Violência

Mães de Maio e de Secundaristas se unem para denunciar abusos policiais

Articulação ocorreu participam no lançamento de livro sobre os 10 anos dos Crimes de Maio de 2006

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Coletiva de imprensa reuniu mães que tiveram filhos violentados pela corporação militar, como as Mães do Rio de Janeiro e o Comitê de Mães e Pais em Luta
Coletiva de imprensa reuniu mães que tiveram filhos violentados pela corporação militar, como as Mães do Rio de Janeiro e o Comitê de Mães e Pais em Luta - Rute Pina/ Brasil de Fato

Uma coletiva de imprensa nesta quinta-feira (6) reuniu, em São Paulo (SP), mulheres que tiveram seus filhos violentados pela Polícia Militar (PM), como o movimento Mães de Maio, Mães do Rio de Janeiro e o Comitê de Mães e Pais em Luta, que denunciou práticas abusivas da polícia contra estudantes secundaristas.  

Rosana Cunha é mãe de um dos 18 estudantes detidos no Metrô Vergueiro no dia 4 de setembro, horas antes de um ato contra o governo Michel Temer. "O movimento Mães de Maio existe há tanto tempo, justamente pelas agressões de policiais que acabam em nada. Já o movimento secundaristas hoje no Brasil é um movimento de jovens perseguidos, agredidos e torturados", afirmou.

Teresa Rocha, mãe de outro estudante secundarista, denunciou perseguição e torturas aos jovens. "Nossos filhos estão vivos, mas a gente reza e pede à Deus que eles continuem", disse.

Segundo ela, a PM confeccionou um álbum de fotos de secundaristas e estes estudantes têm sido perseguidos e alguns até mesmo torturados. O Comitê de Mães e pais em Luta deve formalizar as denúncias ao Ministério Público nas próximas semanas.

Para Débora Silva, coordenadora e fundadora das Mães de Maio, o que une essas mulheres, de diferentes regiões, é que todas são "vítimas do fascismo e da corrupção do Estado" e buscam respostas, "mesmo que a gente não confie nessa justiça brasileira, que tem dois pesos e duas medidas".

O evento marcou também o pré-lançamento do livro "Mães em Luta: 10 anos dos Crimes de Maio de 2006". Organizado pelo jornalista André Caramante, da Ponte Jornalismo, e com prefácio da jornalista Eliane Brum, a obra propõe ser uma "historiografia resistente" e um relatório das violações aos direitos humanos praticadas pela PM, a partir dos crimes cometidos entre os dias 12 e 20 de maio de 2006, em que pelo menos 564 pessoas foram mortas no estado de São Paulo com participação de policiais.

Ana Paula Oliveira, moradora da Favela de Manguinhos, Zona Norte do município do Rio de Janeiro (RJ), é mãe do jovem Jonatan de Oliveira, 19 anos, assassinado a tiros por policiais Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em 2014. Ela lembra que o papel da imprensa na perpetuação das violações. "Não só o policial que atira tem as mãos sujas com o sangue de nossos filhos, mas todo esse sistema podre do judiciário e da mídia, que criminaliza as vítimas faveladas e periféricas", disse.

Carandiru

O pré-lançamento do livro precedeu o ato em memória às vítimas do massacre do Carandiru na Avenida Cruzeiro do Sul, onde era localizada a penitenciária palco de uma chacina que vitimou 111 homens no dia 2 de outubro de 1992. “Os massacres saíram de dentro de 'carandirus' e passaram a estar no cotidiano das periferias e das favelas", lamentou Débora.

Ao lembrar da decisão dos juízes da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) em anular os julgamentos que condenaram 74 policiais militares acusados pelas mortes, a militante caracterizou a Justiça brasileira como "classista, racista e partidária". "O judiciário não pode ser uma caixa preta, um deus. Essa caixa preta tem que ser violada", afirmou.

Para Vera Lúcia Gonzaga, cuja filha Ana Paula Gonzaga foi assassinada grávida em maio de 2006, a anulação dá "carta branca" para a polícia seguir matando indiscriminadamente. "Deu tão certo que eles continuam do mesmo jeito. A sociedade aplaude que bandido bom é bandido morte, mas nem todos que morrem são bandidos. Isso só vai acabar com o fim da polícia militar", defendeu.

Presente na coletiva de imprensa para representar uma das familiares de vítimas do massacre, o advogado Carlos Klomfahs informou que entrou na Justiça nesta segunda-feira com um pedido de ação indenizatória contra o Estado de São Paulo. "Pedimos que o governo reconheça as mortes e peça perdão oficialmente a todas as famílias das vítimas do Carandiru".

A ação está ajuizada na 5ª Vara da Fazenda Pública  do TJSP, onde deve ocorrer um audiência na próxima semana.

Manifestação

Com concentração às 17h, o ato foi convocado por uma articulação de familiares de vítimas do Estado e coletivos, dentre eles as Mães de Maio, Desentorpecendo a Razão, CATSO, Pastoral Carcerária, Fanfarra do M.A.L, Movimento Passe Livre (MPL), Centro de Mídia Independente, entre outros.

Para Railda Alves, da Associação Amparar, cujo objetivo é denunciar torturas cometidas dentro sistema prisional e da Fundação Casa, a manifestação tem como função não deixar cair no esquecimento que existe uma "pena de morte" que está em vigor no país.

"A polícia, quando chega, não pergunta. Ela atira. Não tem bala perdida. A Polícia Militar está preparada para matar pobre e negro. A bala tem destino certo", disse.

O rapper Cláudio Cruz, o Kric da Comunidade Carcerária, estava no ato para lembrar a memória dos companheiros de penitenciária que foram mortos no dia 2 de outubro de 1992. Ele, que passou 20 anos recluso no Carandiru, estava no Pavilhão 8 e só soube da chacina quando foi limpar os corredores de sangue, no dia seguinte.

"Aquilo vai ficar gravado sempre, não como uma lembrança boa ou ruim, mas como uma injustiça".

O trajeto do ato se encerrou em frente ao TJSP, na Praça da Sé, onde os manifestantes acenderam velas em homenagem às vítimas.

Edição: José Eduardo Bernardes

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