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A "sensação térmica" da derrota

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Uma derrota estratégica exige um responsável balanço coletivo

O golpe consumou-se com a votação final do impeachment da presidenta Dilma, mas para a maioria dos militantes e ativistas das forças de esquerda o sentimento de derrota abateu com profundidade após o resultado das eleições municipais. Tal qual o conceito de sensação térmica (que mensura a forma como nossos sentidos percebem a temperatura e não a temperatura real) para além dos resultados objetivos das urnas, pesou a capacidade dos grandes meios de comunicação em converter um esperado resultado desfavorável numa versão de "legitimação" do golpe nas urnas.

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Diante de uma profunda derrota há armadilhas que costumam aparecer como soluções milagrosas. Uma delas é ignorar a gravidade do problema, buscando contorná-lo sem enfrentar suas causas ou lançar-se apressadamente para a primeira novidade que se aparenta como a iniciativa óbvia. Na história das forças de esquerda, tanto as revolucionárias quanto as reformistas, as derrotas profundas acarretaram, inúmeras vezes, em soluções fáceis.  Muitas vezes opera-se apenas a substituição de formas de luta, outras vezes acontecem guinadas políticas que não conseguem identificar a natureza dos erros ou, o que costuma ser o mais comum, apela-se para a criação de novas formas organizativas, que não rompem com métodos, princípios e valores do passado que se busca superar.

Confira a versão em áudio do artigo (para baixar o arquivo, clique na seta à esquerda do botão compartilhar):

 

Identificar coletivamente os erros

O desafio real, que não é fácil de ser enfrentado, é realizar um debate coletivo que identifique construtivamente os erros e identifique os principais problemas que determinaram a derrota. Quando isso não é enfrentado ou é feito sem envolver o máximo de participantes de uma geração militante, qualquer iniciativa de superação - seja uma "frente", um novo partido ou outra forma de organização política - longe de constituir-se na solução mágica, estará condenada a repetir o mesmo erro estratégico não identificado.

Para as direções políticas das forças populares, enfrentar esse desafio é uma questão premente, que se acelera com o forte sentimento de derrota que paralisa inúmeros lutadores populares. Embora existam várias outras iniciativas aglutinadoras da  esquerda, recai sobre a Frente Brasil Popular, por incluir as principais organizações políticas, sindicais e movimentos populares mais expressivos, a responsabilidade maior em enfrentar essa questão.

Ferramenta estratégica da unidade

Este é um desafio que não pode ser postergado, sob pena de assistirmos nos próximos meses o crescimento da pulverização da esquerda, buscando saídas organizativas para um problema político. Com a forte tradição eurocêntrica que marca a esquerda brasileira desde seu nascimento, não faltará os que queiram copiar o exemplo do "Podemos", sem compreender que o sucesso dessa iniciativa na Espanha decorre muito mais do vazio pré-existente na esquerda do que de qualquer linguagem ou forma que tenha conseguido inovar.

Uma derrota estratégica, como a que estamos vivenciando, exige um responsável balanço coletivo. Este é o pressuposto necessário para avançarmos na unidade e retomarmos a disposição da militância.  Com isso avançaremos na identificação de nossos erros e poderemos avançar no enfrentamento de uma crise que é de prática, pensamento e valores.

É hora de construir a Frente Brasil Popular como uma ferramenta estratégica da unidade das forças populares, capaz de apresentar um projeto de país e de oferecer uma organização militante que renove a disposição de luta de milhares de lutadores e lutadoras profundamente abatidos neste momento.  

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