Sistema Penitenciário

Lei de drogas é uma das causas da crise em prisões, diz HRW

Em relatório, ONG Human Rights Watch afirma que atual legislação é retrógrada: 'o sistema todo é uma bomba-relógio'

Opera Mundi/ Deutsche Welle |
Detentos protestam contra superlotação em presídio
Detentos protestam contra superlotação em presídio - Wilson Dias/ Agência Brasil

A política “retrógrada” do Brasil em relação às drogas é uma das maiores causas da superlotação e violência nos presídios, segundo relatório divulgado nesta quinta-feira (12/01) pela ONG Human Rights Watch.

De acordo com os especialistas da ONG, o assassinato de 99 presos no Norte e Nordeste desde o início do ano é uma tragédia anunciada que pode voltar a se repetir a qualquer momento e em qualquer região.

“A situação carcerária hoje no Brasil é um absoluto desastre”, afirma a diretora da HRW no país, Maria Laura Canineu. “O sistema todo é uma bomba-relógio.”

Segundo os últimos dados oficiais disponíveis, o número de adultos encarcerados aumentou 85% entre 2004 e 2014 e é hoje superior a 622 mil – 67% a mais do que as prisões comportam.

A superlotação, diz o texto, torna impossível às autoridades manter o controle dos estabelecimentos, deixando os detentos vulneráveis à violência e às atividades de facções criminosas dentro das unidades.

A legislação sobre drogas de 2006 é considerada vaga, deixando brechas para a prisão de usuários e não apenas de traficantes. Ela substitui, argumenta o relatório, a pena de prisão para usuários de drogas por medidas alternativas, como o serviço comunitário, mas uma linguagem vaga possibilita que usuários sejam condenados como traficantes.

“Essa política retrógrada contra as drogas é um aspecto fundamental na superlotação dos presídios”, diz Maria Laura Canineu.

Encarceramento em massa

Outro aspecto crítico para a superlotação, segundo os especialistas, é o número elevado de presos que não foram julgados.

Isso ocorre porque falta uma legislação que garanta que qualquer pessoa detida seja imediatamente levada à presença de um juiz, que determina se ela pode ser solta sob fiança ou deve ser presa preventivamente até o julgamento.

“Existe uma cultura de que o encarceramento em massa é uma solução para a violência”, avalia a diretora da HRW no Brasil.

Embora haja um programa em curso de audiências de custódia, que a ONG considera um avanço crucial, a aprovação de uma lei seria fundamental.

“Em toda a América Latina, apenas em dois países não existe esta lei: no Brasil e em Cuba”, afirma o diretor adjunto da HRW para as Américas, Daniel Wilkinson.

Maria Laura Canineu frisa que, embora o novo Programa Nacional de Segurança, apresentado recentemente pelo Ministério da Justiça, tenha pontos positivos, a “questão da superlotação não será resolvida com a construção de mais presídios”, conforme anunciado.

“A punição exagerada só ajuda as facções criminosas a recrutarem membros”, diz o pesquisador Cesar Muñoz. “E o Estado precisa garantir a proteção dos que estão sob sua custódia”

Condições medievais

Condições insalubres, doenças, violência, além da superlotação, seguem sendo uma realidade nas prisões brasileiras. “Entrar em um presídio no Brasil é como voltar no tempo, voltar à Idade Média: são celas escuras, insalubres, sem ventilação, onde as doenças proliferam”, conta Muñoz, que esteve em diversos presídios.

O Mecanismo Nacional de Combate e Prevenção à Tortura identificou casos de tortura e tratamento cruel, desumano e degradante em “quase todas, se não todas” as 17 cadeias e prisões visitadas entre abril de 2015 e março de 2016. E a situação é igualmente ruim para os menores do sistema socioeducativo, onde também há superlotação. Ao todo, são 24 mil crianças e adolescentes – 24% a mais do que a capacidade máxima.

A prática recorrente de tortura e as execuções extrajudiciais cometidas por policiais contribuem para o ciclo de violência no Brasil, prejudicando a segurança pública como um todo e pondo em risco a vida dos próprios policiais. Em 2015, 393 policiais foram mortos no país, segundo os dados disponíveis.

Policiais, por sua vez, incluindo aqueles que não estavam em serviço, mataram 3.345 pessoas em 2015, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Isso significa um aumento de 6% em relação ao ano anterior e de nada menos que 52% em relação a 2013.

Embora muitas dessas mortes tenham ocorrido em ações legítimas, boa parte delas pode ser classificada como execução extrajudicial, segundo o relatório.

As execuções tornam menos provável que membros de facções criminosas se entreguem pacificamente quando abordados pela polícia, motivando-os a matarem policiais sempre que tiverem a oportunidade.

As execuções também reduzem a probabilidade de moradores de comunidades denunciarem atividades criminosas ou cooperaram com a polícia.

“A cooperação da comunidade com a polícia é essencial para a redução das altas taxas de criminalidade no Brasil”, afirma Maria Laura. “Fechar os olhos à violência policial significa não apenas negar justiça às famílias das vítimas como também afastar as comunidades e colocar os policiais que nelas atuam em risco.”

Para Daniel Wilkiman, o denominador comum dos graves problemas de violência no país é o mito arraigado de que há um conflito entre “direitos humanos e segurança pública”.

“Há políticas de direitos humanos totalmente necessárias para aprimorar a segurança pública: insistir na investigação de um crime cometido por um policial não é ir contra a polícia, é o Estado cumprindo o seu papel para que a violência não se prolifere”, afirma. “É preciso mudar essa mentalidade.”

Edição: ---