Juventude

Encontro promove fortalecimento da luta e resistência de jovens quilombolas no Pará

Atividades incluíram roda de conversa sobre fascismo, extermínio da juventude, PEC 55 e suas consequências

Brasil de Fato | Belém (PA) |
Jovens participam de oficina de grafite durante encontro em Belém
Jovens participam de oficina de grafite durante encontro em Belém - Lilian Campelo/ Brasil de Fato

Jovens de comunidades quilombolas de municípios da região do baixo Tocantins, no Pará, e bairros da periferia da região metropolitana de Belém, se encontraram nesta sexta-feira (9) para compartilhar experiências de luta e resistência. O encontro tem o objetivo de fortalecer a combatividade dos jovens em seus territórios a partir dos relatos compartilhados. 

Josy Alves, 21 anos, narrou como ela e outros alunos realizaram a ocupação da escola Brigadeiro Fontenele. A jovem lembra do medo, da pressão e dos insultos que ouviu à época, mas diz que conhecer as lutas de outros jovens contribuiu para que ela reconheça a importância de sua ação. 

“O contato com esses jovens, com as mulheres que relataram as dificuldades de chegar até aqui, acordaram cinco da manhã e chegaram 11h, e mesmo com essa dificuldade eles estão aqui, então eu vejo que foi muito importante a ocupação, eu fortaleço eles também, então é aquela troca de energia”, diz.

Realidades distintas

Josy lembra de receber uma série de gestos de solidariedade e pedidos de apoio. Alunos de escolas de bairros diferentes levavam cestas básicas para ajudar na alimentação e muitos estudantes entravam em contato com os secundaristas do Brigadeiro Fontenele para pedirem orientação sobre como fazer a ocupação, porque as escolas onde estudavam também estavam em condições precárias. A escola Brigadeiro Fontenele continua ocupada pelos estudantes, com a reivindicação de melhora de suas  estruturas.

Edinalva Cardoso, 23 anos, pertence a comunidade quilombola de Abacatal, localizada no município de Ananindeua, vizinho de Belém, distante 19 km da capital do estado. Ela é aluna no curso de matemática pela Universidade Federal do Pará (UFPA) e para assistir às aulas todos os dias, precisa que seu cunhado a leve de moto às 5h da manhã até o final da linha do ônibus, pois não há transporte público em sua comunidade. Tem dias que esmorece, mas lembra que entrar para a universidade foi uma conquista. 

“Tem dia que eu chego em casa e eu choro, porque é difícil, mas eu sempre falei que era meu sonho ser professora de matemática, porque na minha comunidade as crianças têm muita dificuldade na disciplina, então eu decidi fazer o curso exatamente por isso”.

A comunidade quilombola sofre com os impactos causados pelo lixão do Aurá, aterro sanitário onde boa parte do lixo produzido na Região Metropolitana de Belém era despejado. Hoje o aterro em Ananindeua está fechado, mas foi transferido para uma outra localidade, mais próxima da cabeceira do igarapé e das plantações de açaí que o margeiam.

“A árvores de açaís ficam nas proximidades do igarapé, ninguém quer mais comprar o açaí da comunidade porque falam que está poluído por causa do lixão, isso impactou na renda, a comunidade sobrevive dos derivados da mandioca como a farinha, tucupi goma, e muita gente tem horta, tudo isso vai se perdendo, porque as pessoas não querem mais comprar porque dizem que está tudo poluído”, lamenta Edinalva.

Estratégias 

Guilherme Carvalho, coordenador da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) no Pará, participou do encontro e fez uma análise de conjuntura do cenário nacional e internacional. Ele explicou que a juventude vem construindo estratégicas de mobilizações sociais como a colaboração e formação de redes de solidariedade sob uma estrutura de organização mais horizontal e com participação direta daqueles que são protagonistas, o que contribui para que o governo não saiba como lidar com essas estratégias.

“Dois aspectos importantes nessas mobilizações são a comunicação, porque efetivamente eles estão buscando se comunicar com a sociedade é essa é uma das grandes dificuldades dos movimentos sociais, e por outro lado a questão da cultura como fator de mobilização e de construção de coesão do movimento. Então a cultura, o que eu percebo, é que ela não está restrita em manifestação cultural, mas a cultura como elemento de construção dos próprios processos de mobilização social e isso é algo importante, é algo que a gente deveria investir nos dos movimentos sociais de modo geral”

Programação

O encontro ocorreu na sede do Movimento República de Emaús, localizado no bairro do Benguí, um dos bairros mais populares de Belém e foi promovido pelo grupo Dhavida, (Direitos Humanos, Contra a Violência e pela Vida), composto por representantes de diversos movimentos populares, coletivos da juventude, comunicadores populares, institutos e organizações não governamentais. O grupo nasce como uma forma de apoiar as famílias que perderam parentes assassinados por milicianos que atuam nos bairros pobres da capital paraense. 

O caso ficou conhecido como chacina de Belém em que 11 jovens, todos do sexo masculino, foram assassinados. O fato ocorreu em 2014 na noite do dia 4 e madrugada do dia 5 de novembro e mobilizou os movimentos populares, desencadeando uma onda de protestos pela cidade, que resultaram na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação de milícias no estado do Pará. 

O evento ainda contou com oficinas de grafitagem, com o apoio da Freedas Crew, grupo composto em sua maioria por mulheres, e a exibição do curta-documentário É o que guardo dele, que retrata a relação das mães da chacina de Belém com os objetos guardados de seus filhos. 

O curta, exibido pela primeira durante o encontro, foi idealizado pelo antropólogo e professor de museologia da UFPA Hugo Menezes.  As fotos de infância, registro de nascimento e roupas de quatro jovens que foram mortos em 2014 e outros objetos que foram surgindo, como cartazes com frases pedindo justiça e recortes de jornal, compõem as lembranças e a resistência das famílias.

Edição: José Eduardo Bernardes

Edição: ---