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FOLIA

“Se não fosse a luta, não teria carnaval em Belo Horizonte”

Produtor e militante cultural, José Guilherme Castro fala de projetos e desafios para a festa

Belo Horizonte |
José Guilherme Castro:  “O fenômeno do carnaval politizado é do momento, acontece no Rio e em São Paulo também”
José Guilherme Castro: “O fenômeno do carnaval politizado é do momento, acontece no Rio e em São Paulo também” - Rafaella Dotta / Brasil de Fato MG

De folião amador de vários carnavais em Recife e Olinda, José Guilherme Castro passou pela radiodifusão comunitária, pela discussão da luta antimanicomial e agora se firma como carnavalesco profissional. Neste ano, atua em um projeto de fantasiar os principais monumentos da cidade, organiza um bloco em homenagem à revolução russa que sai o ano inteiro e desfila no Bloco Reciclado, com as fantasias todas de material reaproveitado, se somando ao coletivo que constrói o “Carnaval Lixo Zero”.

Brasil de Fato – A retomada do carnaval em Belo Horizonte veio da mobilização dos grupos. Você acha que o caráter contestador se mantém neste ano?
José Guilherme Castro - Se não fosse a luta, não teria carnaval em Belo Horizonte. Aqui, é um carnaval conquistado. Mas ainda há muitas burocracias a serem vencidas. A gente fazia o carnaval inteiro sem pedir alvará, agora é difícil conseguir tocar os projetos, é muito difícil ainda o diálogo com a prefeitura. Mas ainda é uma festa de disputa da cidade. Em 2009, começa o movimento quando o Marcio Lacerda [PSB, prefeito de Belo Horizonte de  2009 a 2016] proibiu os eventos na Praça da Estação, em 2010 começa a ter mais blocos, depois vai só crescendo. O principal ator politizador do carnaval de BH era o Lacerda, que tentou acabar e depois disputar com o carnaval. Agora tem essa postura ambígua do [Alexandre] Kalil [PHS], que tenta se aproximar, que traz patrocínios para a cidade. Os blocos começam a se entender com essa ideia, que pode ter a ver com a profissionalização. Mas o fenômeno do carnaval de luta é do momento. Isso está acontecendo em São Paulo, no Rio. Como era na ditadura.  Saíram blocos como o “Segura a coisa”, com um baseado gigante, o “Eu acho é pouco”, sobre a tortura, o “Nóis sofre mas nóis goza”. Essa coisa da política, da contestação, ficou um pouco adormecida, mas está voltando. Estamos na resistência ofensiva. 

Mas há investimentos suficientes este ano? Como fica a relação entre os blocos e as escolas de samba?
Aqui se gasta muito pouco no carnaval. Tanto é que o argumento contra as escolas de samba é que elas gastam muito. Que elas gastam só para armar a estrutura na Afonso Pena 49% do orçamento. Que 70% das despesas do carnaval de BH são com as escolas de samba. Mas 70% de pouco é quase nada. A prefeitura ganha com o carnaval. É a tal folia criativa, que está trazendo valores altos para a cidade. Falta um investimento na riqueza cultural. Poderia ter dinheiro para embelezar a cidade, chamar os artistas plásticos, trazer todos os ritmos do Brasil para o carnaval, com bandas e tudo. Poderia se aproveitar para renovar as estátuas, ao invés de colocar cercadinhos para supostamente protegê-las. É a lógica estranha de para onde vai o recurso. E é preciso mais cuidado com as escolas de samba, que são historicamente detonadas, desrespeitadas. Belo Horizonte tinha muitas escolas de samba. Se não tivessem sido paralisadas essas atividades pelo poder público, seria uma das principais manifestações culturais da cidade. Como diz um amigo meu, as escolas são óperas na rua.

Qual a ideia do Bloco Soviético, em homenagem aos 100 anos da revolução russa?
Ele traz duas grandes contribuições: contribuir com a politização e trazer a ideia de fazer o carnaval o ano inteiro. Vai durar 2017 todo, todo dia 17, às 17h, na Praça Sete. Outras cidades já têm esse bloco Soviético, como São Paulo, que o organiza há cinco anos. Aqui fazemos mais uma performance política, ainda não tem grupo muito consolidado. É um grande palco de falas, de reunir pessoas. O bloco tenta ser um facilitador, fazer com que militantes virem foliões e foliões virem militantes. 

Qual a proposta do Carnaval Lixo Zero?
Belo Horizonte tem um dos principais artistas plásticos brasileiros, o Léo Piló, que atua com reciclagem e é um grande conhecedor do carnaval. E é com ele que é lançado agora o Carnaval Lixo Zero, com as fantasias que ele faz, com 100% de material reciclado. Vão sair no Bloco Reciclado, feito com roupas do ano passado. E ele está executando um projeto com a prefeitura, que é a confecção e instalação de 25 fantasias em 25 monumentos da cidade. E vamos fazer também uma discussão sobre o cerrado. Fizemos uma alegoria de um tatu, que vai sair em vários blocos este ano. 

O que falta no carnaval de BH?
Falta cultura carnavalesca. Temos carnaval, mas não cultura carnavalesca, que tem que ser o ano todo. A preparação, o ensaio, precisa começar muito antes. Aqui falta espaço, recurso, discutir mesmo o carnaval. Nosso carnaval não é amador, é muito eficiente. Mas ainda é pequeno. Falta descentralizar para a periferia, para a região metropolitana.

Edição: Frederico Santana Rick