PEC 287

Reforma da Previdência compromete economias municipais, dizem especialistas

Cerca de 70% das cidades brasileiras têm receitas previdenciárias maiores que as do FPM

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Em mais de 80% dos municípios brasileiros, a verba originária da Previdência é superior à própria arrecadação municipal  
Em mais de 80% dos municípios brasileiros, a verba originária da Previdência é superior à própria arrecadação municipal   - Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A polêmica reforma da Previdência, descrita na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, que tramita atualmente na Câmara Federal, tende a gerar uma série de impactos negativos na economia dos municípios brasileiros. É o que dizem a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) e outros especialistas que acompanham o tema.  

Dados oficiais demonstram que, dos 5.570 municípios brasileiros, cerca de 70% deles têm no montante repassado aos aposentados e demais beneficiários um volume maior de recursos que o valor do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), verba transferida pela União de acordo com o coeficiente populacional de cada cidade. Além disso, em mais de 80% do total de municípios a verba originária da Previdência é superior à própria arrecadação municipal.  

“Isso significa que o dinheiro que é pago às pessoas pela Previdência é o grande motor da economia de mais de 3 mil municípios no país. Quando esse dinheiro entra, as pessoas vão pro comércio, pagam a mercearia, a farmácia, etc. Se essa verba diminuir, que é o que deve acontecer se a reforma for aprovada, esses municípios vão empobrecer”, projeta a presidente da Fundação Anfip, Maria Inez Maranhão. A entidade tem publicado diversas pesquisas sobre a Previdência Social.

A previsão está relacionada ao possível endurecimento das regras de acesso à aposentadoria. Caso a PEC 287 seja aprovada no Congresso Nacional, homens e mulheres só poderão requerer o benefício a partir de 65 anos de idade. Além disso, os trabalhadores terão que contribuir durante 49 anos para acessar o benefício integral. Outra modificação é o tempo mínimo de contribuição exigido pelo governo, que hoje é de 15 anos, e saltaria para 25. Por conta das novas restrições, a PEC é considerada uma medida de caráter austero.

Classe social  

O economista Flávio Tonelli Vaz destaca que a reforma tende a afetar sobremaneira a população de baixa renda, em especial a parcela residente nas cidades de menor porte. “A Previdência social é o maior instrumento de distribuição e interiorização da renda no país. Com a PEC, quem vai perder mais são principalmente os mais pobres, que estão também nesses menores municípios”, ressalta.

Segundos dados do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), dos 33,8 milhões de benefícios pagos atualmente, cerca de 22,2 milhões são para pessoas que recebem um salário-mínimo, cotado em R$ 937. Do total de benefícios ativos, 10 milhões são para aposentados por idade; 5,2 milhões para aposentados por tempo de contribuição; e 3,1 milhões para pessoas que recebem o benefício por invalidez previdenciária.

Num raio X regional, os dados demonstram que a maior parte dos benefícios é paga no Sudeste (44%), no Nordeste (27,40%) e no Sul (17,4%) do país.  

“Muitos dos pequenos municípios dessas regiões não têm nem renda própria, não têm máquina administrativa pra fazerem cobrança de IPTU porque, se o prefeito cobra, ele perde voto, já que há um vínculo muito próximo dele com o cidadão. Com isso, o grande dinheiro que circula é o que entra na casa dos idosos pela Previdência”, completa Maranhão, que é auditora fiscal e há mais de 30 anos estuda temas previdenciários.

A presidente destaca ainda que a redução do rendimento dos idosos tende a penalizar todas as famílias nas diversas regiões do país, num efeito em cadeia. “Essa reforma prejudica uma população que já é muito sofrida, até porque acima dos 50 anos é muito difícil alguém conseguir emprego. Se a PEC passar, como a Previdência não vai sustentar os idosos, quem vai precisar arcar com todas as despesas deles são os demais familiares”, explica.  

Prefeituras

Com a queda da renda nas cidades menores do campo, especialistas apontam que os gestores municipais terão mais dificuldade de gerir a máquina pública.

“O prejuízo na economia local vai resvalar nas prefeituras, que terão que arcar com os serviços públicos e com uma brutal queda de arrecadação. Isso é maléfico pro nosso sistema, pra nossa estrutura de municípios, que é onde as pessoas vivem, porque os grandes problemas do Brasil estão onde as pessoas moram: nas cidades. Vamos criar mais uma dificuldade pros prefeitos”, analisa Carlos Eduardo Gabas, que foi ministro da Previdência nos governos Lula e Dilma.  

O advogado Evandro José Morello, especialista em Previdência social, levanta ainda o risco de muitos municípios terem que voltar a ser distritos. “Se eles deixam de arrecadar, o próprio FPM reduz também, aí fica difícil manter a máquina. Por isso que a Previdência é uma engrenagem que faz rodar um conjunto de coisas tanto no aspecto social e econômico quanto do ponto de vista da gestão pública”, explica o especialista.  

Êxodo rural

Outro problema subjacente à reforma da Previdência é a previsão de que parte da população do interior migre para as grandes cidades, dando início a um novo e intenso processo de êxodo rural.

“Sem amparo e proteção social, a tendência das pessoas é sair. Isso ocorre principalmente com os jovens. Se eles não veem uma expectativa tanto no sentido de auxílio no seu processo produtivo quanto no sentido de terem um mínimo de dignidade na sua velhice, eles não vão ficar lá. E quem vai ficar no campo pra suceder essas famílias que estão lá?”, questiona Morello, acrescentando que tal processo deve causar queda na produção de alimentos, com consequente aumento dos preços dos produtos que chegam à mesa do brasileiro.   

Para Gabas, tais projeções anunciam ainda o risco de o país comprometer os ideais sobre os quais foi criado o sistema de seguridade social brasileiro.

“O nosso sistema é um dos melhores do mundo porque ele protege a sociedade, que é muito diversa e desigual ainda. Ele precisa ser constantemente modificado, claro, mas isso deve ser feito para melhorar, e não pra desproteger o cidadão. Se a reforma passar, vai ser um caos”, finaliza o ex-ministro.

Edição: Camila Rodrigues da Silva