Entrevista

“PEC 241 vai privatizar o orçamento público”

Governo não eleito de Michel Temer quer congelar os investimentos em saúde, educação e outras áreas sociais por 20 anos

Belo Horizonte |
Beatriz: "Regrediremos da ideia da universalização do direito à educação para o Estado focar num nível de ensino e fazer política para aquele nível, desconstruindo o direito à educação básica que conquistamos nas últimas décadas"
Beatriz: "Regrediremos da ideia da universalização do direito à educação para o Estado focar num nível de ensino e fazer política para aquele nível, desconstruindo o direito à educação básica que conquistamos nas últimas décadas" - Lidyane Ponciano

Proposta de Emenda Constitucional (PEC) quer limitar os gastos do governo federal por 20 anos ao mesmo gasto de 2016, acrescido apenas da reposição da inflação do ano anterior.  A medida tem sido duramente criticada por economistas, lideranças populares e especialistas em políticas públicas por impossibilitar o atendimento a direitos básicos da população. Para explicar os efeitos, caso a PEC 241 seja aprovada, o Brasil de Fato MG entrevistou Beatriz Cerqueira, presidenta do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE) e da Central Única dos Trabalhadores de Minas Gerais (CUT MG).
O governo não eleito de Michel Temer declara que é preciso enxugar os gastos públicos. A PEC 241 serve realmente a esse fim ou é uma tentativa de empurrar para a população os custos da crise econômica?
A PEC 241 é na verdade a apropriação do que ainda restava do orçamento público que era investido em áreas sociais, como saúde e educação. Não estavam satisfeitos com o que já apropriavam do dinheiro público para o pagamento dos juros e da dívida pública. Vão privatizar o orçamento público. E a PEC abre caminho para as demais reformas de retiradas de direitos como a da previdência e a reforma trabalhista. 
É um engano achar que essa PEC é problema de servidor púbico. E também não está restrita às áreas de saúde e educação. É problema de toda a sociedade. Com ela aliada às mudanças na exploração do pré-sal, não haverá investimentos para a retomada do crescimento econômico, como na indústria. Não haverá renovação de frota, nem investimento em infraestrutura, nem programas de distribuição de renda que movimentam a economia de milhares de pequenos municípios. O salário mínimo vai se distanciando de todas as políticas da previdência. Para comprar uma viatura da PM, será preciso deixar de aposentar um professor. Para comprar o quadro para a sala de aula, será preciso deixar de comprar determinado medicamento para o hospital. Para pagar o auxílio moradia do juiz, será necessário não reajustar o salário da professora. Todas as áreas estarão comprometidas. 
Como a PEC pode atingir Minas Gerais especificamente?
A partir do que a PEC propõe, congelamento das despesas primárias por 20 anos, somente sendo reajustadas pela inflação do ano anterior, a Subseção do Dieese no Sind-UTE elaborou um estudo do que seria o impacto na educação. Seriam menos R$ 18 bilhões do que foi investido na última década. E em 2015 o governo teria aplicado 13% e não os 25% que são vinculados em investimentos em educação. O Piso Salarial Profissional da Educação Nacional, que atualmente é de R$ 2.135, seria, com a regra da PEC, R$ 1.300. Neste momento já temos enormes dificuldades com a infraestrutura das escolas, com políticas de valorização dos profissionais da educação. Temos mais da metade das escolas sem quadra de esporte, sem refeitório e chegamos a ter escolas funcionando em posto de gasolina em 2014. Então, que seria da escola pública mineira com menos R$18 bilhões?
Não teremos mais a garantia de direitos como transporte e alimentação escolar. Assim não teremos nenhuma política de expansão de educação infantil. Só em Minas Gerais, ainda faltam vagas para cerca de 65% das crianças. 
Regrediremos da ideia da universalização do direito à educação para o Estado focar num nível de ensino e fazer política para aquele nível, desconstruindo o direito à educação básica que conquistamos nas últimas décadas.
O ministro da saúde do governo não eleito aposta na criação de planos baratos. Como essa proposta colide com a ideia de saúde pública e universal? 
