Entrevista

Samuel Pinheiro: A Lava Jato “é uma operação do PSDB”

Lava jato, conjuntura atual, crise na gestão Temer estão entre os temas abordados na entrevista

Esquerda Diário |
Com longa trajetória no Itamaraty, Pinheiro foi vice-chanceler no governo Lula e ministro de Assuntos Estratégicos no mesmo governo
Com longa trajetória no Itamaraty, Pinheiro foi vice-chanceler no governo Lula e ministro de Assuntos Estratégicos no mesmo governo - Divulgação

O Esquerda Diário esteve em Brasília com o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. O diplomata, com longa trajetória no Itamaraty, foi vice-chanceler no governo Lula e ministro da pasta de Assuntos Estratégicos durante o mesmo governo. Conversamos com ele sobre diversos assuntos, sobre a Lava Jato, sobre a conjuntura atual e a crise no governo Temer, sobre o balanço de mais de uma década dos governos ditos pós-neoliberais e sobre os impactos que a eleição de Trump pode ter em nosso país.

Controverso e de frases enfáticas, como ficou conhecido em diversas ocasiões de sua longa vida pública. Nessa entrevista também houve muitas passagens, que destoam de diversas posições desse Esquerda Diário, como se esperaria na avaliação dos governos Lula e Dilma. Diferente das análises do Esquerda Diário e de parte daqueles que se opuseram ao impeachment, afirma uma continuidade das pressões golpistas desde a posse de Lula.

Sobre a Lava Jato, foi categórico não somente em afirmar que os processos serão anulados, como vaticinou que os membros do governo Temer sairão impunes, como ele já vê acontecendo com Eduardo Cunha. Para ele, a Lava Jato é uma operação dirigida pelo PSDB. Diferente de outros analistas ou do que afirmam os próprios procuradores, "messiânicos" em suas palavras, não abriu hipóteses sobre um avanço sobre mais partidos do regime e para uma versão brasileira da "Mãos Limpas" tão reivindicada por Sérgio Moro. Um dos limites para tal hipótese, pontuada por muitos analistas e bem enfatizada nessa entrevista, é a funcionalidade destes "funcionários" neoliberais, nas palavras que ele utilizou, e em particular do PSDB. Sobre esse partido, remarcou como FHC seria o ideólogo das forças conservadoras e que após suas declarações em prol de eleições diretas os editoriais dos jornais já estariam mudando para deixar de apoiar Temer.

Sobre as polêmicas envolvendo a disputa de poderes entre legislativo e judiciário foi categórico no elogio ao projeto de Lei de Abuso de Poder, negando que ele combine um combate aos abusos do judiciário com tentativas de obter impunidade, e, mais uma vez controverso, teceu elogios até mesmo a Gilmar Mendes por sua crítica à recente medida de Fux que determina o retorno das Dez Medidas do MPF à Câmara.

Debatendo lições sobre a década de governos ditos pós-neoliberais, diferente de diversas leituras que têm surgido até mesmo no seio do PT, foi categórico na defesa das alianças e das "tentativas" feitas, ressaltando as mudanças no crédito, no consumo entre outros aspectos, evitando questionamentos que foram feitos quanto às continuidades estruturais, em particular na economia e na dependência das commodities. Essa questão, diferente de tantas respostas mais lapidares do embaixador, abre debates em toda a esquerda sobre que tipo de programa e organização construir em meio ao balanço do impeachment e da década petista, o que ela deixou, que saldos tirar das alianças e outros aspectos enfaticamente defendidos pelo entrevistado.

No final da entrevista, destoou de muitas análises de seu próprio campo político, afirmando que o lugar do Brasil para os EUA teria importância somente no âmbito da América do Sul e minimizou os impactos da eleição de Trump em nosso país, pois para ele o comércio e as relações são tradicionais. Para ele, o governo americano só entra em assuntos de grandes contratos de Estado, e, mais com o governo Temer fazendo tudo que Trump gostaria, não haveria motivo para interferir para melhorar as relações.

Leia a entrevista na íntegra:

Leandro Lanfredi: Como você avalia o papel do judiciário, da Lava Jato em particular, já que existem muitos analistas que apontam a semelhança com o golpe paraguaio, como justificativa do golpe, e os próprios procuradores, o Sérgio Moro comparam mais com a “Mãos Limpas”, que seriam mudanças mais profundas que um “golpe paraguaio”, como você avalia o papel do judiciário e essas duas considerações?

