Crise política

Movimentos populares protocolam pedido de impeachment de Temer

Entidades e juristas argumentam que o peemedebista cometeu crime de responsabilidade e pedem eleições diretas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Juristas e representantes dos movimentos populares entregam pedido de impeachment de Temer na Câmara
Juristas e representantes dos movimentos populares entregam pedido de impeachment de Temer na Câmara - Mídia Ninja

Um grupo composto por juristas e 15 entidades da sociedade civil organizada protocolou na tarde desta quinta-feira (8) um pedido de impeachment do presidente não eleito Michel Temer. Eles sustentam que a atuação do peemedebista no escândalo envolvendo as denúncias do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero configuram crime de responsabilidade.

O processo deve tramitar em paralelo ao pedido de deposição já protocolado pelo Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL) no último dia 28. As duas iniciativas têm a mesma fundamentação.

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A articulação conjunta das entidades resulta da intensificação da crise que tem abalado a cúpula governista nas últimas semanas. O estopim se deu quando Calero se demitiu da pasta, no dia 18 de novembro. O ex-ministro veio a público com acusações contra Temer e o então secretário de Governo, Geddel Vieira Lima, que o teriam pressionado a liberar as obras de um empreendimento na Bahia. A construção havia sido embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

A narrativa do ex-ministro da Cultura, que chegou a prestar depoimento à Polícia Federal, incendiou as relações na cúpula do Executivo e provocou a saída de Geddel do cargo no dia 25 de novembro. Com isso, as forças de oposição intensificaram as mobilizações para pedir a saída de Temer da Presidência da República.

As intervenções do peemedebista e do ex-ministro da Secretaria de Governo foram consideradas indevidas e, na avaliação da oposição, estamparam a força de interesses privados na conduta do mandato do presidente não eleito.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um dos que assinam o documento. “A cadeira da Presidência da República é para reger a nação brasileira através da legitimidade do voto. É para fazer com que a educação, a saúde, a nossa soberania sejam respeitadas, não para fazer negociatas em prol de interesses particulares, que foi o que se verificou”, considera Alexandre Conceição, da direção nacional da entidade.

A iniciativa dos movimentos tem o apoio dos parlamentares de oposição, que têm tentado sedimentar o caminho para a saída do PMDB da presidência. “Nós já tivemos um impeachment sem crime de responsabilidade. Agora temos um crime de responsabilidade e queremos impeachment”, disse a líder da minoria na Câmara, Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Fundamentação

Para o jurista Marcelo Neves, da Universidade de Brasília (UnB), um dos signatários da peça processual, o pedido tem fundamentação técnica justificada. “Temer fez uma requisição informal a Calero e agiu contra as exigências constitucionais dos princípios da moralidade, da legalidade e da impessoalidade da administração pública. Evidentemente, ele procedeu de modo incompatível com a dignidade e a honra necessárias ao cargo. Está tudo plenamente justificado”, afirmou.

A jurista Carol Proner, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considera que o episódio envolvendo peças-chave do Executivo fere também as expectativas de setores sociais que bradaram pela mudança de governo.

“Esta denúncia, feita de modo muito representativo, ganha uma dramaticidade muito grande porque, supostamente, a sociedade brasileira, nos seus diferentes posicionamentos, teria um pacto com a moralidade a partir de agora. Supunha-se que, após o impeachment da presidenta Dilma, a sociedade avançaria. Mas temos um chefe do Executivo que começa cometendo crime de responsabilidade sobre o qual não há dúvidas. Estamos diante de uma situação exemplar que precisa ser investigada, e não nos cabia outro papel senão o de fazer essa denúncia”, considerou a jurista.

Ações populares

Para o secretário-geral da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Gabriel Nascimento, a formalização do pedido de deposição está em consonância com as diversas manifestações populares que vêm sendo registradas pelo país.

“É um pedido que nasce no seio de todos os atos de rua que nós fizemos, e já faz alguns meses que as entidades e os movimentos organizados vêm dizendo que não aceitam nenhuma forma de golpe. E este golpe que está aí é heteronormativo, racista, branco, protagonizado por homens que sempre estiveram no poder e por uma elite escravocrata que objetiva colocar uma agenda regressiva para o povo brasileiro”, afirmou o dirigente.

A Associação dos Povos Indígenas no Brasil (Apib) também vê na deposição uma tentativa de atender os anseios das comunidades tradicionais, que têm se manifestado intensamente contra ações de Temer na área.

“Estamos sentindo na pele toda essa regressão violenta que começou há sete meses. Não podemos admitir tantos equívocos sequenciais. (…) A Funai, por exemplo, está sofrendo o maior desmonte de toda a sua história”, disse a representante da entidade, Sônia Guajajara.

“Diretas já”

Durante o protocolo do pedido, as lideranças presentes reforçaram o discurso de que o país precisaria fortalecer o caminho rumo a um novo processo de eleições diretas para presidente. “Seria uma alternativa para o Brasil sair da crise, voltar a ter um presidente eleito pelo povo, voltando a ter legitimidade, em vez de ficar com um golpista no poder”, disse o presidente nacional da CUT, Vagner Freitas.

Ausência

Na ocasião da entrega do documento, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, não recebeu o grupo, apesar da marcação prévia que havia sido feita na agenda oficial. Além disso, nenhum dos deputados da mesa diretora da Casa compareceu ao gabinete da presidência para receber as entidades. Por isso, o caminho institucional encontrado pelo grupo foi entregar o documento ao secretário-geral da mesa, Wagner Padilha.

“Não há nada mais representativo do que ver esta cadeira aqui vazia”, disse na ocasião a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), apontando para o assento de Maia.

A ausência do democrata foi interpretada pelos movimentos e parlamentares presentes como uma manifestação de posicionamento político desfavorável à manifestação da sociedade civil. “É a tradução do desprezo pela soberania popular”, criticou a senadora Fátima Bezerra (PT-RN).

Até o fechamento desta matéria, Maia não fez pronunciamento oficial sobre o pedido protocolado pelas entidades nem a respeito das críticas sobre sua ausência na entrega do documento.

Confira a lista das entidades e dos juristas que assinam o documento:

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Central Única dos Trabalhadores (CUT)

União Nacional dos Estudantes (UNE)

Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)

Mídia Ninja

Fora do Eixo

Intersindical

União de Negros e Negras pela Igualdade (Unegro)

União Brasileira de Mulheres (UBM)

Central de Movimentos Populares (CMP)

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)

Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam)

Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG)

Comunidades Negras Rurais Quilombolas

Levante Popular da Juventude

Juristas

Carolina Proner (UFRJ)

Marcelo Neves (UnB)

Juvelino Strozake

Leonardo Yarochevsk

Edição: Camila Rodrigues da Silva

Edição: ---