Comunicação

Temer vai ao STF para evitar proibição de concessões de rádio e TV para políticos

Ação é parte de disputa entre o governo e o MPF, que ajuizou ações para derrubar a concessão de parlamentares do PMDB

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Presidente Michel Temer ajuizou uma ADPF para declarar inconstitucionalidade de decisões judiciais que impedem concessões de TV e rádio aos parlamentares
Presidente Michel Temer ajuizou uma ADPF para declarar inconstitucionalidade de decisões judiciais que impedem concessões de TV e rádio aos parlamentares - José Cruz/ Agência Brasil

Na última quarta-feira (9), o presidente não eleito Michel Temer ingressou com a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 429, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), pedindo para o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a inconstitucionalidade de decisões judiciais que têm impedido a outorga ou renovação de concessões de rádio e TV a políticos que possuem mandatos eletivos. A ADPF é uma ferramenta utilizada no Direito brasileiro para evitar ou reparar lesões a preceitos fundamentais resultantes de decisões do Poder Público.

Segundo a petição inicial da ADPF, enviada para o Brasil de Fato pela assessoria de imprensa da Advocacia Geral da União, os motivos da ação são baseados na opinião de que as decisões do Ministério Público Federal (MPF) de retirar concessões de rádio e TV de parlamentares ofendem preceitos fundamentais expostos na Constituição Federal, como o do valor social do trabalho e da livre iniciativa, o da primazia da lei e o da livre expressão e o da liberdade de associação.

Confira a versão em áudio da matéria (para baixar o arquivo, clique na seta à esquerda do botão compartilhar):

“O fato é que, conforme será adiante demonstrado, as decisões judiciais que impedem a outorga e a renovação de concessões, permissões e duas autorizações de radiodifusão a pessoas jurídicas que possuem políticos titulares de mandato eletivo como sócios ou associados, bem como as que proíbem os titulares de mandato eletivo de participar, como sócios ou associados, de pessoa jurídica que detenha a outorga de serviço de radiodifusão, são claramente incompatíveis com a Carta Republicana, uma vez que ofendem os preceitos fundamentais constantes dos artigos 1°,inciso IV; 5°, caput e incisos 11, IX e XVII; 54, inciso I, alínea "a"; 170; 220; e 222, todos da Lei Maior”, apresenta o documento.

Isso porque, no fim de setembro deste ano, o MPF ajuizou ações para derrubar a concessão dos deputados federais Elcione Barbalho (PMDB-PA) e Cabuçu Borges (PMDB-AP) e do senador Jader Barbalho (PMDB-PA).

A ação da AGU foi distribuída nesta semana à ministra do STF Rosa Weber para julgamento. Ela já se pronunciou sobre a interpretação do artigo 54 da Constituição anteriormente, durante a Ação Penal 5301, quando o STF afirmou que a Constituição contém uma proibição clara que impede deputados e senadores de serem sócios de pessoas jurídicas titulares de concessão, permissão ou autorização de radiodifusão.

Segundo seu parecer, “a proibição específica de que parlamentares detenham controle sobre empresas de radiofusão visa evitar o risco de que o veículo de comunicação, ao invés de servir ao livre debate e informação, seja utilizado apenas em benefício do parlamentar, deturpando a esfera do discurso público”.

Disputa

Segundo Braulio Araújo, advogado e membro associado do Coletivo de Comunicação Social Intervozes, a ação de Temer é “resultado de uma disputa que já acontece há anos, uma das lutas antigas do Intervozes pela democratização da mídia”.

O advogado explicou que o Intervozes participou da construção de duas outras ADPFs contrárias à outorga de concessões para políticos, que foram encaminhadas pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) nos últimos cinco anos: a 246, de 2011, e a 379, ajuizada no STF em novembro de 2015. O argumento das ações destaca que a legislação brasileira veda a posse de concessões de rádio e TV a políticos.

Segundo o Artigo 54 da Constituição Federal, deputados e senadores não poderão “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público”.

O artigo ainda proíbe parlamentares de  “serem proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada”.

Outro argumento destacado pelas ADPFs do PSOL expõe o impedimento pela Constituição da participação de congressistas em prestadoras de radiofusão, visto que tais concessionárias possuem isenção fiscal concedida pela legislação. “Como é o poder Executivo que outorga as concessões, [congressistas] não podem se beneficiar de um contrato que eles mesmos precisam aprovar. Há um conflito de interesses”, explica Araújo.  