Com a PEC 241 a saúde será privatizada. O Sistema Único de Saúde (SUS), como o conhecemos e conquistamos, acabará. Como pode o Estado ficar 20 anos sem ampliar rede de atendimento, vagas em hospitais, construir unidades de atendimento de acordo com a necessidade da população? Como não ampliar as campanhas de vacinação de acordo com as novas demandas da população? Nada será ampliado. Essa é a essência da PEC. Ao contrário, será reduzido e aquilo que puder, privatizado. Junto com tudo o que enfrentamos, vivemos uma campanha permanente contra o que é "público", tratado sempre como algo ligado à corrupção e como algo ineficiente. O "bom mesmo seria o setor privado", é o que nos diz os grandes veículos de comunicação todos os dias. É isso o que a população escuta cotidianamente. Então, estão trabalhando há muito tempo com a ideia de privatizar tudo. E isso será o mais rápido que puderem fazer, a preços de "liquidação".
O que acontecerá com a educação? O congelamento do orçamento pode ter relação com a proposta estadual de 128 PPPs para escolas?
O caminho que estão construindo, com a PEC 241, é o da privatização da educação. Existem poderosos empresários do ramo que nomeiam secretários de educação, já vendem seus produtos (apostilas e livros didáticos) e financiam campanhas eleitorais. Trabalham há bastante tempo para se apropriarem dos recursos públicos. Por isso apoiaram e financiaram os panelaços e patos amarelos. Sem recursos até para a reforma de uma escola, municípios e estados serão empurrados para a gestão privada. Educação deixará de ser direito para ser mercadoria. Mas isso não significará melhoria para população. Além do fim de programas importantes que combatam os atuais indicadores de analfabetismo, trabalho infantil e evasão, a escola não será um lugar de inclusão e respeito à diversidade e nem de construção de relações democráticas. Jamais imaginei viver o que estamos vivendo. São mudanças estruturais para as próximas décadas. 
A carreira e condições de trabalho dos servidores públicos passa por diversos problemas. A aprovação da PEC pode agravar essa situação?
Com certeza agravará. Com o congelamento de investimentos a política nacional do Piso Salarial Profissional Nacional ficará comprometida. Quando conquistamos investimentos com vinculações constitucionais, como nas áreas de saúde e educação, significa um pacto social para além de uma geração. É o reconhecimento do necessário investimento de longo prazo. A PEC 241 quebra isso, afetando as próximas gerações. 
Não haverá política de carreira nem de concurso públicos. O que o governo golpista fará será incentivar a terceirização nas atividades fins da educação, fazendo com que tudo possa ser feito por CNPJ, por cooperativas. O governo do PMDB em Juiz de Fora chegou a propor a contratação de professor de idiomas por cooperativa. Num governo que não reconhece a educação como direito, nada impede que isso seja feito para todas as áreas. A Medida Provisória 746 do Ensino Médio é apenas o começo. 
Nas eleições municipais foi possível ver candidatos prometendo mais hospitais, escolas, cultura, ou seja, mais Estado. As prefeituras conseguirão manter a melhoria dos serviços públicos caso a PEC seja aprovada?
Os candidatos à prefeitura fizeram promessas desconhecendo a realidade do país e de seus municípios. É um equívoco discutir o município desconectado do que está acontecendo nacionalmente. Se prefeitos eleitos tivessem a real dimensão do que será a PEC 241 já estariam em marcha a Brasília pedindo a rejeição da proposta. Não haverá gestão municipal que dará certo diante da privatização do orçamento público que pode acontecer se a PEC for aprovada. 
É uma grande hipocrisia ver candidatos dos partidos que nacionalmente são os responsáveis pela PEC falando em investimentos em saúde, educação, segurança pública...
Qual seria a solução para equilibrar o orçamento?
O discurso que tentam construir é de que a PEC seria necessária para "equilibrar as contas públicas", diante da crise econômica que estamos enfrentando. Há propostas que de fato podem ajudar no combate a crise. Uma saída é rever o que o país gasta com juros e com a dívida pública. Gastamos mais com isso do que com educação ou saúde ou previdência! Outra saída é uma reforma tributária de modo que quem tem mais pague proporcionalmente mais. O que justifica um trabalhador metalúrgico pagar proporcionalmente mais imposto de renda que um acionista da Andrade Gutierrez? Ou o mesmo metalúrgico pagar o IPVA do seu carro enquanto o mesmo acionista não paga impostos do helicóptero ou iate que possui? Combater a sonegação de impostos é outra saída. O Estado deve ser garantidor dos direitos sociais e não o primeiro a atacar o trabalhador e a trabalhadora.

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