Ocupação

Alimentos vencidos estragam em depósito da escola Brigadeiro Fontenelle, em Belém

Alunos que ocupam o prédio desde o último dia 16, recebem mingau como merenda e descobriram frutas e macarrão estragados

Brasil de Fato | Belém (PA) |
Frutas que nunca foram servidas aos alunos apodrecem em depósito da escola
Frutas que nunca foram servidas aos alunos apodrecem em depósito da escola - Jean Brito

No último domingo, 26, os alunos secundaristas da escola estadual de ensino fundamental e médio Brigadeiro Fontenelle, localizado no bairro da Terra Firme em Belém, considerado um dos mais populosos da cidade, descobriram frutas como mamão e banana apodrecendo em caixotes, além de fardos de outros alimentos como macarrão já vencidos. 

Josy Alves estuda no colégio desde os 11 anos e tenta buscar na memória outro tipo de merenda que tenha sido servida aos alunos, além do tradicional mingau e sopa, mas não se recorda. Desde o dia 16, os alunos ocupam as dependências do prédio em protesto contra o abandono da escola e a medida PEC 55, proposta do governo não eleito de Michel Temer que pretende limitar investimentos na saúde e educação por 20 anos - aprovado ontem no Senado em primeiro turno. A estudante lembra que o mingau e a sopa eram os alimentos servidos antes da ocupação e se revolta com o desperdício ao se deparar com as frutas já estragadas. 

“Antes da gente ocupar, há semanas a gente estava tomando só mingau. O depósito é um lugar onde a gente não tem acesso e quando tu abres e tu vê coisas [alimentos] se estragando e que não deram pra ti, fica um sentimento de revolta e aquela vontade de questionar: Por que eles fazem isso com a gente? Se tem, por que não utilizam? O macarrão já faz um bom tempo que ele saiu da validade. É muito macarrão pra estragar, dói muito”, desabafa Josy Alves.

Abandono

Os alunos ocuparam o colégio para reivindicar melhorias na estrutura do prédio. O professor de matemática Renato Medeiros trabalha no Brigadeiro Fontenelle há 15 anos e conta que o prédio tem problemas de infiltração, os banheiros não possuem condições de uso e afirma que diante dessa realidade, a ocupação pelos alunos e alunas seria algo inevitável. 

“A escola está completamente abandonada. As salas estão em uma situação deplorável. Têm pombos e as fezes fazem um mal danado pra saúde da gente, tem muito mato, muita goteira, muito lixo, rato, a gente não tem iluminação e ventilação”.

Medeiros informa que a escola foi reformada em 2001, ano em que começou a lecionar no colégio e que possui 24 salas com cerca de 2.500 alunos, que frequentam a escola nos três turnos.

O Brasil de Fato esteve na escola Brigadeiro Fontenelle e encontrou o bebedouro sem condições de uso devido à ferrugem, cadeiras empilhadas estavam jogadas em um vão dentro do terreno da escola. No domingo os alunos juntamente com outros movimentos sociais, que estão apoiando a ocupação, fizeram um mutirão para capinar o terreno. 

Além dos problemas dos alimentos estragados e vencidos e as condições físicas do prédio, os alunos também relataram que não podem entrar na biblioteca e mostraram DVDs de conteúdo educativo, ainda com lacre de plástico, e pilhas de livros novos destinados à Educação de Jovens e Adultos (EJA) e ensino médio.

Ocupação

A estudante Josy Alves integra o grêmio estudantil Asas do Urubu, da escola Brigadeiro Fontenelle, além de participar de outros movimentos como a Pastoral da Juventude e da ONG Grupo de Ouro Nacional (GON), que dá apoio a pessoas com câncer no bairro. 

Ela conta que para fazer a ocupação, os estudantes visitaram outras escolas que estavam ocupadas, estudaram e discutiram sobre os motivos que levariam ao ato e durante assembleia, os secundaristas votaram a favor da ocupação para reivindicar a reforma da escola e acordaram com a direção que somente os alunos do ensino médio participariam. Josy lembra, no entanto, que os discentes do ensino fundamental ficaram tocados pela manifestação e aderiram à ocupação que, segundo ela, carrega uma causa legítima.

“Eu, assim como meus amigos, pretendemos ter filhos e se a gente precisar da escola pública, como é que vai ser? Então a gente está aqui por causa disso. Ocupar não é fácil. Então quando a gente é tachado de vagabundo gera uma revolta, mas ao mesmo tempo uma calma porque a gente sabe que não é isso, a gente está aqui lutando por uma causa justa e a nossa escola, sendo a segunda maior do estado, a gente tem mesmo que ocupar, e não se importar com a opinião dos outros”, conclui.

O professor Medeiros destaca que a ocupação é motivo de orgulho. Ele também nasceu no bairro da Terra Firme, conhece a realidade de cada estudante e acredita que há um sentimento que norteia os professores que estão apoiando a ocupação.

“A luta que a gente tem visto desses meninos e meninas, as discussões, os debates, as caminhadas e as posições, isso é gratificante de ver que o nosso trabalho tem surtido efeito, que a gente não é simplesmente aquele professor tradicional que vai na sala, dá o seu conteúdo, fica ali mesmo e vai embora. A gente procura mostrar a realidade da escola, da cidade, do mundo, tenta levar discussões pra sala de aula, pra fazer que esses meninos e meninas se tornem cidadãos de bem. Então o sentimento que a maioria dos professores têm quanto a gente vê eles ali lutando é de muito orgulho”. 

O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) para questionar o órgão sobre as denúncias levantadas pelos estudantes, mas até o fechamento da matéria não tivemos retorno. 

Edição: José Eduardo Bernardes

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