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Com PEC, recursos da cultura terão corte de 90%

Sem um piso obrigatório, orçamento do setor será tão pequeno que as principais ações correm risco de paralisação total

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Ocupação do prédio do Ministério da Cultura, no Rio de Janeiro
Ocupação do prédio do Ministério da Cultura, no Rio de Janeiro - Tânia Rêgo/ Agência Brasil

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que congela o orçamento do governo federal por vinte anos tem sido alvo de duras críticas porque vai impactar diretamente em áreas como saúde e educação, com significativa redução dos investimentos. O que nem todo mundo se deu conta ainda é que na área cultural, a PEC será ainda mais devastadora. Isso porque, diferentemente da saúde e educação, que possuem pisos orçamentários obrigatórios previstos na Constituição, a cultura não tem essa garantia e, com isso, pode perder até 90% do seus recursos em apenas cinco anos. A projeção foi apresentada pelo ex-secretário-executivo do Ministério da Cultura (MinC), João Brant.

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Em 2016, o orçamento total da pasta foi de aproximadamente R$ 1,23 bilhão. Se a PEC for aprovada, esse orçamento não poderá crescer mais que a inflação do ano anterior. Como não se pode mexer nos recursos do pagamento de salários e previdência e nas despesas obrigatórias, por exemplo, o corte será justamente no montante de recursos que é destinado às próprias ações do ministério. “O que a gente pode prever, para os próximos cinco anos, é que a Cultura tenha uma perda de aproximadamente 90% do seu orçamento voltado a despesas finalísticas, ou seja, editais, obras, convênios com estados e municípios”, exemplifica João Brant.

Em nota técnica publicada recentemente, Brant, que foi secretário-executivo do ministério na gestão Dilma Rousseff até abril desse ano, explica que com a queda de quase 90% do orçamento voltado para as ações culturais, na prática, todas as ações do MinC serão paralisadas. Isso inclui editais de pontos de cultura, ações voltadas à cultura negra, obras de patrimônio cultural e exposições de museus, financiamentos não-retornáveis do Fundo Setorial do Audiovisual, além de ações de digitalização da Biblioteca Nacional, bolsas da Fundação Casa de Rui Barbosa e todas as ações financiadas pelo Fundo Nacional de Cultura, segundo conclusões do documento. Com isso, a tendência é o fechamento de unidades inteiras vinculadas ao ministério ou até mesmo a transferência da gestão para a iniciativa privada. O MinC possui atualmente sete unidades vinculadas, como a Agência Nacional do Cinema e Audiovisual (Ancine), a Fundação Nacional das Artes (Funarte), Fundação Biblioteca Nacional e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). 

Pontos de Cultura

As medidas do governo vão na contramão do processo de desenvolvimento de outros países, que ampliaram seus gastos sociais, explica a socióloga Daniela Ribas, integrante do colegiado setorial de música no Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC). “Agora, a cultura passou a ser vista como gasto e não como vetor do desenvolvimento humano e econômico”, critica. 

Daniela prevê que o corte de 90% nas ações do MinC que deve impactar principalmente o Programa Cultura Viva, responsável pelos mais de 9 mil Pontos de Cultura espalhados pelo país, que atendem diretamente cerca de 9 milhões pessoas. Criado em 2004, no governo Lula, os Pontos de Cultura são formados por grupos da sociedade civil que recebem verba para desenvolver atividades relacionadas a música, dança, literatura, artes plásticas, cinema, economia solidária, entre outros, principalmente nas regiões mais pobres do país. Também estão comprometidas as políticas de participação social em fóruns, conselhos, conferências e colegiados.  

“Apagão cultural”

Com os cortes recaindo sobre Pontos de Cultura e participação social, Daniela Ribas cita a ameaça de um “apagão cultural” nos próximos anos. “Os direitos culturais deixam de ser percebidos pela população e o paradigma de cultura será o de megaeventos. A tônica da democratização do acesso à cultura dará lugar a políticas desarticuladas da ideia de desenvolvimento humano e de valorização da diversidade, questões que tem pouco lugar no mercado de entretenimento”, analisa a socióloga, que integra o Conselho Nacional de Política Cultural.

Para Célio Turino, que foi secretário de Cidadania e Diversidade Cultural do MinC entre 2004 e 2009, e um dos responsáveis pela implantação dos Pontos de Cultura no país, o corte no setor tem um grande impacto social, especialmente na população mais jovem. “Essa garotada que está fazendo teatro, dança, música, cinema, desenvolvendo softwares, economia solidária, se articulando em teias e encontros, não vai ter mais opção. A gente sabe que quando as pessoas tem menos opções de cultura, lazer e esporte, elas acabam sendo tragadas pela depressão, pelo consumismo vazio e até para a criminalidade e as drogas”, afirmou em recente entrevista para a Rede TVT. 

Edição: José Eduardo Bernardes

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