Repressão

Bombas, spray de pimenta e cavalaria: a votação do pacote do governo Sartori no RS

Deputados criticaram a repressão a servidores estaduais que protestaram contra pacote que extingue fundações

Sul 21 | Porto Alegre (RS) |
Galerias com acesso restrito a quem tinha senhas e plenário movimentado por articulações marcaram primeiro dia de votações de "pacotaço"
Galerias com acesso restrito a quem tinha senhas e plenário movimentado por articulações marcaram primeiro dia de votações de "pacotaço" - Vinicius Reis | Agência ALRS

O primeiro dia de votações do pacote de medidas apresentado pelo governo de José Ivo Sartori (PMDB) para conter a crise financeira do Estado teve dois cenários. Do lado de fora, a manifestação de servidores estaduais ligados às fundações que tem extinção prevista no pacote, dispersada com gás lacrimogêneo, spray de pimenta e Batalhão de Choque da Brigada Militar em vários momentos do dia. Do lado de dentro da Assembleia Legislativa, o Plenário movimentado com conversas entre bancadas e assessores e galerias de acesso restrito, com protestos de apoio e rejeição à proposta. Foram quatro sessões extraordinárias, a primeira iniciada às 14h e a última encerrada por volta das 3h30 da madrugada, para aprovar apenas três projetos.

A ideia inicial era de que pelo menos cinco itens fossem apreciados no primeiro dia de votação. No início da tarde, os deputados começaram a análise e o debate. Vários deputados se manifestaram na tribuna criticando o cerceamento de acesso ao público que quisesse assistir às sessões das galerias e à resposta dada pelo governo do Estado aos protestos que ocorriam do lado de fora.

O acesso restrito às galerias foi criticado até por deputados da base aliada. “É um absurdo, não tem porque não deixar o pessoal entrar. Inclusive o Santini deu essa sugestão à presidente fazer uma triagem das pessoas. Pegar nome, telefone, fotografia, já que pode ter algum problema de segurança, até para saber quem é quem. É a primeira vez que estou vivenciando, o primeiro mandato da minha vida, que as pessoas não podem entrar na Assembleia. Isso está fora do contexto de realidade que estamos vivendo hoje, de democracia plena”, declarou o deputado Luis Augusto Lara, do PTB.

Reestruturação

O primeiro de 27 itens previstos para votação esta semana, do pacote de medidas, demorou 8 horas para ser aprovada pelo Plenário. Depois de deputados da base e oposição se revezarem na tribuna, espichando o tempo de debate, o governo venceu com 36 votos a 17, favoráveis ao projeto de lei que prevê a reestruturação da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI). A demora na votação de uma das propostas aparentemente mais simples do pacote se deu graças a emendas anexadas à ela.

Aprovado o PL 249/2016, a AGDI – criada em 2011 – passa a se chamar Escritório de Desenvolvimento de Projetos – EDP, vinculado à Secretaria-Geral de Governo com funções e estrutura organizacional regidas por esta Lei e pelo seu Regulamento. Entre as competências do Escritório estarão “propor métodos e medidas (…) para execução de projetos de desenvolvimento e infraestrutura”, “auxiliar a elaboração e a implementação das políticas públicas de eficiência do Estado”, “apoiar a captação de recursos financeiros de instituições públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras, com o objetivo de viabilizar projetos de interesse do Estado do Rio Grande do Sul”.

A aprovação também extinguiu 12 funções da antiga AGDI – cinco cargos de diretor adjunto, um de coordenador de assessoria e seis funções gratificadas de coordenador de unidade – além de duas diretorias. Segundo o governo, a reformulação e redução de salários – que agora terão teto de R$ 8 mil – pode representar uma economia de 35% nos gastos relacionados ao órgão.

Um dos deputados a defender o PL, Sérgio Turra (PP), disse que ele ia de encontro a “desburocratização do Estado”. Já Manuela D’Ávila (PCdoB), um dos votos contra, afirmou na tribuna que o projeto “tem muitas das contradições do governo Sartori, que quer diminuir despesas, sem olhar para a receita”. “A economia de um estado não é um arremate, que tira dali e coloca aqui. Projeto feito de última hora é a cara desse governo”, criticou a deputada.

