Minas Gerais

COLÔMBIA

“A paz se conquista somente quando há a garantia de direitos para ter uma vida digna”

Jovem analisa o contexto social atual de seu país e das semelhanças com outros lugares

Belo Horizonte |
“O extermínio da juventude acontece em quase todos os países do América Latina”
“O extermínio da juventude acontece em quase todos os países do América Latina” - Levante Popular da Juventude

A Colômbia passa por um dos momentos mais delicados da política do país. Depois da população rejeitar um plebiscito sobre o acordo de paz entre movimentos guerrilheiros e governo, paira no ar o receio da retomada do conflito armado, no qual mais de 200 mil pessoas já morreram.

Júlian Reyes, integrante da organização Congreso de los Pueblos conta como sobrevive a juventude colombiana e quais as semelhanças com os jovens de toda a América Latina, perpassados por outros tipos de problemas, como a crise econômica e o golpe político no Brasil. Realista sem ser pessimista, Júlian é taxativo em sua avaliação de que “ser jovem significa força”, e que neste caso significa também “luta”.

Brasil de Fato MG: Qual a situação do acordo de paz entre o Estado e as guerrilhas?

Julian Reyes: As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Estado começaram os diálogos com a ideia fundamental, por parte do Estado colombiano, de desmobilizar a insurgência e manter o monopólio das armas. No entanto, é necessário entender alguns pontos.

As FARC surgiram nos anos 1960 e é uma guerrilha que começa como autodefesa camponesa, e ao longo do tempo foi criando uma ideologia socialista. As FARC são uma insurgência da Colômbia, mas existem outras duas mais: o Exército de Libertação Nacional (ELN) e o Exército Popular de Libertação (EPL).

O Exército de Libertação Nacional (ELN) é uma guerrilha que surgiu também em 1960, instalando focos insurreccionais. Sua composição era de estudantes vindos das universidades, mas logo somaram-se os camponeses e o movimento sindical, com uma relação direta com as reivindicações do povo. Com esse grupo, não há uma agenda concreta de diálogo, porque o governo colombiano, que é da elite, não quer ceder em algumas exigências da insurreição. O ELN argumenta que para haver diálogo com o governo tem que haver uma participação ampla do movimento popular.

A outra insurgência é o Exército Popular de Libertação (EPL), que surgiu também nos anos 1960, mas que na década 1990 e 2000 teve uma grave fragmentação em suas fileiras. De um lado ficaram os que mantêm a ideologia do trabalho popular e a defesa com as armas de seus ideais. De outro, aqueles que se vinculam com grupos paramilitares, tendo aí uma desvirtuação da reivindicação política, pois apoiam de maneira direta o narcotráfico.

A força que o governo e o Estado usavam para repelir as FARC, que era uma força repartida para repelir também o ELN e o EPL, atualmente está concentrada somente em repelir o ELN. Há um ataque midiático para deslegitimar as insurgências, deslegitimando suas lutas e os acusando de narcotraficantes ou terroristas, desvinculando todas as suas reivindicações políticas e do seu direito à rebelião, previsto na constituição da Colômbia e em documentos internacionais de direitos humanos que o estado colombiano é signatário.

O que defendem os movimentos populares da Colômbia hoje?

Entendemos que é preciso avançar no processo de paz, nos processos de diálogo com o governo. Mas é preciso abrir espaços para que a sociedade diga o que entende pela ideia de paz. Para nós, a paz se conquista somente quando há a garantia de direitos para uma vida digna. A garantia de direitos inclui um país soberano, que se autodetermine, que tenha soberania alimentar, soberania minerária e energética, que não tenha a “estrangeirização” da terra.

Como está a situação da juventude na Colômbia hoje?

A população jovem da Colômbia, neste momento, é composta pelos filhos dos conflitos no país. Nos últimos anos nasceram pessoas que obrigatoriamente tiveram que conviver com o conflito. Em todas as famílias colombianas ou há um militar, ou um policial, ou um guerrilheiro, ou há uma liderança popular. A juventude que nasceu nas décadas de 1990 e 2000 sofre as pressões e resultados de mais de 50 anos de conflito. Um dos efeitos é a violência econômica, pois faltam oportunidades de trabalho. É uma juventude que tem vinculação direta com a guerra, sobretudo as camadas mais baixas. Segundo as estatísticas do Estado, são as classes populares que têm sido o corpo da guerra durante esses últimos anos.

Como a juventude colombiana se organiza?

Os jovens estão se organizando em coletivos de base, em grupos locais, regionais e nacionais, em movimentos nos quais participam camponeses, estudantes, trabalhadores de bairro, de fábrica e secundaristas. Um dos nossos argumentos é que ser jovem é ser um potencial. Ser jovem significa força. Um potencial que pode ser aproveitado pela direita, para reproduzir o sistema. Ou que pode ser aproveitado pelas forças que querem transformar a sociedade, para manter os processos revolucionários.

É possível enxergar características semelhantes nos jovens da América Latina?

Durante o processo de articulação da juventude em luta, fizemos um diagnóstico de quais são os problemas da juventude. Vimos que temos um problema comum na América Latina: o extermínio da juventude. Na Colômbia isso envolve os conflitos armados internos que têm colocado milhares e milhares de jovens abaixo de balas. Mas também há uma juventude que tem sido perdida por causa das drogas e na proposta de consumo capitalista. No Brasil, no Rio de Janeiro, assassinam 9 jovens diariamente, que são negros, da periferia, da favela, homossexuais. Na Argentina está acontecendo o mesmo com o “gatilho fácil”, que é uma estratégia do Estado para eliminar os jovens. Na América Central, parece haver uma inclinação maior à eliminação das mulheres. Elas são tratadas como mercadorias, com a possibilidade de venda de seus corpos, de venda de mão de obra barata.

De que forma a crise atinge a juventude latino-americana?

Os jovens sofrem diretamente com toda a crise que está vivendo o capital, através, por exemplo, da restrição de direitos trabalhistas. Os jovens que estão nas fábricas terão mais horas de jornada, menos salários, menos saúde, piores condições em geral. E a maior parte não tem acesso à educação superior, o que significa maior submissão ao emprego que usa mão de obra barata, que se pode comprar a qualquer valor. É isso que as multinacionais estão fazendo na Colômbia, Equador, Bolívia e México, principalmente.

Como os jovens conseguirão sair deste estado de coisas?

Me parece que, com a crise que vive o mundo, a solução é somente o levantamento popular. Os acordos com os Estados e com as instituições de poder já não são mais suficientes. Estamos em um novo momento histórico e devemos entendê-lo como um momento para nos organizarmos. Compartilhamos os mesmos problemas e  temos que compartilhar as soluções também, e isso só se fará com luta. 

Edição: ---