Samuel Pinheiro: Bem, eu acho desde que o presidente Lula tomou posse começou uma campanha de desestabilização, cuja primeira operação foi a chamada AP 470, o chamado mensalão, onde tentaram ali criminalizar as pessoas; criminalizar o próprio presidente e ele reagiu politicamente, e ele sobreviveu, e atingiu "apenas" 87% de popularidade no último dia de mandato. Aparentemente [isso] refletiria satisfação do povo com o governo e sua gestão. Essa campanha prosseguiu de uma forma mais leve até que surgem os processos da Lava Jato, eles têm um objetivo político.

O objetivo político não é a luta contra a corrupção, é a luta contra a esquerda. Tanto é que a maior parte dos envolvidos nesses processos eram de outros partidos que não o PT. Aí foi um conluio da imprensa com a Lava Jato, com a Lava Jato usando a imprensa e a imprensa usando a Lava Jato para sua campanha política tradicionalmente conservadora. Então, os vazamentos seletivos... e o judiciário em geral foi conivente, porque a delação premiada é um criminoso confesso que se oferece para delatar outras pessoas, tanto menor será sua pena quanto mais revelações ele fizer e, inclusive, se ele percebe que há um viés político se ele acusar determinadas pessoas como houve. Tanto é que o vazamento é seletivo e programado, cronometrado, na semana, no último dia da eleição municipal em São Paulo, prenderam Antônio Palocci. Isso é extremamente grave porque houve um conluio do judiciário.

O judiciário a que me refiro é o Supremo [Tribunal Federal], porque qualquer ministro do Supremo poderia ter disciplinado e é o que deveria ter feito o juiz Sérgio Moro e os procuradores, para garantir o sigilo. Porque no final os processos serão anulados. Porque eles são tão irregulares, como disse o presidente Temer, os vazamentos permitem a anulação dos processos das delações. É uma operação política. Aliás, é preciso notar, outro dia vi um pôster da época do nazismo, uma mão de ferro com uma suástica esmurrando a corrupção, a campanha da direita é sempre essa. Olhar os mais corruptos, eles são os mais corruptos.

Tem uma coisa interessante, é minha opinião, posso estar enganado, [mas] ninguém vai abandonar seus funcionários. Ninguém vai abandonar esses que estão implementando esse programa, simplesmente abandoná-los, inclusive porque eles sabem muita coisa. Então, vão salvá-los. Eduardo Cunha está sendo salvo. Você pode observar que o nome dele não aparece mais na imprensa, esse é o primeiro passo.

O nome desaparece da imprensa, com o tempo a população vai esquecendo e ele eventualmente será libertado. Ele cumpriu uma função fundamental para as classes hegemônicas que era encaminhar e promover o impeachment da Dilma que era o primeiro passo, para ocupar o poder e implementar um programa que ela estava resistindo...um pouco, pouco né...mas estava resistindo e não era de confiança e já tinha cometido pecados, por exemplo reduzido os juros. Redução de juros não é permitido. É como o aluno que ofende o professor e estuda e no dia seguinte responde bem a arguição, mas ele ofendeu o professor, ele será colocado de castigo.

Como você avalia o porquê agora a operação tem levantado mais suspeitas sobre membros do governo golpista?

Samuel Pinheiro: Porque a operação lá no fundo não é do Temer. O Temer assumiu, o PMDB assumiu porque ele era o vice-presidente. Isso é uma operação do PSDB.

Mas também aparecem membros do PSDB ainda que a mídia mostre menos...

Samuel Pinheiro: Menos? Muito menos, não é "menos" não. Olha há um helicóptero com 400 kg de cocaína que foi apreendido pela Polícia Federal e nada ocorreu. É preciso lembrar o seguinte, a mídia não é um poder independente. Ela é um instrumento da classe hegemônica. Os donos da mídia fazem parte da classe hegemônica. Eles não são pessoas que estão ali e de vez em quando dizem algumas coisas e está tudo combinado. O editorial de hoje [15/12] do Estado de São Paulo ele diz que Temer demita Padilha e Moreira Franco. É o fim do governo. Não pedem ainda para Temer renunciar, mas pedem para demitir. Editorial do Estado de São Paulo, segue uma certa partitura, não é nada por acaso. Tem ali certos procuradores que são pessoas messiânicas, que estão convencidas que vão salvar a sociedade na luta contra a corrupção.

