REFORMA AGRÁRIA

Após 19 anos resistindo, trabalhadores conquistam terra no grande Recife

Assentamento Che Guevara fica na cidade de Moreno, na região metropolitana

Moreno (PE) |
175 famílias lutavam pela terra aguardavam a decisão do Incra há 19 anos
175 famílias lutavam pela terra aguardavam a decisão do Incra há 19 anos - Flávia Torres

Na última sexta-feira (10) camponeses que integram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e residem no assentamento Ernesto Che Guevara, em Moreno, Região Metropolitana de Recife, comemoraram a imissão de posse de suas terras. Cerca de 940 hectares foram desapropriados da Usina Bulhões em benefício de 175 famílias que aguardavam decisão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) desde 1998.
O agricultor José Severino de Santana, de 68 anos, fez parte dos trabalhos de base no assentamento desde os anos 1990. Agora suas expectativas são de “ficar aqui nessa terra até morrer”. Já Sebastiana Antônia da Silva, que aguardou a decisão por 17 anos, diz estar “muito feliz e emocionada, até chorei de alegria”. É o sentimento de todos os assentados. Havia muito tempo que não se festejava uma imissão de posse em Pernambuco. A última foi em 2014.
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Na solenidade estiveram presentes o presidente nacional do Incra, Leonardo Góes; o superintendente do Incra no Recife, Heliodoro Daltino; o secretário estadual de Agricultura e Reforma Agrária, Nilton Mota; o prefeito de Moreno, Vavá Rufino; e o seu vice, Arthur Mendonça; além do membro da direção nacional do MST Jaime Amorim. Na ocasião Leonardo recordou o período mais recente do processo. “A última vez que estive no Recife, há um ano, foi para tratar de um conflito para o qual não se sabia a solução. Viemos discutir com a usina e os trabalhadores, montamos uma estratégia e hoje estamos concretizando”.
Góes acrescenta que “para o Incra isso é uma felicidade, alimenta nosso trabalhando de cumprir nosso papel como governo e funcionário público, de fazer avançar a pauta da reforma agrária”, disse. “É muito importante entregar este imóvel numa área metropolitana, onde as famílias poderão produzir alimento para o Recife. Obviamente, a gente sabe que tudo isso só foi possível graças a persistência e a luta dos trabalhadores que conseguiram resistir por tantos anos debaixo de uma lona.”, afirma.
Segundo o relato de Jaime Amorim, a primeira ocupação nas terras do engenhos Poço Dantas e Várzea do Una foi em março de 1998, quando os assentados foram violentamente despejados. Em 2008 voltaram a ocupar as terras reafirmando que elas eram improdutivas. Desta vez permaneceram lá definitivamente. Vários acampamentos se estabeleceram naquela localidade pela desestruturação da usina, que entrou com pedido de falência em 2010. No fim de 2015 os assentados propuseram ao Incra a troca das dívidas da usina pela terras, de acordo com a lei 13.105/2015 de adjudicação de terras.
A assessoria do Incra afirma que a demora na imissão ocorreu, sobretudo, porque o imóvel não foi decretado como de interesse social pela Presidência da República para destiná-lo para fins de reforma agrária no ano de 2015. Outro motivo da demora foram os recursos judicial por parte dos ex-proprietários.
Em 2016 o Incra iniciou o processo de avaliação do valor imóvel. Contudo, sabe-se que um dos fatores que influenciaram o atraso da liberação do benefício foi a medida cautelar aprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em de abril de 2016, por conta de indícios de irregularidades no Programa Nacional de Reforma Agrária. Com a decisão revogada em setembro do mesmo ano, os trabalhadores rurais do assentamento Che Guevara puderam receber o benefício, que só se concretizou agora.
Ainda segundo o Incra, já existem decisões judiciais favoráveis de três imóveis rurais: Fazenda Jerimum, em Jataúba; Fazenda Santa Rosa, em Bezerros; e Engenho Fertilidade, em Palmares; aguardando apenas o agendamento do oficial de justiça para a entrega da imissão de posse.
Homenagem
Alguns acampados morreram durante os 19 anos de luta e não puderam ver a vitória chegar. Entre eles o nome de Luiza Ferreira se destaca, tendo sido escolhido para batizar a brigada do assentamento como forma de homenageá-la. Luiza era dirigente do MST no município de Aliança, na Zona da Mata Norte, e foi assassinada pelo machismo do marido, que se matou em seguida.

Edição: Monyse Ravenna