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Minoria

No Recife, vereadores de esquerda são apenas 10% do legislativo municipal

Bancada progressista conta apenas com cinco dos 39 vereadores e prevê fortes enfrentamentos neste mandato

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Vereadora Marília Arraes está no 3º mandato e acredita que a coesão da bancada de oposição pode fazer a diferença
Vereadora Marília Arraes está no 3º mandato e acredita que a coesão da bancada de oposição pode fazer a diferença - Assessoria de Comunicação

A legislatura que se inicia no próximo dia 6 de fevereiro na Câmara de Vereadores do Recife não vai ser fácil para as forças populares. O cenário, que já não era dos melhores, piorou. Nas últimas eleições a bancada ligada ao fundamentalismo religioso cresceu, além conseguir os três vereadores mais votados da capital pernambucana: Michele Collins (PP), Irmã Aimée (PSB) e Fred Ferreira (PSC). Já a bancada de progressista foi reduzida pela metade.

O PT, o PCdoB, o PDT e o PSOL, siglas mais alinhadas à classe trabalhadora e à sociedade civil organizada, elegeram apenas cinco parlamentares dentre as 39 vagas: Marília Arraes (PT), Jairo Brito (PT), Almir Fernando (PCdoB), Jadeval de Lima (PDT) e Ivan Moraes (PSOL).

Mas com a eleição do deputado estadual Botafogo (PDT) para a Prefeitura de Carpina, o vereador Jadeval deixou a Câmara e assumiu o cargo na Assembleia Legislativa. Já Almir Fernando (PCdoB), está compondo a base aliada do prefeito Geraldo Julio (PSB) e não deve se opor a projetos do Executivo. Por outro lado, o recém-eleito Rinaldo Júnior (PRB), apesar de filiado à sigla da Igreja Universal, promete fazer jus à sua experiência como sindicalista da Força Sindical.

A linha divisória ficou clara no dia da posse, 1º de janeiro, quando houve a eleição para ocupar a presidência da Câmara do Recife durante o biênio 2017-2018. Eduardo Marques (PSB) foi eleito com 34 votos, enquanto Marília Arraes (PT) teve quatro votos: além do seu, recebeu os de Jairo Brito, Ivan Moraes e Rinaldo Júnior. A petista será a líder da bancada de oposição à gestão do prefeito Geraldo Julio (PSB). “A bancada de oposição precisa ser coesa e votar blocada de acordo com os nossos direcionamentos. Já faz algum tempo que a oposição tem sido numericamente bem menor que a bancada governista, mas o que importa é que os membros são muito comprometidos e que vamos fiscalizar o Poder Executivo com muita coerência”, diz Arraes, que inicia o seu 3º mandato consecutivo na Câmara Municipal.

Seu companheiro de bancada de oposição, Ivan Moraes (PSOL), é estreante na Casa. Após muitos anos de trabalho em organizações não-governamentais, Moraes diz estar ciente do desafio, mas animado. “Quem vem da sociedade civil, como eu, está acostumado a falar com os que concordam e acabamos adotando um tom impositivo diante dos que discordam. Mas aqui serei minoria. Preciso ter firmeza e muito jogo de cintura. Sei que será difícil, mas quero muito que essa hoje pequena bancada de oposição cresça”, diz o vereador.

Vereador Ivan Moraes posa no plenário da Câmara do Recife.

Ivan Moraes acredita que o desafio é grande, mas não impossível para a minoria de esquerda. Crédito: Vinícius Sobreira/Brasil de Fato Pernambuco

Questionada sobre estratégias para enfrentar projetos de lei que prejudiquem a classe trabalhadora, Marília Arraes afirmou que “em termo de números de votos, não podemos fazer muita coisa. Mas vamos exigir o cumprimento do Regimento Interno da Casa, da Lei Orgânica do Município e da Constituição Federal”.

Para ela, a oposição deve marcar posição e se desafiar a “mobilizar a sociedade para que venha ao plenário da Câmara e pressione os vereadores a votarem a favor do povo”. Ivan Moraes concorda que este é a principal peleja para essa minoria de esquerda na Câmara. “É o nosso grande desafio: trazer as pessoas aqui para dentro e levar para fora a discussão que acontece aqui na Câmara”, diz Ivan. “Se esclarecermos as pautas para a população, facilitar para mobilizar as pessoas”, completa Marília.

Fundamentalismo

O crescimento da bancada de parlamentares ligados às igrejas neopentecostais também pode trazer retrocessos em pautas ligadas a gênero e sexualidade. Mas para os dois parlamentares entrevistados pela reportagem, o cenário é menos ruim do que parece. “Tenho observado que não podemos colocar o chapéu de fundamentalista em todos os que pensamos ser. Alguns têm suas crenças, mas não são organicamente ligados à Igreja. Os radicais são poucos, mas que tiveram muitos votos. Acho que teremos muita margem para discutir esses temas”, avalia Ivan Moraes.

Marília Arraes, que conhece os vereadores do Recife há algum tempo, diz que o fundamentalismo não é maioria numérica na Câmara, “mas é uma quantidade importante e reflete a sociedade”. A vereadora chama atenção para a atuação do Poder Executivo para aumentar o poder desses grupos, citando a nomeação de André Sena, pastor da Igreja Presbiteriana de Boa Viagem, para o cargo de secretário executivo de Política Sobre Drogas da Prefeitura do Recife. “O prefeito está entregando pastas para o grupo de Michele Collins (PP). Esses políticos que usam comunidades terapêuticas para ganhar votos estão se fortalecendo. Isso é grave e precisa ser combatido não só pela oposição, mas também por membros da bancada governista que tiverem um mínimo de coerência”, reclama Arraes.

Para ambos os vereadores, a melhoria no diálogo com outros parlamentares e com a população será fundamental para vencer disputas contra esse grupo dentro da Câmara. “Parte dos políticos têm medo de enfrentar essas figuras ligadas à Igreja, porque às vezes as críticas são respondidas com ataques, dizendo que nós somos ‘contra Deus’ ou ‘contra as Igrejas’, o que não é verdade”, diz a petista, que é completada pelo psolista. “A desinformação confunde a população. Acaba que quem defende o Estado laico sofre preconceito por parte da população cristã. Tem gente que pensa que queremos que todo mundo use drogas e seja gay, por exemplo. Mas não é isso. Precisamos nos comunicar melhor”.

Edição: Monyse Ravenna