Muitos desses procuradores “messiânicos” têm ligações com o imperialismo, seja por vias de treinamentos seja por atacar interesses nacionais. Como você avalia isso relacionando com o papel do judiciário em outros golpes. Seria uma reconfiguração do chamado soft power?

Samuel Pinheiro: É uma nova modalidade de golpe. Ela segue em curso. Há um livro, que sem ser muito interessante, da Ditadura à Democracia, de um professor Gene [Sharp] que é distribuído pela CIA pelo mundo. Então você chega e começa a organizar ONGs, começa a insuflar manifestações de rua. Há sempre alguma insatisfação. Levanta certas bandeiras, aparenta ser apolítico. É claro que não é apolítico, mas faz questão de aparentar que são apolíticos, uma luta contra a corrupção, pela saúde, pela educação. Isso é orquestrado, há ali uma certa estratégia. Uma estratégia que visa recuperar o poder. Do Brasil, de outros países da América do Sul, da América Latina você tem classes hegemônicas extremamente ricas, que controlam esses países, esses sistemas econômicos que são processos de extorsão de riqueza da maioria da população inclusive para mandar para fora.

O Brasil tem 500 bilhões de dólares em paraísos fiscais, o segundo país do mundo em termos de depósitos em paraísos fiscais. Você extorque a população com a taxa de juros, isso beneficia as empresas estrangeiras, você compra aqui um automóvel caríssimo. Eles querem o poder para implementação de um programa neoliberal... de Castelo Branco, Roberto Campos. Um programa neoliberal pró-americano mesmo. Cuja primeira medida foi revogar a lei de remessas de lucros, um governo alinhado, completamente alinhado. Aí o que acontece. Ele sai, os outros militares não seguiram a mesma política. Aí começaram os atritos com os Estados Unidos. Política nuclear, de informática, aumento de empresas estatais, papel do Estado. A estratégia americana é levada a derrubar esses governos. É parte de um processo internacional, fim da União Soviética, que ajudou isso. Aí eles são substituídos...O governo Sarney não! Sarney era um governo nacionalista, manteve a política nuclear, a política de informática. Por isso ele é odiado pela imprensa. Não é por causa do Maranhão, ninguém está se incomodando com o destino do Maranhão na imprensa, assim como ninguém está se incomodando com o destino do Piauí que talvez não seja muito melhor que o Maranhão, ou com o destino de Alagoas, ou de outros lugares. Aí foi a forma de atingir o Sarney porque ele contrariou interesses internacionais, dos Estados Unidos.

Aí vem a eleição de Fernando Collor que faz o programa do consenso de Washington, direitinho. Mas, ambicioso. É derrubado. Aí vem Itamar Franco, um pequeno interregno nacionalista por isso ele era ridicularizado pela imprensa.

Mas ele também fez bastante privatizações...

Samuel Pinheiro: Mas nem tanto quanto Fernando Henrique ou quanto Collor. Ele regulamentou o processo de privatizações para não usar moeda podre, foi medida provisória dele. Ele interferiu. Quero lhe lembrar que ele em Minas Gerais, como governador, ele impediu as privatizações de empresas de energia elétrica. Ele dizia que o governo federal só entrava lá com Forças Armadas. Por isso que ele era ridicularizado pela imprensa. Como não tinha o que, ridicularizam o topete dele, o fusca, e a namorada que inventaram, uma mulher paga. Algo montado, estavam todos fotógrafos ali embaixo. A mídia começa assim "deve ser comunista", aí "se não for comunista deve ser nacionalista", "não é comunista nem nacionalista então vamos ver se ele é corrupto ou se algum parente dele é corrupto", se não der..."é maluco".

