Perseguição

STJ concede habeas corpus a preso político do MST de Goiás

Ministros afirmaram importância dos movimentos populares para democracia; MST segue na luta contra prisão de militantes

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Geógrafo Valdir Misnerovicz (centro), recebeu habeas corpus nesta terça-feira (18), por decisão do STJ, em Brasília
Geógrafo Valdir Misnerovicz (centro), recebeu habeas corpus nesta terça-feira (18), por decisão do STJ, em Brasília - Reprodução/ Brasil de Fato

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, decidiu, por cinco votos a zero, conceder habeas corpus ao geógrafo Valdir Misnerovicz, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que estava preso em Goiás. Os ministros avaliaram que não há justificativa técnico-jurídica para a manutenção da prisão durante o trâmite do processo.

Geógrafo e reconhecido internacionalmente como defensor da reforma agrária popular, Valdir está privado de liberdade desde 31 de maio, no Núcleo de Custódia de Aparecida de Goiânia (GO).

No mesmo julgamento, ocorrido na tarde desta terça-feira (18), os ministros negaram o pedido de soltura do agricultor Luis Batista Borges e o pedido de cancelamento dos mandados de prisão em aberto contra os militantes Diessyka Lorena Santana e Natalino de Jesus, também de Goiás.

Os quatro são acusados em um processo que busca enquadrar o MST como organização criminosa. O caso, que se desenrola desde abril deste ano, tem provocado reações de diversos movimentos e entidades nacionais e internacionais. Na visão deles, as prisões têm caráter político e resultam de uma articulação de forças conservadoras patrocinadas por expoentes do agronegócio em Goiás. O estado tem forte tradição de conflitos agrários.

Não se tem repetição de alguma ameaça às testemunhas e à ordem em geral”, disse o presidente do colegiado, ministro Rogério Schietti Cruz, em contraposição ao que foi argumentado pelas instâncias jurídicas anteriores contra o pedido de libertação do militante.

Durante o julgamento, a defesa do MST reforçou que todos os acusados são réus primários, têm residência fixa, atividade laboral lícita e comprovação de idoneidade atestada por um conjunto de entidades e pessoas. “Em liberdade, os pacientes não colocam em risco a ordem pública nem a execução penal”, disse o advogado Aton Fon Filho em sustentação oral. Ele acrescentou que, nessas condições, a manutenção da prisão de Valdir e Luis “constitui uma verdadeira antecipação da pena”.

Embora os magistrados não tenham atendido à totalidade dos pedidos, eles reforçaram a importância dos movimentos sociais para o regime democrático.

Após o julgamento, o MST avaliou a decisão como um resultado positivo em alguns aspectos. “Tivemos duas grandes vitórias: uma do debate político sobre a importância da organização dos movimentos populares e outra, que foi a soltura do Valdir. Se a gente pegar o primeiro julgamento, nós perdemos de três a zero; no segundo, de três a um; e agora conseguimos soltar um companheiro. Isso significa que estamos no caminho certo para soltar os outros companheiros, que não cometeram crime, apenas buscaram justiça”, disse, em referência à evolução do processo nas diferentes esferas de decisão judicial.

O caso

As quatro prisões preventivas foram determinadas no dia 12 de abril por um colegiado de juízes da comarca de Santa Helena, interior de Goiás, com base na Lei de Organizações Criminosas (nº 12.850/2013). Luis foi preso dois dias depois, no município de Rio Verde (GO), ao comparecer para depor, e Valdir, no dia 31 de maio, em Veranópolis (RS). Os outros dois militantes encontram-se exilados.

Os mandados se relacionam à ocupação de uma parte da usina Santa Helena, em recuperação judicial, onde há mais de 1.500 famílias ligadas ao MST.

Mobilização permanente

Para o MST, o resultado do julgamento aponta para o fortalecimento das ações de mobilização e resistência contra a criminalização das lideranças e da luta agrária. “Ficou claro para o Tribunal, nos autos e nas suas falas, atesta que lutar pela terra não é crime e estar agrupado com o MST não é crime. Que a fala desses ministros possa ecoar esse Brasil e cada vez mais a gente possa organizar o nosso povo e fazer a justiça social na luta pela terra”, disse Alexandre Conceição.

Para Dom Guilherme Antonio Werlang, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a decisão precisa ser disseminada em grande escala. “Nós temos que divulgar amplamente este pronunciamento unânime dos ministros do STJ de que o MST e os movimentos populares não são organizações criminosas. Inclusive, eles disseram que os movimentos são indispensáveis e relevantes para a democracia na busca pelos direitos de toda cidadã e cidadão”, disse o bispo, que é um dos autores do pedido de habeas corpus e acompanhou o julgamento.

Os dois reforçaram a continuidade da Campanha Internacional pela Liberdade dos Presos da Reforma Agrária do Estado de Goiás, ação desenvolvida por diversos movimentos, centrais sindicais, organizações, pesquisadores e entidades.

Parlamentares

A decisão repercutiu também entre alguns parlamentares que foram acompanhar o julgamento. Após a sessão, o deputado Padre João (PT-MG) avaliou o resultado como um avanço, mas pontuou que o processo segue permeado por questões de cunho político.

“Foi uma vitória parcial. (…) E, por mais que os ministros tenham dito que ali não estavam tratando da criminalização do Movimento, a manutenção da outra prisão é uma forma de intimidar a organização social na luta por direitos. Eles não oferecem risco nenhum à sociedade, então, por que não tramitar todo o processo com eles soltos e aí depois disso tomar uma decisão? No meu entender, ainda persiste uma injustiça nesse caso”, considerou o parlamentar.

O coordenador do Núcleo Agrário do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara Federal, João Daniel (PT-SE), disse que aguardava por uma libertação dos dois militantes. “Infelizmente, o Luís ainda não foi solto, mas a luta da defesa continua até que todos sejam libertados. Nós vamos continuar acompanhando, prestando a nossa solidariedade e denunciando esses casos na Câmara até que a justiça seja feita”, afirmou.

Além deles, os deputados Paulo Pimenta (PT-RS), Marcon (PT-RS) e Nilto Tatto (PT-SP) também estiveram no STJ para assistir ao julgamento.

Edição: José Eduardo Bernardes

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