Cultura

Coluna de Mouzar Benedito propõe a retomada do voto de protesto

“O voto nulo existe, mas sem possibilidade de protestos mais explícitos”, lamenta o escritor

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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"Hoje, tem-se a opção de votar num candidato ou partido, votar em branco ou nulo. É pouco", reclama o colunista
"Hoje, tem-se a opção de votar num candidato ou partido, votar em branco ou nulo. É pouco", reclama o colunista - Arquivo/ABr

A discussão sobre a reforma eleitoral, com propostas de voto distrital ou voto em lista fechada, me faz pensar num hábito cultural que perdemos: o voto de protesto. Não um simples voto nulo, mas um voto deixando claro que estamos muito descontentes com certos políticos.

Uma forma de fazer isso era votar em animais. Uma vez, o rinoceronte Cacareco, que vivia no zoológico de São Paulo, teve cem mil votos para vereador. Foi mais votado do que qualquer candidato.

No Rio de Janeiro, bem depois, foi a vez do macaco Tião ser instrumento de protestos contra a má qualidade dos políticos da cidade. Se me lembro bem, teve quatrocentos mil votos.

Nos tempos em que o voto era em cédula de papel, podia-se fazer isso, ou escrever xingamentos contra um ou outro político. Fazia parte da nossa cultura.

A urna eletrônica acabou com isso. O voto nulo existe, mas sem possibilidade de protestos mais explícitos.

Uma época, defendi que a urna eletrônica tivesse um teclado para que quem quisesse protestar escrevesse seu desabafo ali.

Mas o que acho melhor mesmo, e venho defendendo há muitos anos, é o voto contra.

Hoje, tem-se a opção de votar num candidato ou partido, votar em branco ou nulo. É pouco.

O voto contra funcionaria assim: se você quisesse que um determinado candidato a qualquer coisa não fosse eleito, em vez de votar num outro qualquer, votaria contra esse.

Por exemplo: se alguém fosse candidato a prefeito numa cidade qualquer e tivesse 100 mil votos a favor e 30 mil votos contra, no final ficaria com 70 mil.

E se um outro tivesse 80 mil votos a favor e 5 mil contra, ficaria com 75 mil votos. Ganharia do que teve 100 mil.

Acho que isso faria certos políticos tomarem um pouco de vergonha na cara, sabendo que muita gente não gosta dele.

E seria uma alternativa boa também para o chamado “voto útil”. Às vezes a gente vota num candidato por ele ser o menos ruim, ele é eleito e faz pose de bom, de ter nosso apoio.

Com o voto contra nos outros, ficaria claro que um candidato ruinzinho ganhou porque votamos contra outros piores ainda. Não daria para o ruinzinho fazer pose de bom. Isso valeria para todos os cargos não só executivos, mas legislativos também. Vereador, deputado, senador.

Mas vejam bem o Congresso atual. Quantos deputados e senadores apoiariam essa proposta? Muitos deles mesmos seriam derrotados pelo voto contra.

Uma vez Lula falou que o Congresso Nacional tinha 300 picaretas e foi muito xingado por isso.

Só que as falas gravadas recentemente envolvendo senadores e deputados mostram que, pelo menos hoje, tem bem mais. Põe picaretas nisso.

Contra eles, repito: vamos instituir o voto contra.
 

Edição: Camila Maciel