Educação

Professores que apoiaram ocupações de escolas são chamados a prestar esclarecimentos

“Tratam como se nós fôssemos criminosos, chefes de uma quadrilha”, descreve um dos acusados de participar do movimento

Paraná |
APP-Sindicato se reuniu com representantes do MP nesta quarta-feira (14) para pedir providências
APP-Sindicato se reuniu com representantes do MP nesta quarta-feira (14) para pedir providências - Fabiane Lourencetti Burmester

Pelo menos oito professores de colégios estaduais do Paraná foram convocados pelos Núcleos Regionais de Educação (NRE) para prestar esclarecimentos sobre sua participação no movimento de ocupação de escolas contra a reforma do ensino médio. Esta semana, a Defensoria Pública do Paraná enviou à Secretaria de Estado da Educação uma recomendação administrativa para que "eventuais servidores e professores que acompanharam estudantes secundaristas durante as ocupações não sejam penalizados disciplinarmente ou sofram represálias”.

Professor de Filosofia e Fundamentos do Trabalho no colégio estadual Prof. Francisco Lima da Silva, Péricles Ariza é um dos vários nomes citados nas denúncias anônimas encaminhadas à ouvidoria do NRE de Cascavel, no Oeste do estado. Como ele, outros dois professores da regional foram chamados a depor em horários diferentes, entre novembro e dezembro, sobre sua atuação no movimento de ocupações. “São denúncias contra um monte de gente. Eu fui acusado de incitar os alunos a ocupar a escola, manipular as assembleias, doutrinar os alunos”, descreve. “Sou tratado na denúncia como um dos chefes da organização que ocupou a escola, como se eu tivesse controle total sobre aquele grupo”.

Péricles Ariza se recusou a comparecer ao NRE de Cascavel porque desconhecia o conteúdo da acusação. “Sob a orientação de um advogado, eu decidi não entrar na ouvidoria do Núcleo. Depois, fizemos um requerimento via APP [Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná] pedindo o conteúdo das denúncias, e só aí é que tivemos acesso a elas”, lembra.

O colégio ficou ocupado durante uma semana e meia em outubro, e Péricles Ariza admite que foi à escola mais de uma vez naquele período. “Fui convidado a fazer uma fala na assembleia sobre a PEC [55]. Depois, voltei para me solidarizar com eles contra um grupo que queria desocupar a escola a força. Fui para ver se estava tudo bem”, justifica. “Mas as denúncias tratam como se nós fôssemos criminosos, chefes da 'quadrilha que ocupou o colégio'”.

Em Paranaguá, município do litoral paranaense a 90 km de Curitiba, cinco servidores públicos tiveram que prestar depoimento na ouvidoria do NRE na última sexta-feira (9). Três denúncias anônimas eram contra Ana Coutinho, professora de Sociologia no colégio estadual Alberto Gomes Veiga, que só pôde ler o conteúdo das acusações depois de responder a tudo que lhe foi perguntado.

As acusações

“Uma das denúncias dizia que eu e uma colega [Verônica Yurica Mouri] agíamos 'como se fôssemos diretoras da escola' no período das ocupações”, relata Ana Coutinho. “As provas (sic) eram prints da nossa conta no Facebook, notícias que a gente postava sobre as ocupações... coisas ridículas, como se a gente não pudesse ter opinião política”.

A segunda acusação, encaminhada à ouvidoria por um suposto estudante da escola, informava ao NRE que a professora “manipulava os alunos”, ameaçando inclusive tirar notas e reprovar aqueles que não participassem do movimento de ocupação da escola. Ana Coutinho afirma que há uma evidência de fraude nessa denúncia, porque "a pessoa disse à ouvidoria que era um aluno do segundo ano da manhã, e eu nem dou aula para essa turma".

A professora de Sociologia também foi acusada de participar de uma suposta reunião com o NRE, a Defensoria Pública e a direção da escola para tratar sobre os rumos da ocupação. “Essa reunião nunca aconteceu, e as três denúncias são histórias mentirosas, distorcidas”, critica.

Verônica Yurica Mouri, colega de Ana Coutinho que também foi chamada a depor, afirma que as denúncias atingem os estudantes, e não só os professores e funcionários da escola: "Não só nós somos tratadas como criminosas, mas os alunos que estavam nas ocupações também são. E isso é muito grave".

MP e Defensoria em alerta

O Centro Regional de Direitos Humanos (CDH) com sede em Cascavel, responsável pela assessoria jurídica das ocupações em outubro, acionou a Defensoria Pública do Paraná no início de dezembro para tomar providências sobre uma suposta “perseguição” aos professores. “Entrei em contato com a Camille [Vieira da Costa], do Núcleo de Cidadania da Defensoria Pública, informando o que estava acontecendo, e ela me falou que também já estava sabendo de algumas situações parecidas”, relembra Luciano Palagano, militante do CDH. “Eles [a Defensoria] estavam preparando na época um documento para ser entregue ao governo do estado com orientações no sentido de coibir essas perseguições”.

O documento, assinado pelos defensores públicos Ricardo Menezes da Silva e Camille Vieira da Costa, foi enviado na última segunda-feira (12) à Secretaria da Educação e recomenda ao Estado “que eventuais servidores e professores que acompanharam estuantes secundaristas durante as ocupações não sejam penalizados disciplinarmente ou sofram represálias apenas pela circunstância de terem manifestado apoio aos estudantes”.

Nesta quarta-feira (14), representantes da APP-Sindicato se reuniram com o procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Paraná (MP-PR), Ivonei Sfoggia, que se comprometeu a pautar uma reunião com o governo estadual para dialogar sobre o tema: “Se esse é o objetivo de todos, a nossa preocupação é de que não tenhamos rusgas e dificuldades nesse relacionamento”.

Papel das ouvidorias

A Chefe do NRE de Cascavel, Inês Dalavecchia, afirma que as ouvidorias apenas cumprem com sua obrigação ao convocar os professores para prestar esclarecimentos. “Sempre que chega uma denúncia na ouvidoria, anônima ou não, a gente tem o dever de chamar as pessoas se defender, para assegurar o direito ao contraditório”, argumenta. Quanto à reclamação de que os professores não são informados do conteúdo das acusações com antecedência, ela defende que o sigilo também faz parte da atividade da ouvidoria. “A pessoa é chamada justamente para tomar conhecimento da acusação. A gente só não fala antes porque acaba expondo demais, e é uma coisa sigilosa”, completa.

O assessor jurídico da ouvidoria do NRE de Paranaguá, Luis Carlos da Silva, disse que o setor não está autorizado a comentar ou divulgar qualquer informação pertinente a suas atividades.

Edição: ---