Subterrâneo

Com salários atrasados, mineiros completam 500 dias de mobilização em Santa Catarina

Parte dos trabalhadores vinculados à Carbonífera Criciúma, no Sul do estado, não recebem desde agosto de 2015

Especial para o Brasil de Fato | Santa Catarina |
Cerca de 700 famílias foram lesadas nesse período: "A gente não recebeu nem um real das verbas trabalhistas", diz dirigente - Divulgação

Luis Carlos Salvador tem 48 anos e é um dos mineiros mais velhos da Carbonífera Criciúma, na região Sul de Santa Catarina. A empresa possui um faturamento médio anual de R$ 100 milhões, mas Salvador não recebe salário desde agosto de 2015: após quatro décadas de exploração, a mina Verdinho, onde ele trabalhava, não tem mais carvão.

Cerca de 90 funcionários, a exemplo de Salvador, continuam com o nome vinculado ao Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) da carbonífera, sem remuneração e sem condições de procurar outro emprego formal.

O mineiro, que trabalhou mais de dois meses sem receber – entre setembro e novembro de 2015 –, traz no corpo as sequelas dos acidentes.

“Tive uma detonação de dinamite nas costas e minha perna foi esmagada também, lá no subsolo. Tenho problema nas costas e um derrame na perna por causa disso”, lamenta o trabalhador, que tem hipertensão, é diabético e está impossibilitado de exercer funções braçais.

Salvador recebia R$ 1,9 mil por mês e estava em processo de pré-aposentadoria. Sem os direitos trabalhistas, ele depende há um ano e meio da ajuda de amigos para pagar as contas.

“Perdi carro, perdi móveis da casa, porque era financiado e eu não tinha mais ganho de lado nenhum”, conta.

Assim que os pagamentos começaram a atrasar, o Sindicato dos Mineiros de Forquilhinha – município onde está localizada a jazida – passou a organizar protestos e campanhas para arrecadar cestas básicas para os trabalhadores.

Após 500 dias de mobilização, o presidente da entidade, Fernando Nunes, considera que a situação chegou ao limite: “Foram 700 famílias lesadas nesse período, e a gente não recebeu nem um real das verbas trabalhistas. O que eu posso dizer é que vai ter luta. Nós precisamos disso pra ontem”.

A região Sul de Santa Catarina é responsável por extrair metade do volume de carvão mineral do país para produção de energia, além de empregar 60% da mão de obra nacional do setor, segundo dados de 2014 da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM).

Com treze anos de trabalho a 180 metros de profundidade, Luis Carlos Salvador prevê mudanças nas estratégias de mobilização junto ao sindicato.

“Eles sempre batalharam do nosso lado, protestando debaixo do sol, e a gente conseguiu doações para pelo menos colocar alimento na mesa de casa. Este ano, se precisar ir para Brasília e ficar acampado lá, protestando para receber o que é nosso, nós vamos”.

Alternativas

Ao menos 300 funcionários da Carbonífera Criciúma fizeram acordos de rescisão entre 2015 e 2016 e conseguiram se recolocar no mercado, mas também aguardam o pagamento de salários atrasados.

Leandro Dornelle, ex-bombeiro de subsolo, alega que a empresa lhe deve um ano e oito meses de fundo de garantia e três salários referentes a 2015. Para pagar a pensão alimentícia do filho, ele deixou de quitar contas pessoais e seu nome foi parar na lista do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).

“Eu trabalhava sábado, domingo, feriado. Ficava mais embaixo da terra do que com a minha família”, reclama Dornelle, que distribuiu mais de cem currículos depois de sair da carbonífera e conseguiu uma vaga como operador de peneira em uma indústria de arroz há três meses. “Ganho metade do que eu ganhava na mina. Nós estamos abandonados, enquanto os donos da empresa continuam com mansão na praia, andando de carrão”.

O topógrafo de subsolo Márcio da Rosa deixou a carbonífera em setembro de 2016 e passou a oferecer serviços de pedreiro. Há três semanas, ele foi contratado pelo Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) do município Balneário Rincão, a 30 km de Criciúma: “Finalmente consegui trabalho, mas ainda estou esperando o pagamento de um ano de fundo de garantia, férias, 13º e rescisão”.

Justificativa da empresa

Após um passeio na praia, na manhã de terça-feira (17), o empresário Alfredo Gazolla conversou com a reportagem do Brasil de Fato em nome da Carbonífera Criciúma.

“Quando o carvão terminou naquela área, tivemos que paralisar a atividade e entramos com um pedido de recuperação judicial [em junho de 2015]. Propusemos o pagamento dos trabalhadores através da venda de ativos, mas isso só pode ser feito mediante o julgamento do nosso pedido, que ainda está no tribunal”, explica.

“Tem que entender que, se você sai de um faturamento de cem milhões por ano para zero, a coisa fica difícil”, argumenta Gazolla. O empresário sugere, no entanto, que a carbonífera possui outras fontes de receita, pois “tem uma área de mineração com vários outros segmentos”.

Desde que a jazida se esgotou, o administrador afirma que a empresa tem feito vários esforços para prestar assistência aos trabalhadores: “Eu mesmo, acabei de sair da praia e vim para o nosso escritório improvisado, com cinco funcionários, onde a gente recebe as famílias e dá satisfação. Temos feito tudo que está ao nosso alcance nessa parte social”.

Processo judicial

A Carbonífera Criciúma transferiu sua sede jurídica para o município de Butiá, no Rio Grande do Sul, onde a Justiça local aceitou o pedido de recuperação judicial da empresa em 2015. No entanto, o desembargador Rinez da Trindade, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, foi alertado sobre as condições daquela transferência e repassou a responsabilidade do julgamento para a comarca de Criciúma.

Desta vez, o pedido de recuperação judicial da companhia foi negado e seus terrenos começaram a ser leiloados em outubro do ano passado para pagamento das dívidas trabalhistas.

Os bens dos proprietários Alfredo Gazolla e Wolfgang Friedrich – carros, imóveis e aplicações financeiras – foram bloqueados pela Justiça Federal duas vezes, em 2015 e 2016. Primeiro, pelo não cumprimento de determinações ambientais. Na segunda vez, em setembro do ano passado, o juiz da 4ª Vara do Trabalho de Criciúma, Erno Blume, apontou indícios de que os administradores estariam atuando para ocultar o patrimônio da empresa e determinou o pagamento imediato dos salários atrasados, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

Edição: Rodrigo Chagas