paulo, Portinari “deu visibilidade ao desejo do Estado Vargas de apagar as diferenças sociais entre negros, brancos e afrodescendentes de forma geral”.

Segundo ela, a principal ferramenta usada para cumprir esse propósito foi a representação do negro no trabalho, a exemplo do “Lavrador de Café”.

“Portinari incorporou o conceito de pés e mãos exagerados objetivando ressaltar a importância desses membros na labuta diária, no ganha-pão, no enobrecimento dos que plantam e colhem sol a sol”, analisa.

As mulheres negras aparecem de várias formas: são mulheres grandes, segurando latas de água, baianas descendo o morro, ou simplesmente andando, como a “Mulata de vestido branco”, mulher sem face que caminha ao vento.

Com relação à vida urbana, Portinari pintou mais de uma vez as favelas, cujas representações são coloridas e influenciadas pelo cubismo. Em uma delas, vê-se uma família negra onde o homem toca violão no pé do morro. Em outra, vê-se um homem negro, boêmio, tocando flauta na rua. 

Renata considera que essas representações que se pretendem elogiosas é comum. “Figuras assim que tendem a estigmatizar negros e negras são recorrentes na produção do período de 1920 a 1960 de alguns artistas modernistas”, conta.

Apesar disso, o artista plástico Moisés Patrício acredita que a obra de Portinari cumpre um papel fundamental de revelar as origens do povo brasileiro. “Com sua obra, ele aponta que existe uma nação chamada Brasil, que foi construída por determinadas mãos, por um determinado cenário, por algumas mortes e dores”, considera.

Patrício entende ainda que Portinari foi um grande observador da cultura brasileira marcada por influências nordestinas, rurais, indígenas e negras. “Ele tentou dar visibilidade para uma parcela da população que sempre foi considera desimportante, excluída, e faz um resgate de elementos simples como a cabaça, o pipa, o baú, que surgem em muitas imagens, dando um ar misterioso às obras”, pontua.

O acervo, de cerca de 50 obras, contém obras do próprio MASP, de colecionadores e de outros museus do Brasil e do Mundo. A exposição vai até 15 de novembro e é gratuita todas as terças-feiras.

O Brasil de Fato convidou Patrício para visitar a exposição e analisar as obras em vídeo. Confira:

 

 

Edição: Camila Rodrigues da Silva

 

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