Para Gabriel Souza (PMDB), líder do governo Sartori na Assembleia, o alongamento da discussão já no primeiro item, não foi uma surpresa. “Tática da oposição, especialmente do PT, de discursar na tribuna, usando todo espaço para isso. O que é comumente usado pelas oposições. A gente já sabia que isso ia acontecer, estamos preparados para ficar aqui até o último minuto que for necessário”, declarou.

Durante a madrugada, Pedro Ruas (PSOL) disse que a votação arrastada era culpa do próprio governo. “Projetos foram mal elaborados e parece que não foram debatidos dentro do próprio Executivo”, afirmou na tribuna.

Termômetro de votação

Souza também afirmou que o termômetro deste primeiro dia de votação é “favorável ao governo”. “Nós entendemos que vamos aprovar as medidas”, disse no final da noite de segunda. Perguntado se isto também vale para partidos que ainda não parecem ter fechado posicionamento, como o PTB e PDT, duas bancadas que vivem um racha interno, Souza respondeu: “Às vezes não define publicamente, mas nos bastidores já sabemos da decisão”.

Assim como no PDT, que segundo o deputado Marlon Santos, apesar da divisão interna, não quer “obstaculizar” o pacote de medidas do governo e sinaliza apoio a maioria das medidas, o PTB também se encaminha para um apoio com reservas. O deputado Luis Augusto Lara (PTB) disse que há projetos em que a bancada deve votar de “forma coesa” contrariamente, como questões que afetam os direitos de servidores – entre eles a proposta de parcelamento do 13º e a retirada da data base de pagamentos.

Segundo Lara, o partido ainda se colocará contra a retirada da obrigatoriedade de plebiscito para aprovação de privatizações – que coloca na linha de tiro, venda da Sulgás, CRM e CEEE – e que deve liberar a bancada na questão das fundações. “Nas fundações, não houve acordo nos projetos, mas houve acordo numa emenda em que todos assinaram, em que, passando a extinção da fundação, sobrando algum recurso com essa extinção, que esse recurso seja aplicado em investimentos nos hospitais e na segurança pública, como chamamento de novos servidores”, afirmou a jornalistas.

O deputado Pedro Ruas apresentou uma manifestação sua ao diretório estadual do PSOL, onde explicava sua mudança de posição. A princípio, Ruas votaria contra o pacote, com exceção da PEC 260, projeto que prevê mudanças nas regras dos repasses do duodécimo dos poderes. A medida prevê que os repasses a estes poderes será proporcional aos valores arrecadados pelo governo e não às dotações orçamentárias previstas pelos poderes.

Porém, segundo ele, dois “fatos novos” o fizeram mudar de posição e ir contra o pacote integralmente. “Esse tipo de posicionamento do governo pró-violência vai ter sempre o meu repúdio. Um governo que permite que isso ocorra, não é um governo confiável do meu ponto de vista, com todo o respeito”.

“A falta total de informações e a violência absurda, desproporcional, completamente sem sentido”. A nova posição de Ruas, de acordo com o texto encaminhado por ele ao seu partido, também foi motivada pelo fato de que o governo “vai manter os privilégios dos membros dos Poderes que o projeto refere”. “Nós questionamos a questão de auxílio moradia e todas essas questões que estes Poderes têm”, explicou ele.

Na madrugada, mais dois projetos

O ritmo das votações acelerou durante a madrugada, mas não muito. O segundo projeto a ser apreciado foi o PL 247, que previa a redução das atuais 29 secretarias de Estado para 17. A medida recebeu 38 votos a favor e 14 contrários, foi criticada apenas por deputados do núcleo duro da oposição (PT, PCdoB e PSOL) e pela pedetista Juliana Brizola. Estes parlamentares criticaram principalmente a extinção da Secretaria da Cultura e a não extinção de cargos em comissão.

Por fim, ainda houve tempo para aprovar, por uma rara unanimidade, o PL 274, que revisa as regras para a cedência de servidores da Segurança Pública a municípios.

A votação foi encerrada por volta das 3h30, com a presidente da Casa, deputada Silvana Covatti (PP), convocando uma reunião de líderes a ser realizada a partir das 13h desta terça para definir pauta e a ordem de votações da sessão plenária de hoje, marcada para às 14h.

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