Violência

Indígenas sofrem ataque em posto de saúde em Itacarambi (MG)

Cimi responsabiliza o prefeito da cidade pelo episódio, alegando que ele incita o ódio contra o povo Xakriabá

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Indígenas protestam contra agressões em Itacarambi
Indígenas protestam contra agressões em Itacarambi - Cimi

Um posto de saúde ocupado por indígenas da aldeia Várzea Grande, no município de Itacarambi (MG), foi depredado na última sexta-feira (23). Indígenas da etnia Xakriabá, funcionários da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e o missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Nilton Seixas, que atua na região, foram atacados.

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As informações são da organização, que relaciona o episódio às declarações recentes do atual prefeito e candidato à reeleição do município, Ramon Campos Cardoso (PDT), contra a população indígena.

Um grupo de 40 fazendeiros, posseiros e jagunços, segundo relatos de Seixas, que estava presente no local, seriam os responsáveis pela ação na unidade de saúde. O posto está inserido nos limites da Terra Indígena (TI) Xakriabá, região norte do estado. Um indígena quebrou o braço ao tentar se proteger das agressões.


Acesse aqui a íntegra do boletim de ocorrência

"Como se tratavam de 40 homens e eles vieram armados, se algum membro da comunidade não me desse fuga, a intenção deles era me matar. Essa é a grande verdade", disse o missionário.

O posto onde ocorreu ação foi ocupado pelos Xakriabá em fevereiro deste ano. Segundo Seixas, o prefeito se negou a dar assistência aos indígenas,e a Unidade de Saúde foi fechada quando os índios retomaram a Fazenda São Judas, em setembro de 2013. A Prefeitura entrou com o pedido de reintegração de posse, e o processo ainda corre na 2ª Vara da Comarca de Januária, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A Funai contestou o andamento em uma instância de Justiça comum.

A Sesai está dando atendimento à população indígena local, que é formada por cerca de 170 famílias que estão nesta aldeia.

Disputa eleitoral

O Cimi alega que as declarações de Ramon ocorrem desde 2013, mas que a campanha eleitoral têm acirrado os ânimos da região. Após o ataque, os indígenas registraram boletim de ocorrência e pediram à Polícia Federal mais apoio no período eleitoral.

O político do PDT, em setembro do ano passado, afirmou que “a Várzea Grande não é uma aldeia, e jamais será, se Deus quiser”. Na ocasião, ele criticou também a Fundação Nacional do Índio (Funai) e afirmou que o órgão seria autor de "um laudo antropológico forjado para ferir de morte o povo de Itacarambi” e se posicionou contra "aqueles que querem se dizer índios usufruindo e ameaçando pessoas de bem”. O discurso do prefeito ocorreu três dias após a realização de uma Audiência Pública na aldeia em que parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais foram debater os temas de saúde e violência.

:: Áudio gravado pelo Cimi do discurso de Ramon Cardoso, dizendo: "Estão querendo transformar Itacarambi em uma grande aldeia"

Como os episódios são do ano passado, a fundação acredita que há conexões com os fatos ocorridos na semana passada. No entanto, para Antonio Eduardo Cerqueira, membro da coordenação regional do Cimi em Minas Gerais, as declarações do candidato do PDT  foram feitas no "afã de adquirir votos".

"Ele vem prometendo à população que vai tirar os índios daquele lugar, que aquela área não é dos índios e incitando a população. E agora, na sexta-feira, isso insuflou um grupo de posseiros e funcionários da própria prefeitura, que foram até a aldeia e agrediram os profissionais da saúde que estavam trabalhando", denunciou.

Seixas teme novos ataques e retaliações à ação do Cimi na região. Segundo o missionário, bilhetes foram deixados indicando novas ações. Ele revela que, por conta das ameaças, as lideranças da aldeia estão incluídas no Proteção aos Defensores de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH), coordenado pelo Instituto DH, do governo estadual.

"Já existe uma série de denúncias do Ministério Público Federal referente a essa violência causada e promovida pelo prefeito. Esse não é o primeiro conflito. Quando o estado não age, as forças paralelas começam a agir", ponderou.

Outro lado

A assessoria de comunicação do município de Itacarambi (MG) negou que houve ataque ao Posto de Saúde na Comunidade de Várzea Grande. "O que houve, na realidade, foi um interrompimento do serviço de água do Poço Artesiano local, ocasionada pelo coordenador do CIMI (de São João de Missões)".

No e-mail, a representante do município afirmou que a comunidade residente do local saiu em defesa "de seus direitos e acionou a Polícia Militar para resolver o impasse", e que o momento é de "muita tensão" em razão da "política partidária defendida por este coordenador".

Além disso, a assessora disse ainda que o município estava sem receber o repasse equivalente à Saúde Indígena de janeiro a agosto deste ano, mas que a Sesai voltou a fazer os repasses neste mês de setembro.

Já a assessoria do Ministério da Saúde desconhece o episódio de agressões envolvendo funcionários da Sesai no município. Com relação ao repasse de verbas,  a pasta afirmou que o município recebe mensalmente do ministério R$ 60 mil por meio do Incentivo de Atenção Básica aos Povos Indígenas (IAB-PI).

Nilton rebate às acusações da Prefeitura. Segundo ele, o argumento é uma tentativa de transferir para o Cimi a responsabilidade da ocorrência, que "nenhuma ligação do conflito deste poço".

"Esse é o jogo da perseguição política ao Xakriabá da região, alimentado principalmente pelo município de Itacarambi, que é quem coordena todo esse processo de violência e incita contra os índios", replicou.

Ele negou afiliações partidárias e afirmou que as agressões e essas violências não começaram com a disputa eleitoral, mas é instrumento utilizado pelo prefeito para incitar a população contra os índios e contra o Cimi.

A reportagem também entrou em contato com o PDT para buscar um posicionamento do diretório estadual sobre as declarações que o candidato do partido fez contra os indígenas. No entanto, procurado desde segunda-feira (26), por e-mail e por telefone, o diretório respondeu, via assessoria de imprensa, que, não conseguiria responder em tempo hábil devido às campanhas das eleições municipais.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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