PANORAMA POLÍTICO

Análise | Europa está cada vez mais dividida

Cem anos depois da revolução socialista russa, direita e esquerda voltam a se enfrentar com toda força na Europa

Lisboa (Portugal) |
Na Espanha, o partido Podemos, de esquerda, ganha cada vez mais adeptos nas eleições
Na Espanha, o partido Podemos, de esquerda, ganha cada vez mais adeptos nas eleições - Divulgação

A Revolução Russa, que esse ano celebra seu centenário, provocou um terremoto mundial. Foi a mais bela epopeia iniciada pelos oprimidos em toda a História. A União Soviética não só foi protagonista dos mais importantes avanços civilizacionais, mas também responsável pela derrota do nazi-fascismo em 1945.

O prestígio das forças revolucionárias e progressistas obrigou os Estados Unidos a avançarem com um plano de reconstrução da Europa Ocidental para evitar que esses países entrassem na esfera socialista.

Foi assim que os governo dos países ocidentais cederam e concederam direitos sociais aos trabalhadores para evitar a falência do capitalismo. A União Europeia (UE), antes chamada de CEE, é a própria expressão desse projeto que tentou derrotar a União Soviética para devolver os trabalhadores e os povos novamente ao medievalismo econômico.

Esta análise não é pacífica. A UE dividiu, desde o início, a esquerda europeia entre os que acreditavam na possibilidade democrática de transformar esta estrutura e os que negavam frontalmente essa possibilidade.

A perda de soberania nacional dos diferentes países, a favor de uma supra-estrutura capitalista e as últimas décadas de políticas de privatização e de destruição do tecido produtivo, depois do fim da URSS, demonstrou na prática que não eram válidas as teses de partidos comunistas pró-UE que acabaram por rumar à social-democracia.

A introdução do euro como moeda única aprofundou as desigualdades entre os países do norte e do sul da Europa.

Desencantados com a perda de direitos, de poder de compra e de soberania, no Norte da Europa e no Reino Unido, onde a esquerda nunca teve uma força substancial, abriu-se espaço para as forças de extrema-direita. Alguns dos países que pertenciam ao Bloco Socialista criminalizaram as organizações comunistas, tornaram-se defensores de Washington ou Bruxelas (capital política da EU) e sofreram fenômenos semelhantes.

O desencanto dos trabalhadores com a UE e a crise econômica e social alimentaram o oportunismo do populismo fascista que voltou o seu discurso contra esta estrutura e os imigrantes.

A cumplicidade dos governos social-democratas europeus com as políticas de direita conduziu alguns dos seus partidos à quase extinção. Na Grécia, por exemplo, a revolta da população contra as políticas de austeridade reconduziu o eleitorado do Partido Socialista para o Syriza dando-lhe o governo que acabou por se submeter às imposições de Bruxelas.

Na Espanha, o Podemos tem ganhado força à custa da perda de credibilidade dos que antes se diziam socialistas.

Outro dos elementos mais preocupantes é a volatilidade do atual contexto europeu, onde o aventureirismo imperialista no Oriente Médio, que provocou milhões de refugiados, reforça o discurso xenófobo e racista de governos como o da Hungria.

Também na Ucrânia avança o fascismo, onde as forças armadas patrocinadas pela UE e pelos Estados Unidos combatem as populações do leste apoiadas por Moscou. Esse é um reflexo do crescente intervencionismo norte-americano junto às fronteiras e aos países aliados da Rússia.

Séculos de acumulação colonial fizeram da Europa capitalista um colosso mas, simultaneamente, um continente pleno de contradições em que o recurso à guerra e ao fascismo foram os meios para enfrentar crises econômicas e revoltas sociais. É à beira desse precipício que nos voltamos a encontrar.

*Bruno Carvalho é jornalista português

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