Aí o que você tem: governos neoliberais. Fernando Henrique, um fracasso total. A economia de lá pra cá estagnou, só se recuperou com Lula, com grandes dificuldades. Tanto é que perdeu as eleições, a popularidade dele era menor que a do Temer, sei lá um, um troço muito baixo no final do governo. Aí vem o que, um governo democrata que aos poucos começa a enfrentar certas questões. Aí eles montam Instituto Millenium para organizar a imprensa, a Casa das Garças, a moda agora é um instituto INSPER não se fala mais de FGV, está fora de moda. Algo extremamente conservador. Eles vão manobrando isso. Aí vem a Lava Jato. Um artigo escrito pelo juiz Moro que prega a ilegalidade. Ele prega a agitação pública contra as pessoas, isso é um crime. O cara não pode insuflar a população contra uma pessoa, mesmo que ela tenha sido condenada. Vamos supor que o cara cometeu um crime hediondo, matou a esposa os filhos, você não poder ir a imprensa insuflar a população: aí termina a sentença, sai na rua e é morto.

E não é nem depois da condenação...

Samuel Pinheiro: Ele propõe para condenar. Para os deletados, para pressionar a justiça a condenar. Como fizeram os procuradores quando vieram ao Congresso, conseguiram uma sentença de um juiz, Fux. Uma sentença que do ponto de vista jurídico é absurda. Totalmente absurda. O que importa é que a ação dele é combinada com o judiciário, combinada com as classes mais conservadoras, portanto ela é contra a esquerda. E ao mesmo tempo ela vai ser anulada. Quando conseguirem seus objetivos.

Mas temos uma contradição, ao mesmo tempo que temos evidentes forças conservadoras e abusos do judiciário, temos elementos de conseguir a impunidade...

Samuel Pinheiro: Não. A lei de abuso. O projeto de lei relatada pelo Senador Requião é muito correto. Os juízes não podem estar acima da lei. Não podem cometer abusos. Eles não podem ter medo de juízes. Você é julgado por juiz, eu sou julgado por juiz. E eles não podem ser julgados por juízes, que são da mesma corporação. Nem deveriam ser julgados por juízes, deveriam ser julgados por pessoas de fora. Eles estão espantados de poderem ser julgados, eles querem dizer como se fosse uma tentativa de escapar. Não é. Basta ler o projeto, o relatório de Requião. Não é para escapar. Inclusive porque pode nem retroagir. Eles queriam acabar com o habeas corpus, que não pudesse ter emendas, que fosse aprovado tal como eles relataram. Como disse hoje Gilmar Mendes em sua sabedoria respondendo a Fux, tem que fechar o Congresso e entregar a chave para o Dallagnol. O judiciário está atuando assim, não é nem um erro de interpretação. Um projeto de lei pode sofrer emendas.

É um golpe que está envolvido o judiciário em todas suas instâncias, a imprensa, as associações de classes, a FIESP, agora vão pagar o pato. Estão bem calados.

Vemos uma série de arbitrariedades em como julgam as coisas. O próprio Renan eles indicavam um caminho, aí depois toda uma pressão inclusive da própria mídia, que deveria manter o Renan para garantir a PEC em votação relâmpago, aí alteram a interpretação da mesma Constituição, para quem sabe daqui a uma semana cumprido esse serviço desinterpretar...

Samuel Pinheiro: Claro. Não se preocupe com isso. Tanto é que o Marco Aurélio deu uma decisão que está errada. Está errada por duas razões. Primeiro que o Renan não é Presidente da República, está na linha sucessória. É como a Ficha Limpa, uma bobagem. Porque criminaliza os movimentos sociais, porque eles nunca são condenados. Veja o banqueiro André Esteves, com uma fortuna extraordinária, apareceu e desapareceu.

Mas ali também tinha a intenção de quebrar uma empresa que podia concorrer com os monopólios...

Samuel Pinheiro: Claro. Ali foi uma lição, menos. Você tem vários conflitos, PMDB contra PSDB, DEM...Ronaldo Caiado pediu anteontem eleições diretas. Fernando Henrique é o grande ideólogo das forças conservadoras.

Não é Alckmin, um ideólogo, não é Aécio, o ideólogo. É um estrategista. Ele vem dizendo que é favor das eleições diretas. Ele acenou, daí a mudanças dos editoriais dos jornais, nós estamos mudando para cá. Não precisa apoiar o Temer. Mas tem que ir devagar, porque senão não fica bem, não fica elegante. Porque é preciso ver quem é o sucessor que coloca no lugar do Temer.

