Educação

Sem aviso, USP fecha Creche Oeste e transfere crianças para unidade Central

Para resistir à ordem de fechamento do estabelecimento, pais, mães e funcionários ocuparam a Creche

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
"O fechamento da creche, para uma estudante como eu, significa acabar com a possibilidade de terminar minha formação profissional", diz mãe
"O fechamento da creche, para uma estudante como eu, significa acabar com a possibilidade de terminar minha formação profissional", diz mãe - Marcelo Cruz

Sem diálogo com a comunidade universitária e os funcionários, a Reitoria da Universidade de São Paulo (USP) fechou, na última quarta-feira (18), a Creche Pré Escola Oeste, uma das três localizadas no campus do Butantã. Para resistir à ordem de fechamento do estabelecimento, pais e mães de alunos, funcionários e simpatizantes da causa ocuparam a Creche na terça-feira (17).

Funcionárias e funcionários do estabelecimento, que estão de férias, foram surpreendidos com um informe, às 13h de segunda-feira, dizendo que um caminhão de mudança retiraria todos os móveis e equipamentos do edifício a partir das 14h do mesmo dia e que as crianças seriam transferidas para a Creche Central da universidade.

A unidade, que atende filhos de alunos e servidores da USP há mais de três décadas, conta com 41 crianças matriculadas para este ano, mas teria capacidade para atender mais 37, de acordo com levantamento feito por seus funcionários. Estas vagas ociosas, no entanto, não foram ocupadas, a despeito da decisão do Conselho Universitário para que a Reitoria da universidade as preenchesse.

Em nota, a Ocupação Creche Oeste afirma que o ato político busca "preservar um programa modelo de educação infantil, reconhecido internacionalmente; o direito das crianças à educação; o direito de suas mães e pais a estudarem; o direito das funcionárias e funcionários ao trabalho e ao reconhecimento como educadoras e educadores".

Por receio de represália da Reitoria da USP, nenhuma das mães ou funcionários que conversaram com o Brasil de Fato para a produção desta reportagem quiseram se identificar.

Vagas

Segundo relata uma das mães que compõe a Ocupação Creche Oeste, os problemas entre a Reitoria da USP e a parcela da comunidade que necessita das creches teve início há dois anos, quando a universidade fechou vagas para o ingresso de novas crianças.

No ano de 2015, uma semana antes do período letivo das creches ter início, a Reitoria emitiu comunicado informando os pais de que nenhuma nova vaga seria aberta. Entraram apenas irmãos de crianças que já estavam matriculadas, já que, neste caso, não há processo seletivo.

A não abertura de vagas, na época, foi justificada pela universidade em função da diminuição do quadro de funcionários ocasionada pelo Plano de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV) implementado em 2014. Com ele, 1.382 servidores deixaram a USP. No entanto, no caso específico da Creche Oeste, um dos funcionários contou que apenas três pessoas saíram da unidade através do PIDV: uma lactarista, uma enfermeira e um trabalhador da administração.

Ele explica que, em função da saída da lactarista, profissional que prepara refeições dos bebês de acordo com as prescrições pediátricas e nutricionais, a unidade não pode mais receber grupos de crianças menores que 1 ano. Ainda assim, um número maior de crianças do que as matriculadas poderia ser atendido. 

Em 2016, o processo seletivo para a escolha de novas crianças não foi realizado e novamente as vagas não foram abertas. Desta vez, porém, também foram retiradas as vagas concedidas a estudantes. Poucas famílias conseguiram vaga para suas crianças através de processos judiciais.

Frente à situação, os funcionários organizaram um plano de atendimento declarando que, mesmo com a pequena defasagem de seu quadro de funcionários em função do PIDV, as cinco unidades de creches da USP — da capital e interior — continham 228 vagas ociosas no total. "Mas a reitoria simplesmente ignorou esse planejamento de todas as creches e continuou não deixando nenhuma criança entrar", afirmou uma das mães.

Em 2016, um novo PIDV foi aplicado na universidade. Com a saída de novos funcionários, trabalhadores das creches emitiram um novo plano de atendimento divulgando que o número de vagas ociosas era 157.

