SIDERÚRGICA

Funcionários denunciam perseguição da CSN, em Volta Redonda (RJ)

Familiares de demitidos criticam conduta da empresa após acidente que vitimou quatro pessoas

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Poder da CSN fica visível inclusive na geografia da cidade de Volta Redonda, que cresceu ao redor de suas instalações
Poder da CSN fica visível inclusive na geografia da cidade de Volta Redonda, que cresceu ao redor de suas instalações - Divulgação

O fantasma da perseguição a trabalhadores ronda a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a maior empresa de aço da América Latina, localizada na cidade de Volta Redonda, no sul fluminense. Funcionários, familiares de empregados e organizações da sociedade civil denunciam possíveis casos de retaliações praticados pela direção da empresa dentro e fora das instalações da fábrica.

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A dona de casa Moralina da Cunha Estevão, mãe do ex-funcionário da CSN, João Carlos da Cunha Esteves, afirma que o filho teria sido acusado de fazer uma filmagem com o celular no momento de um grave acidente, ocorrido no dia 25 de março desse ano, no setor de Zincagem I. Quatro trabalhadores morreram por queimaduras e inalação de gás.

A CSN justifica as demissões argumentando que o uso de aparelhos multimídia é proibido dentro das instalações da empresa. "Somos bastante rigorosos com a proibição do uso de equipamentos multimídias dentro da empresa", afirma o diretor de siderurgia da CSN, Márcio Lins, durante uma audiência pública, em Volta Redonda, realizada em novembro de 2016. 

No entanto, o trabalhador nega ser o autor dos vídeos divulgados na internet. “Como ele pode ter filmado algo se estava tentando salvar os amigos no momento do acidente? Meu filho ajudou a tirar as pessoas machucadas, trabalhadores que tiveram o corpo totalmente queimado, e ainda correndo o risco de se ferir também. Como podem demitir meu filho por causa de uma filmagem?”, questiona dona Moralina.

Traumatizado com o acidente e abalado com a exoneração, João Carlos prefere não falar sobre o tema. Mas a mãe não se conforma. “Meu filho foi demitido sem direito a nada. Saiu de lá como bicho, como se não tivesse dignidade”, critica.

Esse também é o caso do filho da dona de casa Ana Paula Cabral Costa, mãe do Victor Hugo Cabral Costa, demitido por justa causa, acusado de fazer um vídeo no momento do mesmo acidente. “Meu filho estava com o amigo, João Carlos, ajudando a salvar as vítimas. A CSN não teve nem a preocupação de saber o que isso causou dentro deles. Deixo aqui minha revolta e minha indignação com essa empresa, porque o que ela fez com nossos filhos foi uma injustiça. Quiseram arrumar culpados para as próprias falhas que a CSN comete. Ela despreza a qualidade do trabalho desses jovens que estão lá dentro da fábrica”, critica a mãe.

Dez meses depois do acidente, Ana Paula conta que o filho ainda não se recuperou do trauma. “Victor ficou muito abalado com a morte dos amigos que ele tentou salvar. Deixo meu apelo à sociedade, para que cobre da CSN uma postura mais digna, honesta e menos neoliberal, injusta e cruel com os funcionários”, destaca a dona de casa.

Audiência pública 

Em novembro, as duas mães participaram da audiência pública realizada pelo Ministério Público Federal, onde expuseram a situação dos jovens trabalhadores. Funcionários, ex-empregados e seus familiares relataram casos em que a empresa teria usado seu poder para exercer pressão e intimidação.

Os pais de uma trabalhadora, que morreu em um acidente no início de 2015, afirmaram que a empresa teria pressionado para fazer um acordo informal, onde eles não poderiam procurar ajuda de um advogado, nem falar com a imprensa. Isso porque o casal, que pediu anonimato, reivindica uma indenização e a empresa ameaça não entrar em acordo caso os familiares não atendam às duas exigências. “Eles não querem que a gente consulte nem um advogado. Sabemos que dinheiro nenhum vai trazer minha filha de volta, mas temos duas netas que precisam de cuidados especiais”, relatou o pai.

Funcionário da CSN há 15 anos, Vitor Junior garante que a companhia fez de tudo para que ele fosse impedido de se candidatar à membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidente (CIPA), composta por trabalhadores e por pessoas indicadas pela diretoria. A eleição ocorreu no final de novembro. “Sabendo que eu me candidataria, a direção da CSN me deu férias justamento no mês dessa eleição e bloqueou meu crachá para que não pudesse entrar e registrar minha candidatura”, relata Vitor Junior.

