Jornalismo

Sete perguntas que o Fantástico não fez na reportagem sobre o MST

Dirigente do MST afirma que matéria visa criminalizar o movimento e contrapõe ponto a ponto as denúncias da emissora

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O programa da Rede Globo veiculou mais de seis minutos de denúncias contra o MST
O programa da Rede Globo veiculou mais de seis minutos de denúncias contra o MST - Reprodução

Neste  domingo (6), o Fantástico, programa da Rede Globo de Televisão, veiculou uma reportagem em que denuncia a suposta existência de um "estado paralelo", "milícias armadas" e "toque de recolher" em um acampamento organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Quedas do Iguaçu, no Paraná.

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Em entrevista ao vivo ao Brasil de Fato nesta terça-feira (8), o coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues, afirmou que o principal objetivo da reportagem foi a criminalização do movimento e do processo de luta pela reforma agrária no Brasil.

Para Rodrigues, o programa jornalístico colabora com a bancada ruralista em Brasília (DF), que pauta a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) esta semana no Congresso Nacional. Essa comissão foi encerrada em 19 de agosto deste ano sem ter produzido relatório final porque o requerimento não estaria em consonância com as regras regimentais. Entretanto, o regimento da Câmara permite que uma nova CPI com o mesmo objeto seja criada, desde que 171 deputados assinem o requerimento, ou seja, um terço dos parlamentares da Casa.

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O dirigente afirmou que "milícia armada foi o que a Polícia fez na Escola Nacional [Florestan Fernandes, a ENFF]". "O MST desafia o Ministério Público e as polícias civil e federal a encontrarem em qualquer acampamento, a nível nacional, qualquer indício de milícia armada ou algo do gênero em nossos acampamentos", declarou o dirigente.

O movimento tem mais de 130 mil famílias acampadas em 22 estados. "Como toda a sociedade sabe e acompanha o MST, não há nenhum motivo para o judiciário e os meios de comunicação darem este tratamento aos nossos acampamentos. São famílias pobres e sem terra, cujo único objetivo ao acampar é a reforma agrária", disse.

Confira a entrevista realizada no início da tarde desta terça (8):

1) O Fantástico veiculou depoimentos anônimos de supostos ex-integrantes do MST que relataram castigos, pagamento de multas e, inclusive, trabalhos forçados. Seriam imposições em casos de não pagamento de taxas, inclusive para o uso de água e luz nos acampamentos. A matéria faz ainda uso das expressões como “Estado paralelo” e “regime de leis”. Como o MST responde a essas acusações?

O coordenador do MST refutou a existência de castigos e explica que existem normas de convívio nos acampamentos elaboradas coletivamente como resultado do processo organizativo. É vedado, por exemplo, a entrada com bebidas alcóolicas e a limpeza do local é feita por comissões de moradores, que se revezam diariamente na tarefa. O não cumprimento dessas regras podem culminar em expulsão do acampamento, que João Paulo considera um dos melhores estruturados em todo o país.

"Há preocupação das famílias para que todos possam ter os mesmos direitos e deveres dentro do acampamento e que todos possam ter uma participação da vida e organização", disse.

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Para o coordenador, o Fantástico mente ao informar que a taxa cobrada no interior do acampamento é revertida a dirigentes. Ele esclareceu que o valor é para arcar com os custos do investimento feito para a construção da rede de energia e água encanada, aos quais todos os acampados têm acesso.

2) Afirmou-se que a segurança e disciplina dentro dos acampamentos é realizada por milícias armadas e que há toque de recolher. Isso é verdade?

Segundo João Paulo, a segurança do acampamento Dom Tomás de Balduíno também é uma tarefa compartilhada entre os militantes. A guarita montada na entrada do local visa a proteção e a entrada de pessoas autorizadas no interior do acampamento e evitar conflitos internos. Segundo ele, a única arma utilizadas pelas equipes de segurança "é o conhecimento das normas internas".

"Podemos provar que as únicas mortes que houve no acampamento dentro de um ano foram duas delas cometidas pela Polícia Militar e duas de motivações desconhecidas, sem relação com conflitos do acampamento", disse.

Nesta segunda-feira (7), completou-se sete meses do assassinato dos trabalhadores rurais Vilmar Bordim e Leonir Orback que moravam no acampamento Dom Tomás Balduíno. O MST ainda busca a responsabilização dos supostos culpados, mesmo após os suspeitos terem sido inocentados pelo inquérito do caso produzido pela Polícia Federal.