Aproveitando o gancho que estávamos falando do André Esteves, houve mudanças com os governos que chamamos de pós-neoliberais, que outros chamam de progressistas, desde os que prometiam implementar o socialismo como o Chávez e outros com outras características, mas em todos eles, apesar das diferenças entre esses países, pouco mudou na estrutura econômica, são ainda países de estrutura mais primária, dependentes de commodities. O que fica dessa experiência dessa década de governos pós-neoliberais, que lições tiramos para enfrentar o novo cenário?

Samuel Pinheiro: Não posso falar muito de outros países. Eu acho muito importante os programas de inclusão social. Até por uma razão econômica. Os economistas conversam disso, temos três fatores de produção: capital, trabalho e recursos naturais. O trabalho é a mão de obra, se você não tem uma mão de obra com saúde, com educação, com habitação decente, essa mão de obra não pode ser produtiva, ela fica ali estagnada naquele nível baixíssimo de consumo. Se você ver o Correio Braziliense de hoje você vai ver a diferença entre o nível de renda entre o Sudoeste, que é o lugar mais rico de Brasília, e sei lá a Estrutural, você vai ver uma moça que ela, pai, os irmãos, todo mundo junto ganha quinhentos reais. Você tem que organizar a mão de obra. Então, eu acho que foi feito um esforço grande nesse sentido. Um número muito grande de escolas técnicas foi criada, mais que em toda a história do Brasil. Os outros países não conheço em detalhe. Um grande esforço na área de saúde, aumento na expectativa de vida, saúde bucal, e assim por diante. Precisa organizar a força de trabalho.

Você precisa investir, emprego. A ideia do projeto, que eu pessoalmente tinha certas dúvidas. Você incentiva o consumo, faz transferência de renda para os mais pobres, aí os mais pobres vão consumir e isso incentiva o consumo. Por exemplo, o Luz para Todos, você tinha que chegar com luz para comprar um rádio, uma geladeira, isso incentivaria a indústria. E incentivou mesmo. Mas você talvez precisaria ter um esforço maior de investimento.

Observando a fotografia de vários anos houve uma mudança no consumo, no acesso ao crédito, mas olhando do ponto de vista estrutural...

Samuel Pinheiro: Quando Lula assumiu não tinha nem dez senadores, cinquenta deputados, podia sofrer impeachment a qualquer momento. Tamanha a animosidade contra ele. Uma enorme dor de cabeça. A presidenta Dilma estaria hoje no poder se tivesse notado que o presidente da Câmara dos Deputados poderia iniciar um processo de impeachment contra ela. Se tivesse seguido a constituição, o regimento da Câmara. Veja o processo de impeachment, nós não somos hegemônicos, a esquerda não é hegemônica. Elegemos um presidente, mas o Congresso não. Hoje a direita tem 400 deputados e nós temos 98, por aí. E na época do presidente Lula era a mesma coisa. Então a ideia de que se pode governar sem fazer aliança com ninguém, na base do purismo, etc. Você pode fazer isso, mas vai ser impedido, rapidamente. É só uma ilusão que se cria, que se abandonou os princípios, que foi fazer aliança com certos partidos. Não tivesse feito, teria sido impedido, ou não passaria lei nenhuma, manda projeto de lei não passa nada.

O que eu estava questionando na pergunta era do ponto de vista da economia, do ponto de vista da relação com o imperialismo...

Samuel Pinheiro: Desde que o presidente aproximou-se da Venezuela e da Argentina, criou um eixo político importante. Apoiou o presidente Evo Morales. Construiu na América do Sul um espaço político importante de apoio aos regimes, que são, digamos de esquerda. Não é brincadeira não, meu caro, isso foi combatido dia e noite pela imprensa, quer eram regimes bolivarianos, subversivos, o diabo a quatro, se aproximou da China, da Índia.

Esses governos combinaram duas coisas, houve evidentemente mudanças na política externa, mudanças no crédito, consumo como você remarcou, mas do ponto de vista da economia, estrutural permaneceu muita coisa. Tendo permanecido é muito mais fácil para os golpistas rebobinarem a fita?

