Protestos de rua

Distrito Federal terá comissão para tratar da ação das polícias durante manifestações

Decisão resulta de articulação de parlamentares e movimentos populares contra repressão policial

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Comissão para tratar de protocolos policiais durante protestos de rua será formada por governo, parlamentares e entidades
Comissão para tratar de protocolos policiais durante protestos de rua será formada por governo, parlamentares e entidades - Tony Winston/Agência Brasília

O Distrito Federal (DF) terá, a partir de janeiro, uma comissão para tratar da ação das forças de segurança durante a realização de protestos de rua. A decisão foi tomada na tarde desta quarta-feira (21), após reunião de deputados federais e diversas entidades com o governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB).

O encontro se deu após notificações feitas pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal e também por diversas lideranças e entidades da sociedade civil organizada, que oficiaram o governo para tratar da conduta policial durante as manifestações na Esplanada dos Ministérios, nos arredores do Congresso Nacional.

A provocação se deu especialmente após a repressão policial aos atos contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55 nos dias 29 de novembro e 13 de dezembro. Nas duas ocasiões, as entidades se queixaram da conduta da polícia, que fez uso excessivo de bombas, balas de borracha e spray de pimenta contra os manifestantes.

No dia 13, por exemplo, quando a PEC passou por votação final no Senado, os militantes não conseguiram acessar a Esplanada, que esteve interditada durante todo o dia. O protesto terminou com diversos participantes feridos e 88 pessoas detidas pela polícia, segundo o último balanço divulgado.  

Desde então, um grupo de deputados, senadores e representantes de movimentos populares vem intensificando as tentativas de diálogo com a Secretaria de Segurança Pública e Paz Social do DF, o comando da polícia e o governador para tratar da conduta das forças de segurança.

Durante o encontro desta quarta (21), ficou definido que a comissão a ser criada terá representantes do governo e das entidades, devendo se reunir pela primeira vez no dia 16 de janeiro para definir procedimentos para as próximas manifestações de rua.  

“Foi uma reunião importante porque pudemos tratar diretamente com o governo e a cúpula da polícia. (...) Ficou muito claro pro governador que ocorreu violência contra a população, mas, evidentemente, existe um posicionamento corporativista da parte da PM [Polícia Militar] de querer fechar os olhos pro que aconteceu. Mas quanto mais a gente denunciar, mais os órgãos de segurança vão ser obrigados a recuar desse posicionamento de utilizar a PM para reprimir os movimentos populares”, afirmou o líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara, deputado Carlos Zarattini (SP), em entrevista ao Brasil de Fato.

A comissão deverá se reunir periodicamente com a Secretaria de Segurança Pública do DF não só para definir os protocolos de ação, mas também para avaliar posteriormente a aplicação dos acordos firmados entre as partes.   

Pautas

Durante o encontro, o grupo debateu, entre outros pontos, questões ligadas ao acesso à Esplanada e ao enquadramento de manifestantes na Lei de Segurança Nacional e na Lei de Organizações Criminosas.

Também foi colocado em discussão o tratamento dispensado aos grupos dos protestos em contraposição à conduta da polícia em relação a pessoas supostamente infiltradas que teriam agido com excessos durante os atos de rua.

“Aqueles que se infiltraram na manifestação para causar violência não foram em nenhum momento atingidos por qualquer ação da polícia, mas os manifestantes contra a PEC 55 sofreram dura repressão”, comparou Zarattini.

A deputada Erika Kokay (PT-DF), que participou da reunião como representante da mesa diretora da CDHM, ressaltou que haveria uma tentativa de enquadrar todos os manifestantes a partir de ocorrências de caráter mais pontual.

“Não se pode, a partir da ação de vândalos, justificar o impedimento de toda uma manifestação, porque ela não deixa de ser pacífica só porque dentro dela há pessoas que agem de forma contrária. O governo não pode invisibilizar a violência policial nem justificar as violações de direito por conta dessa ação de vândalos, da mesma forma que não pode nos atribuir o raciocínio doloso de defender vândalos só porque queremos assegurar o direito à manifestação”, disse Kokay.

Livre expressão

O direito à liberdade de expressão tem sido o ponto fundamental do discurso dos segmentos populares que criticam os excessos policiais. “A base central dos direitos humanos é o direito de expressar a indignação contra qualquer ordem opressora. (...) Não adianta você garantir o direito à vida abstratamente, por exemplo, sem garantir ao sujeito o direito de resistir, de lutar e de se expressar quando sua vida não está sendo tratada com dignidade”, explica o advogado Humberto Goes, da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap).

Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), essa garantia estaria em xeque em meio à atual crise político-econômica do país.

 “Nós temos visto uma repressão injustificável aos manifestantes populares. Por isso, [fizemos] esse esforço de juntar várias entidades pra questionar isso e reivindicar do governo do DF e dos demais governos a liberdade de manifestação e o não uso da violência policial. E é evidente que o país vai entrar num caos muito grande em 2017 por conta das medidas do governo. Então, as mobilizações vão aumentar, e elas precisam de liberdade”, disse o engenheiro florestal Luiz Zarref, da coordenação do MST.

A Arquidiocese de Brasília também tem manifestado preocupação com a repressão policial durante os protestos, especialmente com relação ao direito de expressão dos estudantes secundaristas.

“Eles são jovens que estão se projetando como futuras lideranças, e não achamos justo que recebam esse tratamento, inclusive por conta do risco de isso inviabilizar a participação deles em manifestações no futuro por conta de traumas com essas ocorrências”, disse José Carlos Soares Pinto, da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese.

O governo

Durante a reunião com deputados e entidades, o governador do DF disse não concordar com atos abusivos por parte de agentes de segurança. “Temos um problema a ser resolvido. Assim que soube de casos de abuso, pedi ao comandante Nunes [comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal, Marcos Antônio Nunes] que fossem apurados”, informou Rollemberg, em referência ao ato do último dia 13.

O chefe do Executivo afirmou ainda que respeita o direito de manifestação dos grupos populares. “Nosso governo nunca foi e nunca será contra manifestações, mas somos contra qualquer tipo de violência. Vamos identificar as pessoas que a praticam, tanto entre os manifestantes quanto entre os policiais”, garantiu.

Edição: Camila Rodrigues da Silva

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