JUDICIÁRIO

Análise: Supersalários do poder público já não podem mais ser tolerados

90% do Judiciário e do Ministério Público recebem acima do teto, diz levantamento

Rio de Janeiro (RJ) |
Desde o início da Lava Jato, Moro recebeu mais de R$1,5 milhões, 35% acima do teto constitucional
Desde o início da Lava Jato, Moro recebeu mais de R$1,5 milhões, 35% acima do teto constitucional - Divilgação

No Brasil atual está difícil separar o que é a essência de uma determinada posição política da sua aparência. A manipulação das informações pela grande mídia e a sua imediata veiculação pelas redes sociais transformam qualquer debate de ideias em um campo separado entre os bons e os maus. Um exemplo disso é o texto escrito por um articulista de um grande jornal, que comentava o resultado da votação das dez medidas anticorrupção e a aprovação da legislação que criminaliza o abuso de poder de autoridades: “no Brasil, os bandidos querem julgar os xerifes”, disse o articulista.

Esse tipo de argumentação moralista instiga o que há de pior na irracionalidade humana. Isso também ocorre com a discussão dos supersalários. Porque os “xerifes” que se manifestaram contra a aprovação do projeto do abuso de autoridade, nunca se manifestaram contra os supersalários, o auxílio moradia e os demais penduricalhos que aumentam as suas remunerações? Serão eles agora os maus ou os bons? Será que existem corporações que estão acima da lei? Ou a lei vale para todos?

Toda e qualquer forma de corrupção tem que ser combatida, mesmo quando travestida de arranjos institucionais para torná-la mais tolerável. A democracia é ameaçada quando o corporativismo exacerbado é dominante no setor público. Privilégios, para qualquer tipo de agente público, não podem mais ser admitidos. Estourar o teto salarial é uma dessas regalias.

A manutenção desses privilégios, dos quais os supersalários são os mais visíveis, contribui para o aumento da desigualdade social. Recursos públicos são capturados pelas corporações mais bem remuneradas em detrimento dos programas sociais. Estima-se que aproximadamente R$ 10 bilhões são desviados da sua aplicação na redução da desigualdade pelos supersalários e seus penduricalhos.

A redução das desigualdades, a diminuição da pobreza absoluta, a universalização dos direitos não podem prosperar em uma estrutura institucional que fortalece a lógica do privilégio corporativo e da desigualdade jurídica em detrimento da parte mais pobre da sociedade.

Porém, do ponto de vista econômico, enquadrar os supersalários em seu arcabouço legal não vai resolver o problema da estrutura fiscal regressiva que existe no Brasil. Para isso seria necessário elevar os impostos sobre a propriedade e herança, acabar com as desonerações fiscais em larga escala, e o fim da isenção de IRPF sobre dividendos, que já dura mais de 20 anos. A arrecadação daí resultante suficiente para derrubar o déficit fiscal primário em mais da metade. A redução da taxa de juros faria o resto do trabalho na redução do déficit nominal e, ainda, melhoraria o desempenho econômico e a arrecadação.

Porém, com a PEC 55, mesmo que se conseguisse um reequilíbrio das contas públicas não haveria aumento do investimento público pois ela inviabiliza, na prática, uma expansão dos investimentos.

Os supersalários são um simples caso de cumprimento da lei. O silêncio das autoridades, que tem por função o seu controle, indica que a extinção desse tipo de privilégio afeta os interesses das suas corporações.

Este é um problema político que aumenta a desigualdade no Brasil e deve ser enfrentado politicamente sem transformar ninguém em bom ou mau. Até porque, mesmo se resolvido, restarão outros temas importantes para a melhoria da igualdade social no Brasil, como a altamente regressiva estrutura tributária e fiscal brasileira.

Luiz Martins de Melo é professor e pesquisador do Instituto de Economia da UFRJ

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