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NEGRITUDE

“Nós somos a bola da vez dos golpistas”

Militante religiosa de matriz africana afirma que negros serão os mais prejudicados com as ofensivas do governo Temer

Belo Horizonte |
Makota Celinha: “Vejo um massacre das políticas sociais”
Makota Celinha: “Vejo um massacre das políticas sociais” - Larissa Costa / Brasil de Fato MG

Célia Gonçalves, a Makota Celinha, é jornalista, negra e líder religiosa de matriz africana. Makota é o nome usado no Candomblé para denominar um cargo feminino de grande importância na religião, a “zeladora” dos orixás. A militante esteve presente no último Encontro Mundial dos Movimentos Populares com o Papa, realizado no início de novembro, no Vaticano, e falou ao Brasil de Fato MG sobre a importância da liberdade religiosa em tempos de conservadorismo, racismo e golpe. 

Brasil de Fato - Conte um pouco da sua trajetória como militante do movimento negro e também religiosa.
Makota Celinha -
 Eu comecei a militar no movimento negro no fim da década de 70. Eu venho da Juventude Operária Cristã, das Comunidades Eclesiais de Base. Participei da construção do Partido dos Trabalhadores (PT) e daí surge minha atuação no movimento negro. Nos anos 90 eu me iniciei no Candomblé, onde estou há 25 anos. Atualmente sou uma Makota, que dentro da hierarquia da religião é uma qualidade de ‘zeladora’ do Axé. Nessa época, eu fiz uma opção muito clara sobre a minha fé de matriz africana. Foi também quando aconteceu no Brasil o primeiro Encontro Nacional das Entidades Negras (ENEM), e, para participar, você tinha que ser filiada a alguma entidade do movimento. Como nunca fui de nenhuma, participei da criação de uma entidade de candomblecistas e umbandistas, a Congregação Mineira de Candomblecistas (Concan). Criamos o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira (Cenarab) e também surgiu a Coordenação Nacional das Entidades Negras (Conen). Uma das grandes questões que move o Cenarab, hoje presente em 18 estados, não é discutir religião, não importa se você acende a vela de cabeça pra baixo ou pra cima. Pregamos o direito, o respeito e o livre arbítrio. As pessoas são livres e todas as religiões são semelhantes, o que é diferente é a forma de rezar. 

Qual é a importância de falar de liberdade religiosa hoje, com o avanço do conservadorismo?
Após a década de 90, vimos um crescimento de um setor extremamente conservador, que tem um projeto político teocrático para o país. São os neopentecostais, que, particularmente, considero os mais ofensivos. Se essas pessoas não fizessem da sua prática religiosa um exercício de ofensa às demais religiões, tudo bem, mas não é isso que acontece. Falar da liberdade é reconhecer o outro na sua subjetividade. Nessa questão, nós recuamos uns 25 anos com o golpe, que foi midiático, jurídico e legislativo. Qualquer processo abrupto de quebra da democracia por si só traz retrocesso. Agora, quando esse processo de rompimento se dá com base no fortalecimento de setores ultraconservadores é muito pior. O que eu vejo é o massacre das políticas sociais, crescimento da intolerância, homofobia, desrespeito, machismo.  

Você é jornalista. Como você vê o racismo na mídia hegemônica?
A mídia é horrorosa, serve ao grande capital. É uma mídia que disse que eu não prestava pra fazer televisão, há 30 anos, porque eu sou preta e meu cabelo é crespo. Quem é negro liga a televisão e não vê espelho. Quando a Rede Globo resolveu colocar uma protagonista negra na novela, o título era ‘Da Cor do Pecado’, reforçando o estereótipo do qual somos vítimas. Nas ficções, negras são empregadas domésticas que vivem 24 horas para a família branca, não têm nenhum vínculo – sem pai, sem mãe, sem casa. São colocadas como objetos de empréstimos. A mídia brasileira é extremamente perversa nesse sentido. Com tantas vantagens do sistema de cotas, por exemplo, as matérias jornalísticas exploram os poucos problemas e afirmam que a política pública não presta.

Como foi o encontro com o Papa? 
Foi ótimo. Discutimos pautas dos movimentos populares, inclusive a Ocupação Izidora. Levei para o Papa Francisco a carta de uma moradora e um vídeo das famílias. Pontuamos também a questão do pontífice ser mais contundente contra o Estado teocrático, falamos sobre a mortalidade da juventude negra. Foi um avanço. Eu fui enquanto Makota, religiosa de matriz africana, e tinha muçulmano, judeu, pastor.

O que a PEC 55 e as demais ofensivas do governo Temer têm a ver com o povo negro? 
Tudo. Nós somos a bola da vez dos golpistas. A maioria dos usuários do SUS é negra, pobre. Quando o Ministro da Educação vai a público falar que quem não tem dinheiro não vai estudar, ele está falando pra mim, pro meu filho. É como se eles estivessem congelando por 20 anos a possibilidade de o meu filho ser alguém. A PEC 55 é, na verdade, uma caixinha de maldade contra os negros. Eles sabem quem estão matando e por que estão matando. 

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