Justiça

Vaga no STF abre disputa pela Lava Jato e temas polêmicos

Associação de juízes critica falta de transparência na indicação dos nomes e teme perfil conservador

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Cármen Lúcia sinaliza que ela própria deve homologar a maior parte ou todas as delações premiadas da Odebrecht
Cármen Lúcia sinaliza que ela própria deve homologar a maior parte ou todas as delações premiadas da Odebrecht - Beto Barata/Presidência da República

Após a morte trágica do ministro Teori Zavaski, em um acidente aéreo na semana passada, todas as atenções do meio político e jurídico estão agora voltadas para a indicação do nome que deverá ocupar o cargo na mais alta corte de Justiça do país, o Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a Constituição, cabe ao presidente Michel Temer indicar um jurista com notório saber jurídico. Em seguida, o indicado passa por uma sabatina no Senado Federal para a confirmação de seu nome.

Não por acaso, a disputa em torno de um nome ganhou enorme repercussão essa semana. O próximo ministro vai julgar os processos da Lava Jato no STF, assunto que interessa diretamente à cúpula do PMDB e do PSDB e outros partidos da base governista, inclusive o próprio Temer, citado 43 vezes em apenas uma das 77 delações premiadas de executivos e ex-diretores da construtora Odebrecht. O temor de que o nome indicado pudesse favorecer o julgamento de políticos tucanos e peemedebistas fez com que a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, optasse por redistribuir a relatoria da Lava Jato, que estava nas mãos de Teori, para outro ministro da corte, antes mesmo que Temer indicasse um nome.

Além disso, Cármen Lúcia sinaliza que ela própria deve homologar a maior parte ou todas as delações premiadas da Odebrecht, antes do novo relator assumir, para não atrasar ainda mais os processos e impedir manobras que favoreçam políticos acusados. Essa medida contrariou o governo Temer, que está apreensivo com o vazamento de delações comprometedoras contra ministros, congressistas aliados e outras autoridades federais.

Falta transparência

A expectativa em torno da nomeação do novo ministro do STF também chamou atenção para a falta de transparência nas indicações dos principais cargos do Poder Judiciário no Brasil. “A preocupação com a indicação tem se dado por causa da Lava Jato, uma operação importantíssima, mas que um dia vai acabar, e esse novo ministro vai ficar e passar a definir muitas outras questões fundamentais da vida do país, como a descriminalização da maconha, a questão do aborto, do casamento de pessoas do mesmo sexo, entre outros. É fundamental que se discuta o perfil de quem vai ocupar essa função”, aponta o juiz André Augusto Salvador Bezerra, presidente da Associação de Juízes pela Democracia (AJD). As reformas trabalhista e da previdência social também são assuntos que poderão ser questionados no Supremo ao longo dos próximos meses.

A associação defende, historicamente, que haja um processo mais público e transparente para a escolha de ministros do STF e de outros tribunais superiores. “Deveria haver um ambiente em que as pessoas pudessem se candidatar abertamente, com tempo para debate público, e que a escolha do presidente da República se desse após esse processo transparente, em que a sociedade tivesse a oportunidade de conhecer o histórico, o perfil e o que pensam os postulantes ao cargo. Da forma como é feita hoje, tudo é decidido a portas fechadas, em conversas de gabinete”, avalia André Bezerra.

Entre os nomes mais cotados para a vaga de Teori, aparece o atual presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra Filho. De perfil ultraconservador, Gandra defende, em livro de sua autoria, que as mulheres devem submissão aos maridos e rejeita qualquer possibilidade de matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, um assunto que já está praticamente superado na maioria dos países desenvolvidos do mundo. Além disso, Gandra Filho é defensor da total flexibilização dos direitos trabalhistas e da reforma da previdência, temas que poderão ser analisados pelo STF.

Outro nome cotado é o do atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Ligado ao PSDB, Moraes foi secretário de Segurança Pública do governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin. Se assumisse a vaga no Supremo, Alexandre de Moraes julgaria políticos aliados do PSDB e do PMDB. Também estão na lista a advogada-geral da União, Grace Mendonça, pelo menos quatro ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), alguns juízes federais e advogados. O nome de Sergio Moro foi descartado porque, como ministro, ele ficaria impedido de analisar os processos da Lava Jato porque é o atual responsável na primeira instância.

Proposta

Em 2014, a AJD chegou a fazer uma proposta de decreto presidencial para a então presidenta Dilma Rousseff, estabelecendo um rito no processo de indicação para o STF. Sem retirar a prerrogativa constitucional de livre escolha do presidente da República, a proposta assegurava ampla divulgação do perfil dos juristas que estavam sendo considerados, estipulava um período para manifestação de entidades e cidadãos sobre os nomes e, só depois disso, o Palácio do Planalto faria a indicação, a ser sabatinada no Senado.

Edição: José Eduardo Bernardes

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