Ao longo do último ano, Vitor denunciou abertamente o que ele considera "assédio moral" praticado por seus chefes, assim as "metas abusivas de produção que comprometem a saúde física e mental dos trabalhadores", os baixos salários e as precárias condições de trabalho. Junto com outros trabalhadores e a sociedade civil organizada criaram o Fórum de Resistência, um grupo que tem como objetivo combater os altos números de acidentes dentro da CSN e denunciar as violações trabalhistas, entre outras questões apontadas como possíveis irregularidades.

Conhecida como a “cidade do aço”, Volta Redonda,  que tem cerca de 260 mil habitantes, praticamento cresceu em volta da CSN. Até hoje os bairros ainda são separados pelos extratos sociais dos trabalhadores da empresa: proletários, técnicos, gerentes e executivos da empresa. As casas, construídas entre as décadas de 50 e 80, pertenciam à CSN, mas foram vendidas aos funcionários nos anos 90, logo depois da privatização em 1993, no governo de Itamar Franco (PSDB). Isso ocorreu, segundo o operário Vitor Junior, devido aos custos de manutenção das propriedades, que a empresa não queria mais arcar.

Os imponentes edifícios, que comportam os diferentes processos industriais da companhia, ficam exatamente no centro da cidade, o que mostra seu poder simbólico no município, que gira em torno de sua economia.

Acidentes de trabalho

Durante todo o ano de 2016, o Brasil de Fato acompanhou denúncias sobre o aumento de acidentes de trabalho na indústria siderúrgica. Foram mais de 260 acidentes, entre janeiro e novembro do ano passado. Em 2015 haviam ocorrido 197 acidentes e em 2014 foram 194, de acordo com levantamento do Fórum de Resistência.

O diretor de siderurgia da CSN, Márcio Lins, reconheceu que o problema é grave. “Nós estamos preocupados porque estamos tendo acidentes de alta gravidade, que cresceram no último ano. Tivemos um acidente em 2016 com quatro mortes. Esse tipo de situação provoca mudanças de toda ordem na empresa”, disse Lins.

Segundo Júlio Cesar Condaque Soares, participante do Fórum de Resistência, uma das razões para o aumento dos acidentes é a alta rotatividade de funcionários da empresa. “Cerca de 1.500 foram demitidos em 2016. Entre eles, trabalhadores de mais de 20 anos de experiência. No lugar contrataram jovens e estagiários que ocupam funções em postos estratégicos, sem experiência e recebendo três vezes menos”, relata Soares, que também integra a central sindical CSP-Conlutas.

De acordo com o diretor da CSN, a rotatividade anual da empresa está entre 20 e 25%. "Cerca de 60% dos trabalhadores têm menos de três anos de casa”. Ele também afirma que a empresa acelerou o ritmo de produção. “Tivemos uma entrada de novos empregados, trabalhando em ritmo maior do estavam acostumados a fazer”, destaca Márcio Lins.

O corte de investimento com a mão de obra aconteceu porque a CSN teria colocado em prática um plano de expansão e diversificado seus negócios, segundo Soares. “Ela investiu no Porto Maravilha e em bolsas de valores internacionais, além disso comprou uma parte da Thyssen Krupp CSA (TKCSA). Para tornar isso viável, a empresa reduziu os investimentos em mão de obra na unidade de Volta Redonda”, ressalta.

O ex-funcionário da empresa, Sirizo Honorato defende que a principal luta nesse momento é para que a CSN retome o mesmo modelo de prevenção de acidentes que existia antes de ser privatizada. “Queremos a volta do programa Acidente Zero, pois nos anos 80 e 90, quando a empresa tinha quatro vezes o número de trabalhadores atuais, nós conseguimos zerar os acidentes. Hoje, com menos trabalhadores, não podemos aceitar esse grande número de operários mortos e feridos, pois sabemos que tudo é uma questão de prevenção”, assinala Honorato, do Comitê de Luta Classista, que também integra o Fórum de Resistência.

Apesar de ser procurada pelo jornal Brasil de Fato, até fechamento desta edição, a CSN não se manifestou sobre as denúncias dos familiares e dos trabalhadores.

Edição: Vivian Virissimo

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