Debate

Evento discute retrocessos nos direitos trabalhistas no governo Temer

“No fundo, o que se busca com as mudanças nas leis trabalhistas é voltar ao século XIX”, opina pesquisador

São Paulo/SP |
Evento discutiu processos políticos do governo ilegítimo de Michel Temer e o avanço da PEC 241, votada ontem
Evento discutiu processos políticos do governo ilegítimo de Michel Temer e o avanço da PEC 241, votada ontem - Divulgação/Le Monde Diplomatique

Nesta segunda-feira (10) foi realizado o seminário público “Direitos Trabalhistas – 100 anos de retrocesso”, organizado pela revista Le Monde Diplomatique Brasil e pela Plataforma Política Social em parceria com a Associação de Ongs Brasileiras (Abong), Instituto Polis, Fórum 21 e Revista Vaidapé. O evento é o sexto seminário construído pelas organizações sob o manifesto #GovernoSemVoto, que visa analisar os potenciais retrocessos nos direitos humanos durante o governo não eleito de Michel Temer.

Transmitido ao vivo pela TV PUC-SP, o seminário reuniu cerca de 100 pessoas e contou com a presença do pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (CESIT) e professor de economia da Unicamp, José Dari Krein,  do professor e sociólogo também da Unicamp, Ricardo Antunes, e da ex-desembargadora e também pesquisadora do CESIT, Magda Biavaschi. 

Os debatedores discutiram a situação brasileira diante do contexto internacional de retrocessos trabalhistas, ressaltando a importância da resistência popular contra medidas de reforma trabalhista já anunciadas como principais bandeiras do governo Temer, como a terceirização irrestrita e as mudanças na previdência social.

Retrocesso Internacional

Segundo a fala de Ricardo Antunes, o contexto atual globalizado traz exemplos de violações nos direitos trabalhistas que têm como consequência até mesmo o suicídio em massa dos trabalhadores. “Nós estamos em um momento mais agressivo no âmbito internacional desde os anos 68, em que a derrota da luta operária e das lutas sociais é generalizada. Estamos vivendo uma contra-revolução burguesa de dimensão global, com o Trump nos EUA e os partidos de extrema direita xenofóbicos na Europa”, disse.

“Esse processo é devastador em termos de direitos trabalhistas, onde a terceirização, o empreendedorismo e o voluntariado são formas disfarçadas de um trabalho desprovido de legislação social protetora do trabalho. Nesse projeto, o governo Temer, além de nascer de um processo de golpe parlamentar, já é em si um governo terceirizado, que segue os três passos principais do retrocesso trabalhista: a tentativa de baixar o salário da classe trabalhadora a qualquer custo, o desmonte da CLT e a possibilidade do negociado se sobrepor ao legislar, afirmou Antunes.

Ponte para o passado

Também foi criticado o discurso de suposta modernização das leis trabalhistas proposto por Temer, que nomeou seu programa de governo de ‘Ponte para o Futuro’. Para José Dari Krein, a reforma trabalhista não é nova exatamente por ser uma retomada da agenda neoliberal dos anos 1990. “O que está se propondo é completar o que não foi completado nas propostas neoliberais que se tornaram hegemônica no momento em que o Brasil se inseriu no processo de globalização que internalizou as características desse capitalismo contemporâneo. Nos anos 90 se mexeu em elementos centrais do emprego, a terceirização avançou muitíssimo, assim como a relação de emprego disfarçada, ou seja, muitas formas de flexibilização”, apontou.

“Acho o título desse seminário extremamente preciso, porque o que se busca com as mudanças nas leis trabalhistas é voltar ao século XIX, ou seja, desconstruir os avanços que os trabalhadores alcançaram ao longo da história, para que a empresa tenha absoluto poder para flexibilizar as leis de trabalho. Deixar o trabalhador sem proteção social e submetido a lógica de trabalho igual a do século passado. No fundo essa modernização é um retrocesso de mais de 100 anos. O objetivo é fazer com que os trabalhadores paguem o custo da crise, e desarticular a sociedade”, completou Krein.

