RESISTÊNCIA

Ludma e Índia, militantes do MAB de Rondônia, são homenageadas no Rio de Janeiro

Pela luta em defesa das famílias atingidas pelas usinas de Santo Antônio e Jirau, elas passaram a ser ameaçadas de morte

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Da esquerda para direita está a representante de Djanira Krenak, seguida por Ludma e Índia, após receberem a homenagem
Da esquerda para direita está a representante de Djanira Krenak, seguida por Ludma e Índia, após receberem a homenagem - Raoni N. Dias/ Justiça Global

Não é novidade que modelo de produção de energia através da construção de grandes usinas hidroelétricas deixa uma herança de destruição nas mais diversas esferas para a população local. Um dos casos emblemáticos, que ficou conhecido nacionalmente nos últimos anos, foi a luta das comunidades ribeirinhas do Rio Madeira, em Rondônia, contra a violência das empresas que se apropriaram de seu território para a construção de duas usinas: Santo Antônio e Jirau.

É nesse cenário que Lurdilane Gomes da Silva, mais conhecida como Ludma, e Iza Cristina Bello, apelidada de Índia, militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), se destacaram como resistência. Por conta do trabalho de enfrentamento dos interesses econômicos e políticos na luta por reparação de direitos, as duas receberam a Homenagem Maria do Espírito Santo Silva, pela valorização das defensoras de direitos humanos, promovida pela Justiça Global, na segunda-feira (12). Além delas, também foram homenageadas Djanira Krenak, Júlia Procópio, Sandra Quintela e Wilma Melo.

As obras para construção das usinas, entre 2008 e 2012, foram marcadas pelo desrespeito aos trabalhadores, que motivaram mais de 2 mil autuações do Ministério do Trabalho por violações à legislação trabalhista. Além disso, a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente constatou que houve aumento expressivo nos índices de violência no período, incluindo as ocorrências de estupro, que aumentaram em 208%.

Com a finalização das obras, a infraestrutura de contrapartida que deveria ser oferecida pelas empresas às comunidades locais se mostrou insuficiente.  Escolas e postos de saúde não atendem a demanda da população. As comunidades realocadas reclamam da piora na qualidade de vida: casas de má qualidade, longe de suas terras, onde plantavam e colhiam, e do rio, onde pescavam. Elas afirmam que a renda hoje é muito inferior ao que recebiam antes.

As histórias de Ludma e Índia se cruzaram nesse contexto. A família de Ludma, 41 anos, compunha uma comunidade ribeirinha de Mutum Paraná, distrito de Porto Velho. Em 2011, a comunidade foi removida, para que o local fosse submerso pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Jirau, e realocada em Nova Mutum Paraná.

A vila foi construída para reassentamento das famílias e tem capacidade para até seis mil habitantes. Até a finalização das obras abrigou funcionários e deveria ser revertida, em 2012, para habitação de outras famílias impactadas pela barragens. No entanto, as casas permaneceram desocupadas e algumas foram até comercializadas por uma empresa subcontratada pelo consórcio responsável pela Usina Hidrelétrica de Jirau.

Diante da precariedade em que se encontravam, um grupo de famílias atingidas se organizou e promoveu a ocupação das casas vazias em Nova Mutum Paraná, em 2014. Neste grupo estava Índia, 31 anos. Ela morava em Jaci Paraná, próximo ao reassentamento construído para comunidades atingidas pelo lago da Usina de Santo Antônio. O local, que já sofria com encharcamento do solo e contaminação da água para consumo humano, foi devastado por uma grave enchente que aconteceu em toda extensão do Rio Madeira, em 2014.

Nesse contexto de injustiças e adversidades, as duas compuseram a Comissão de Defesa da Ocupação. Em parceria com o Ministério Público do Estado de Rondônia, políticos locais e o MAB, elas travaram enfrentamento contra os consórcios controladores das usinas, em defesa dos direitos das famílias atingidas e passaram a ser ameaçadas e perseguidas.

O proprietário da Usina Hidroelétrica de Jirau é o consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), formado majoritariamente pela francesa GDF SUEZ, a japonesa Mitsui, as brasileiras Eletrosul e a Companhia Hidroelétrica do São Francisco. A construção ficou a cargo das construtoras Camargo Correa, Enesa Engenharia e J. Maclucelli.

Já a Usina Hidroelétrica de Santo Antônio pertence ao consórcio Santo Antônio Energia, formado pelas empresas Furnas Centrais Elétricas, Caixa FIP Amazônia Energia, Odebrecht Energia do Brasil, SAAG Investimentos e Cemig. A construção foi de responsabilidade da Odebrecht, Andrade Gutierrez e outras mais de 50 subcontratadas.

“Nós não tínhamos noção do que ia acontecer. Começamos a ficar muito visadas, começaram as ameaças. Passavam carros e motos perto de casa para nos xingar, jogavam pedra. Então, soubemos que estamos na lista de ameaçados de morte. Minha mãe adoeceu, ela não dorme mais. Eu não vivo mais. Isso está me sufocando”, explica Ludma, que está tentando, ao lado de Índia, ingressar no Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH), sem sucesso.

As ameaças foram sucedidas por uma trágica notícia: o desaparecimento de Nilce de Souza Magalhães, a Nicinha, companheira de luta de Ludma e Índia, liderança do MAB. Seu corpo foi encontrado seis meses depois, em junho deste ano, com as mãos e pés amarrados por uma corda e ligado a uma pedra. O crime permanece impune.

“Recebi uma ligação falando que a lista estava organizada. Em seguida, o pessoal na rua estava comentando que primeiro quem ia morrer era a Nicinha, porque era a mais bocuda, a segunda era eu e depois a Ludma. Pedimos proteção policial, mas não temos. Nesses tempos, um rapaz foi atingido por um tiro na frente da minha casa e os policiais apareceram por lá seis horas depois. Eles não estão a favor da gente”, acrescenta Índia.

A situação em que se encontram Ludma e Índia é parte do cenário de violação de direitos que avassala o estado de Rondônia. Em 2016, Rondônia teve o maior número de assassinatos de defensores de direitos humanos. Segundo levantamento do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, pelo menos 17 defensores foram mortos no estado, de janeiro a outubro deste ano. O número representa 30% das mortes do país. O comitê encaminhou pedido de ação urgente à Organização das Nações Unidas (ONU) para que intervenha junto ao Brasil contra os atentados.

“Não vou dizer que não tenho medo, todos nós temos medo da morte. Mas se for minha hora, vai ser. Eu não tenho vontade de remediar, tenho mais vontade de lutar. Depois da morte da Nicinha eu criei uma força dentro de mim, que nem eu mesma conhecia. Eu estou na luta, nós estamos na luta, vamos continuar. Vai valer a pena. Quero dizer para todo mundo: os nossos direitos estão sendo sumariamente violados. Essa realidade tem que mudar”, conclui Índia.

Edição: Vivian Virissimo

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