Samuel Pinheiro: Temos que ver o objetivo. O objetivo do presidente Lula era outro. Veja a lei de conteúdo nacional. Recuperação total da indústria naval no Rio. Chegou a ter 80 mil [empregados] hoje está com dois mil. Acabaram com tudo. Os projetos das ferrovias, para integrar o mercado interno. A Leste-Oeste, a Trans-nordestina. A transposição do São Francisco, está praticamente pronta, mas eles não terminam. Você tem tentativas. Não estou dizendo que é tudo perfeito. Por exemplo em relação à indústria houve equívoco, por exemplo a política cambial. Porque ali é um reduto do Ministério da Fazenda, do Banco Central, algo muito fechado, muito difícil. Mas você teve a política de aumento do salário mínimo. Mas eles vão ter dificuldade de voltar atrás, você vai acabar com o Bolsa Família?

Mas com aposentadoria pode...

Samuel Pinheiro: Isso nós vamos tentar impedir.

Agora, mudando um pouco de assunto, mas relacionado, como você avalia a eleição de Trump e as mudanças possíveis na geopolítica mundial, na América Latina, no Brasil. Como entra o fator Trump para pensar a conjuntura no Brasil que está passando por essa crise econômica e política?

Samuel Pinheiro: O Brasil é muito importante para a estratégia americana no âmbito da América do Sul, mas não no âmbito mundial.

Podemos numerar vinte países importantes para os Estados Unidos e não aparece o Brasil. Podemos enumerar alguns: a China, o México, o Canadá, a Alemanha, a Rússia, a Índia, o Paquistão, o Japão, a França, a Inglaterra, se você procurar tem mais, Israel que é o país mais importante para os Estados Unidos. É claro que o Brasil aparece mais que o Peru, mas talvez não mais que a Colômbia que é um ponto de operações muito importantes, por causa das bases estratégicas, relações históricas com o governo colombiano. Então não é muito importante, as pessoas ficam agoniadas porque querem entregar alguma coisa.

O programa do governo interino é esse: conquistar a confiança dos investidores. A frase que eles não dizem, é que esses investidores são estrangeiros. Faremos tudo para conquistar a confiança dos estrangeiros. Para eles investirem aqui. Todo o programa do governo é isso, esse programa da PPI, o Moreira Franco, essas modificações na legislação, tudo tem esse objetivo. Tudo. Eles contam isso. Mas as relações dos Estados com o Brasil são relações tradicionais, comércio muito intenso. Na área financeira eles tem toda a liberdade, entram quando querem, saem à vontade, aplicam nessa taxa de juros, pegam dinheiro a zero por cento e aplicam aqui a quatorze.

Hoje mudou um pouquinho eles subiram lá [a taxa de juros nos EUA]...

Samuel Pinheiro: Pois é, mas digamos o que eles pagam...Tanto é que a PEC [55], é a PEC dos ricos, não tem nada para os pobres. Ela é favor dos ricos. Ao mesmo tempo que os pobres... Vão privatizar a previdência. Criar necessidade das pessoas de previdência complementar, eles vão acabar de privatizar tudo. Não é só a Petrobras. Eles agora estão privatizando os parques nacionais. A expectativa deles é essa.

Então o Trump, digamos o Trump não incide sobre a vontade das empresas de investir no Brasil, elas não vão [deixar de] investir porque ele fala que não é para investir. Vamos supor que um grande investidor, uma grande empresa multinacional que produz isso aqui [um objeto na mesa], aí ele estuda o mercado brasileiro, vai investir ou não, se achar que o mercado está em quebra.

Então, o governo americano entra nas grandes jogadas, nos grandes contratos de Estado tipo Sivam [Sistema de Vigilância da Amazônia], tipo submarino nuclear, tipo venda de aeronaves, de resto os capitais, o comércio não é diretamente influenciado pelo governo americano.

Nem eles tem condições de dar melhores condições de acesso aos produtos agrícolas como as pessoas pensam. Eles são grandes produtores de soja, grandes produtores de trigo, grande produtor de carne, eles protegem seu mercado. É isso, como o governo aqui só faz o que eles querem. Não há necessidade Trump intervir para melhorar as relações, o governo já está fazendo o que eles querem.

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