Em novembro, o Conselho Universitário — órgão máximo de deliberação dentro da universidade — decidiu que a Reitoria deveria preencher imediatamente as 157 vagas ociosas. A despeito disso, até o presente momento, o processo seletivo para o ingresso de novas crianças não foi aberto.

Com a nova medida da Reitoria de transferir a Creche Oeste para a creche central, uma das mães argumenta que esse é um "processo violento", já que retira as crianças e funcionários do lugar que estavam habituados a ocupar sem aviso algum e, além disso, descumprirá a decisão do conselho Universitário, diminuindo o número de vagas ociosas ao invés de ocupá-las.

Orçamento

Um levantamento feito com base na análise de dados públicos disponibilizados pela USP comprovou que o fechamento das vagas nas creches e pré-escolas causaria mais prejuízos do que benefícios à universidade.

O levantamento afirma que, apesar do fechamento de vagas permitir uma economia nos valores de custeio das creches — que equivale à apenas 0,03% do orçamento total da USP —, "a Universidade seguirá tendo de realizar os mesmos investimentos na folha de pagamentos, que consome mais de 90% dos recursos direcionados à área, o que equivale a 0,48 % do orçamento total da USP. Além disso, a não abertura de vagas obrigará a instituição a ampliar a oferta de auxílio-creche aos servidores docentes e não docentes".

Mães

O fechamento de vagas afeta diretamente a vida de alunos e funcionários da universidade, principalmente das mulheres, que permanecem sendo responsabilizadas pela maior parte dos cuidados com os filhos.

"O fechamento da creche, para uma estudante como eu, significa acabar com a possibilidade de terminar a minha formação profissional e dar uma melhor qualidade de vida para a minha filha. Uma creche em São Paulo, neste momento, é muito cara e se você vai na rede pública, para o ano de 2015, tinham de 80 a 90 mil crianças em lista de espera. É uma coisa irrisória", relata uma das mães da Creche Oeste.

Além da situação nas creches, as mães denunciam outros problemas que afetam diretamente sua vida, como a situação do Conjunto Residencial da USP (Crusp). De acordo com o anuário estatístico de 2014, o conjunto apresentava um total de 1.692 vagas para moradia. No entanto, apenas 12 apartamentos são adequados para receber mães com crianças, que ficam no bloco A, conhecido como "Bloco das Mães".

Em função da pequena parcela reservada às mães, muitas têm a vaga negada pelo Serviço Assistencial da universidade e outras acabam vivendo com seus filhos em apartamentos comuns. "É uma universidade que exclui as mães", diz.

Problemas

Os desencontros entre as atitudes da Reitoria da USP e a comunidade universitária não se restringem à questão das creches. Na última quinta-feira (19), aconteceu um ato em defesa do Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp) com a presença de parlamentares, organizações sindicais e estudantis.

O evento foi realizado com o propósito de demonstrar apoio às trabalhadoras e trabalhadores do sindicato que, no final de novembro do último ano, receberam uma liminar judicial de despejo para deixar a sede que ocupam há cinco décadas.

No final de dezembro, o espaço ocupado pela sede do Sintusp e por entidades estudantis da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, localizado atrás do prédio da Reitoria, teve seu entorno cercado por funcionários de uma empresa terceirizada. A obra, prestes a ser concluída, também não havia sido comunicada aos setores estudantis e de trabalhadores e aumenta o temor de que seus espaços sejam retirados.

Durante sua participação no ato, o deputado federal Ivan Valente (PSOL) condenou a ausência de diálogo do reitor Marco Antonio Zago em suas medidas, caracterizando-a como uma "atitude covarde". Ainda disse que a tentativa de retirada da sede do sindicato guarda uma razão: sua histórica resistência. "O Sintusp tem sido um ícone de resistência e de luta de todos os trabalhadores e estudantes, e junto com os professores da USP, que fazem o trabalho de resistência e defesa da educação pública , gratuita, laica e de qualidade do nosso país", disse.

Além de Ivan, estavam presentes os deputados estaduais Carlos Giannazi (PSOL), Alencar Santana (PT), os vereadores Eduardo Suplicy (PT) e Antonio Donato (PT) e o ex deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh.

Edição: José Eduardo Bernardes

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