Reforma trabalhista

O pesquisador criticou uma série de medidas que vêm sendo propostas por representantes do setor empresarial e políticos de bancadas e partidos conservadores, como o projeto de pagamento por produtividade, o aumento da jornada de trabalho, o tipo de contrato Zero Hora, em que o trabalhador fica a disposição da empresa sem receber por isso, a redução da idade mínima de trabalho para os 14 anos e a redefinição e restrição legal do conceito de trabalho análogo à escravidão.

Magda Biavaschi destacou principalmente a votação da PEC 241 (a PEC do Teto), que foi aprovada pela Câmara durante a realização do seminário, como uma das medidas estruturantes para o modelo de retrocesso imposto pelo governo Temer. “A PEC 241 tem um elemento muito grave para as relações de trabalho, porque ela congela os gastos públicos nos patamares do ano anterior por 20 anos. Há projeções de que isso criará rombos enormes na saúde e educação pública, e que as iniciativas privadas precisarão suprir essa necessidade. Vem sendo feita uma propaganda social enorme para sua popularização”.

A desembargadora aposentada explicou também os valores por trás da proposta do negociado sobre o legislado, que foi aprovada em um caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal no dia 13 de setembro. A medida assume como legítimos os acordos entre os empregados e empregadores que ignorem a legislação trabalhista. “O ideário do negociado sobre o legislado, enfatizado no ‘Ponte para o Futuro’, segue uma lógica de que os direitos do trabalho já compensaram uma desigualdade fundante, de que nós conseguimos superar essa lógica protetiva e podemos agora construir individualmente uma sociedade de homens livres e iguais. Isso significa que o direito do trabalho perde espaço como fonte de direito, e será utilizado apenas nas brechas, quando não houver negociação direta entre as partes”, opinou.

Resistência

Biavaschi destacou também as demais esferas que o fortalecimento do capitalismo hegemônico no Brasil afeta, caracterizando a configuração dessas excepcionalidades como um Estado de exceção. “O Brasil está sofrendo esses impactos de forma muito grave. Nos costumes, no trabalho, ataques às conquistas femininas de gênero. A primeira dama, por exemplo, é um ataque as conquistas nossas que se deram nesse país à ferro e fogo. Uma sociedade em que a dialética do senhor de escravo não foi superada, e isso se expressa na flexibilização do conceito de trabalho escravo, na terceirização, na redução da idade de trabalho de 16 para 14 anos”. 

Para Antunes, a menos que haja ‘uma verdadeira rebelião sindical, periférica e de movimentos sociais’, estaremos na eminência de um retrocesso secular. “É um governo ilegítimo e frágil, mas somente as lutas sociais vão poder evitá-lo. Não há nenhum terceirizado que não queira ser celetista e nenhum celetista que queira ser terceirizado. 

Mais otimista, Krein afirmou que acredita que existe espaço para a resistência. “Essa casa cheia mostra que a preocupação com a reforma está mexendo com muita gente. A questão trabalhista está profundamente enraizada na história brasileira, o grande desafio é juntar todas as forças vivas da sociedade para empreendermos um movimento de resistência capaz de barrar esse processo”. 

Racismo

No início do evento, representantes do movimento negro protagonizaram uma manifestação na qual foi lida uma carta manifesto em repúdio à capa da edição de outubro da revista Le Monde Diplomatique Brasil. A capa sobre a reforma trabalhista, que traz uma charge do cartunista Jaguar, retrata um homem negro nu – desenhado com a mesma estética ‘black face’ utilizada durante décadas por publicações racistas  –  afirmando que ‘dias melhores virão para os patrões’.  

A ilustração foi amplamente criticada por leitores da revista, que publicou uma nota de arrependimento em sua página do Facebook, convidando ativistas negras e negros a publicarem uma resposta nas páginas da próxima edição da publicação. A revista também divulgou um debate sobre Mídia e Racismo para o próximo dia 17 de outubro, no auditório de sua redação. Segundo uma das ativistas presentes no manifesto, entretanto, a publicação absurda é sintoma da falta de representatividade no espaço do veículo. “Quantos jornalistas negra e negros vocês tem na redação? E nesta mesa?”, criticou, apontando para os palestrantes brancos presentes.

 

 

Edição: ---