Parecer do MPF 

Em agosto deste ano, as ações do Intervozes receberam parecer favorável do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que afirmou que a prática de concessões aos políticos viola a “isonomia, o pluralismo político e a soberania popular”, e solicitou que o Judiciário e o Congresso Nacional não deem posse aos políticos eleitos que sejam, direta ou indiretamente, sócios ou associados de empresa de radiodifusão.  

A manobra de Temer, segundo Araújo, é uma resposta a essa decisão, que contraria os interesses de três parlamentares que pertencem ao mesmo partido do presidente.  

“Mas não dá para dizer que é uma coisa partidária, porque muitos partidos políticos têm parlamentares que controlam empresas de rádio e TV. Isso é uma prática comum, que vem atravessando o período de redemocratização nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma. É um comportamento enraizado que nós consideramos inconstitucional e prejudicial para a democratização da mídia”, ponderou o advogado.

Pesquisa

Em um levantamento feito por entidades da sociedade civil defensoras do direito à comunicação e da democratização da mídia em novembro de 2015, foram identificados e denunciados 32 deputados federais e oito senadores sócios ou associados de pessoas jurídicas outorgadas de radiodifusão. A pesquisa foi baseada em dados do Sistema de Acompanhamento de Controle Societário (Siacco), da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

“Esse número ainda representa os políticos diretamente ligados às empresas radiodifusoras e televisivas. Não podemos afirmar, mas suspeitamos que o número de políticos indiretamente ligados a veículos de comunicação, por meio de parentes de primeiro e segundo grau, seja bem maior”, completou Araújo.

Nas ADPF encaminhadas pelo PSOL, o partido apontou que, em 1980, pouco mais de 100 políticos em 16 estados controlavam emissoras de rádio e TV, argumentando o quanto a prática é antiga no país.

Entre os parlamentares expostos no levantamento há nomes de grande peso político, como o segundo colocado na eleição presidencial e senador por Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), e o líder do PSDB no Senado, Tasso Jereissati.

Outros casos já são mais conhecidos, como o do prefeito de Salvador Antônio Carlos Magalhães Neto (ACM Neto), dono do Correio da Bahia, da Globo FM local e da TV Bahia, afiliada da Rede Globo em Salvador e região.

Confira a lista de políticos com mandato eletivo detentores de concessão de veículos de comunicação (dados de novembro de 2015):

Deputados Federais

1. Adalberto Cavalcanti Rodrigues, PTB-PE

2. Afonso Antunes da Motta, PDT-RS

3. Aníbal Ferreira Gomes, PMDB-CE

4. Antônio Carlos Martins de Bulhões, PRB-SP

5. Átila Freitas Lira, PSB-PI

6. Bonifácio José Tamm de Andrada, PSDB-MG

7. Carlos Victor Guterres Mendes, PMB-MA

8. César Hanna Halum, PRB-TO

9. Damião Feliciano da Silva, PDT-PB

10. Dâmina de Carvalho Pereira, PMN-MG

11. Domingos Gomes de Aguiar Neto, PMB-CE

12. Elcione Therezinha Zahluth Barbalho, PMDB-PA

13. Fábio Salustino Mesquita de Faria, PSD-RN

14. Felipe Catalão Maia, DEM-RN

15. Felix de Almeida Mendonça Júnior, PDT-BA

16. Jaime Martins Filho, PSD-MG

17. João Henrique Holanda Caldas, PSB-AL

18. João Rodrigues, PSD-SC

19. Jorginho dos Santos Mello, PR-SC

20. José Alves Rocha, PR-BA

21. José Nunes Soares, PSD-BA

22. José Sarney Filho, PV-MA (atual ministro do Meio Ambiente)

23. Júlio César de Carvalho Lima, PSD-PI

24. Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, PMDB-SP

25. Luiz Gionilson Pinheiro Borges, PMDB – AP

26. Luiz Gonzaga Patriota, PSB-PE

27. Magda Mofatto Hon, PR-GO

28. Paulo Roberto Gomes Mansur, PRB-SP

29. Ricardo José Magalhães Barros, PP-PR

30. Rodrigo Batista de Castro, PSDB-MG

31. Rubens Bueno, PPS-PR

32. Soraya Alencar dos Santos, PMDB-RJ

Senadores

33. Acir Marcos Gurgacz, PDT-RO

34. Aécio Neves da Cunha, PSDB-MG

35. Edison Lobão, PMDB-MA

36. Fernando Affonso Collor de Mello, PTB-AL

37. Jader Fontenelle Barbalho, PMDB-PA

38. José Agripino Maia, DEM-RN

39. Roberto Coelho Rocha, PSB-MA

40. Tasso Ribeiro Jereissati, PSDB-CE

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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