Racismo

Impactos do governo Temer para a população negra são tema de debate

Mais do que a conjuntura política atual, ativistas negros apontam que é preciso repensar a estrutura brasileira

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Debatedores realizaram uma análise estrutural da sociedade brasileira antes mesmo de uma análise da conjuntura política atual
Debatedores realizaram uma análise estrutural da sociedade brasileira antes mesmo de uma análise da conjuntura política atual - Divulgação

No último sábado (10), ativistas do movimento negro reuniram-se no 3° Seminário da Rede Antirracista Quilombação. Realizado no Sindicato dos Bancários, no centro de São Paulo, o debate “O movimento negro e a guinada conservadora: perspectivas nacionais e internacionais” discutiu, entre outras questões, os impactos da PEC 55, antiga PEC 241 e das políticas econômicas do governo Temer para a população negra.

Entre os muitos debatedores, estavam presentes, para discutir a conjuntura nacional brasileira, Silvio Almeida, professor de direito e presidente do Instituto Luiz Gama; Rosane Borges, mestra em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e professora do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celacc); Alessandra Devulsky, advogada especialista em direito ambiental e diretora executiva do Instituto Luiz Gama; Dennis de Oliveira, professor de jornalismo na ECA-USP e membro do coletivo Quilombação; Márcio Farias, psicólogo, educador e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro Americanos de São Paulo (NEAFRO); e Júlio César Torres, membro do Sindicato dos Bancários e da Faculdade 28 de agosto.

Racismo estrutural

O debate buscou, como um de seus objetivos, realizar uma análise estrutural da sociedade brasileira antes mesmo de uma análise da conjuntura política atual. “A conjuntura é determinada por uma série de fatores que são estruturais, que podem ser entendidos como uma relação social determinada que forma sujeitos, que molda a ação social, as instituições, e que está diretamente ligada ao processo de reprodução econômica da sociedade”, alertou Silvio Almeida. 

O professor aponta alguns dos caminhos que acredita serem indispensáveis para a reorganização dos movimentos frente ao golpe e ao avanço do conservadorismo. Em primeiro lugar, ressalta a interação que existe entre as instituições e a estrutura brasileira. Dennis de Oliveira também defende o mesmo ponto. “Os arranjos institucionais existem para dar conta de um modelo de acumulação de riquezas”, diz.

Em seguida, Silvio explica que é preciso ressignificar a noção de democracia. É necessário, segundo ele, pensar estratégias para envolver e atrair as pessoas a participarem do processo democrático não só no momento do voto, e menciona os mecanismos ideológicos como um dos pontos chaves dessa análise. O monopólio das mídias tradicionais e as redes sociais devem ser repensadas.

Alessandra Devulsky defendeu que, em meio a um cenário de crise mundial do modelo neoliberal, o maior desafio para se pensar a conjuntura política brasileira aliada às lutas dos movimentos sociais é entender o cruzamento entre o racismo estrutural e o modelo capitalista. “O que a PEC 241 vai promover é a estagnação de determinados grupos no Brasil que já vivem uma situação de grande vulnerabilidade. Obviamente, existe um corte racial dentro dessa política de exterminação das políticas públicas”, disse. 

Ela também destacou que entender as experiências de outros países — sendo eles de capitalismo central ou periférico — é importante para sabermos quais horizontes são possíveis de se desenhar na luta antirracista no Brasil. Segundo ela, mesmo o Canadá, um país com industrialização em moldes diferentes dos brasileiros e de capitalismo central, deve ser pensado nesse conjunto de experiências quando o assunto é seu sistema público de saúde. 

Mulheres negras

“Feminismo negro, capitalismo e PEC 241 tem tudo a ver”, disse Rosane Borges. Em sua participação, a professora buscou falar especialmente das mulheres negras e da relevância do feminismo negro para se pensar a pluralidade no Brasil.

Rosane defendeu que, ao se debater mudanças estruturais na sociedade brasileira, é impossível pensar as desigualdades econômicas e a confrontação com o modelo capitalista sem que levemos em consideração o calcanhar de Aquiles do país, que é a questão racial e de gênero. 

Ela frisou que pensar em qualquer transformação como, por exemplo, a redistribuição econômica — pauta histórica do movimento negro — deve, também, pensar na lógica do reconhecimento, ou seja, deve incluir recortes de gênero e de raça. “Não se dimensiona o alcance do capitalismo se a gente não pensar o que é a mulher negra (...) A gente tem uma história de conquista de direitos no Brasil que passou por uma agenda que é feminista e é negra”, disse. Para pensar saídas, Rosane aponta que a luta do feminismo negro deve ser tida como exemplo.

Carta

Ao final do seminário, os ativistas lançaram uma carta com algumas declarações. Dentre elas, a defesa da liberdade de Rafael Braga, jovem negro e trabalhador preso nos protestos de junho de 2013. Afirmam que se opõem ao governo de Michel Temer e aos ajustes propostos, especialmente a PEC 55, que leva ao congelamento dos investimentos públicos e a reforma da previdência; à política de guerra às drogas, ao sucateamento dos sistemas públicos de saúde e à retirada dos conteúdos humanísticos do ensino básico. Também denunciam o processo de extermínio da população negra e pobre, expresso pelo assassinato de jovens negras e negros nas periferias e a violência contra a mulher. 

Edição: José Eduardo Bernardes

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