3) A reportagem também apresentou a imagem de revólveres e munição, que seriam de membros do MST e apreendidos na "Operação Castra". Esse armamento era de algum integrante do Movimento?

O uso de armas de fogo, de acordo com o coordenador, é contra a orientação política do movimento. No caso específico desta apreensão, ele afirma que os revólveres e munição pertencem a duas pessoas presas na semana passada e que não mantém ligação com o movimento. Ou seja, elas não são de nenhum dos 14 listados nos mandados de prisão da Polícia Civil do Paraná.

"Não sabemos porque a Justiça e a dona Rede Globo resolveu fazer uma mistura. Imagino que todos os crimes que ocorrerem naquela região, eles vão apontar como membros do MST", argumentou.

4) A reportagem acusa integrantes do movimento de ocuparem propriedades produtivas, relatando negociações com proprietários de terra. Qual a posição do movimento em relação a essas acusações?

O coordenador negou veementemente a prática de invadir áreas produtivas e a extorsão de fazendeiros da região por militantes do MST. João Paulo afirmou que não há "sentido lógico" na prática e que o movimento desconhece. "As conquistas que permitiram que o MST chegasse até aqui foram as ocupações de latifúndios e a denúncia destas áreas ao Poder Executivo e ao Incra".

5) A matéria também cita supostos incêndios e derrubada de árvores promovidos por militantes do MST. Há ocorrência desse tipo de atitude?

João Paulo comprovou a veracidade das imagens e afirmou se tratar de uma ocupação em área de pinus (espécie de pinheiro), que já é destinada ao corte, para dar lugar ao plantio de alimentos e hortaliças. "Não há crime contra o meio ambiente. Não é uma área de preservação ambiental, nem de mata atlântica, é um reflorescimento de plantio de pinus que foi cortado para dar lugar ao plantio e parte dela às casas", afirmou. Ele lembra que nos lotes que foram destinadas pelo Incra para a reforma agrária ocorrerá o mesmo tipo de prática.

6) Os detidos pela "Operação Castra" são acusados de diversos crimes. Qual a posição do MST em relação a essas prisões?

Os advogados do movimento tiveram acesso a uma parte dos autos, já que o processo corre em segredo de justiça. No entanto, o coordenador lembra da decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), na concessão do habeas corpus do militante Valdir Misnerovicz, na semana passada, de que o movimento não pode ser enquadrado como organização criminosa.

"O MST está muito tranquilo, não vamos aceitar que a justiça promiscuidade dos deputados da direita com o diretor da empresa Araupel consórcio para diminuir nossa força naquela região", disse.

A madeireira reivindica a posse das terras das áreas de Pinhal Ralo e Rio das Cobras, no Paraná, que somam mais de 100 mil hectares. "Eles não tiveram como comprovar que são áreas deles. A empresa grilou terras na região e queremos essas terras. Não vamos sossegar enquanto elas não se transformarem em assentamentos", finalizou.

7) A reportagem cita de passagem as ações em São Paulo e Mato Grosso do Sul. O que realmente ocorreu na ENFF?

Sobre o episódio da invasão da ENFF, o coordenador pontuou que a ação da Polícia Civil foi "grave" e "extremamente raivosa contra o movimento". Para ele, a ação "tabajara" - já que os agentes públicos entraram na escola sem mandado de busca e apreensão - revela o despreparo da polícia.

"Queremos que o governador e o secretário de Segurança Pública tomem medidas imediatas para que não aconteçam ações como essa não só na ENFF, mas contra outros acampamentos e assentamentos", reivindicou.

Ele afirmou que os agentes públicos mostraram o mandado de prisão de duas pessoas ligados ao movimento pelo WhatsApp e, mais tarde, trouxeram o documento sem a assinatura de um juiz.

João Paulo condenou a afirmação de que os policiais foram forçados a entrar no centro de formação. "Repudiamos a ação e as imagens falam por si só. Eles só entrariam se um vento muito forte tivesse puxados eles para dentro. Eles estavam fortemente armados". Segundo ele, o processo de solidariedade que se desenrolou após o episódio, deixou o movimento "impressionado" e que ela foi decisiva para a liberação dos dois detidos por desacato.

Edição: Simone Freire.

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