Entrevista

Eleição de Moreno no Equador não representa continuidade de Correa, diz sociólogo

Franklin Ramírez avalia que essa vitória é um "parênteses" nas derrotas consecutivas da esquerda da América Latina

Brasil de Fato | São Paulo SP |

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Candidato venceu as eleições após segundo turno apertado contra Guillermo
Candidato venceu as eleições após segundo turno apertado contra Guillermo - Twitter Lenin Moreno

Após um segundo turno acirrado, o candidato do movimento socialista Aliança País (AP), Lenín Moreno, foi eleito presidente do Equador no último domingo (2). Para o sociólogo equatoriano Franklin Ramírez Gallegos, sua vitória põe "um parênteses em uma série de reveses eleitorais" que a esquerda latino-americana sofreu nos últimos dois anos, após derrotas em países como a Argentina e da crise política Venezuela.

Gallegos é professor e pesquisador do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) no Equador e concedeu entrevista ao Brasil de Fato por telefone. Ele pondera, no entanto, que a eleição do candidato governista não representa uma simples continuidade da gestão do atual presidente, o economista Rafael Correa — que encerra seu terceiro mandato consecutivo em maio.

Moreno obteve 51,15% dos votos válidos contra 48,85% do opositor de direita Guillermo Lasso, após uma campanha marcada pela suavização da imagem radical da AP e pela promessa de reabertura diálogo. Estes são pontos de divergência importantes com o modo de governar de Correa, de quem Moreno foi vice-presidente de 2007 a 2013.

"Não escutamos dele termos como 'revolução', 'soberania', 'bem viver' e etc. É o perfil de uma figura de relevância, mas, ao mesmo tempo, com algumas incógnitas de como pode ser sua gestão política", analisou o sociólogo.

Antes de oficializar sua candidatura à presidência, Moreno enviou uma carta com críticas à AP, dizendo: "Não podemos dizer que nos últimos dez anos as coisas foram feitas perfeitamente", escreveu o então pré-candidato. Na época, Moreno afirmou que quer "negociar humildemente o poder político com as forças sociais, por exemplo, com o setor indígena".

Após o resultado parcial que deu a vitória ao candidato da AP, o candidato derrotado Lasso anunciou que vai pedir a impugnação e uma segunda contagem dos votos na eleição. Gallegos não descarta a possibilidade do crescimento da polarização política no país, que possa desencadear um movimento pela destituição de Moreno. No entanto, ele nota que a configuração parlamentar é favorável para que Moreno comece o novo governo com "certa estabilidade".

"Vai depender muito das decisões que ele tomar em primeira instância em torno das denúncias de corrupção contra figuras do governo. Um tratamento sábio, prudente e valente sobre este tema pode deixar algumas das demandas da oposição contidas", pontua Gallegos.

Confira a entrevista abaixo na íntegra:

Brasil de Fato: Qual é o perfil de Lenín Moreno e o que significa sua vitória?

Franklin Ramírez Gallegos: Lenín Moreno é um personagem que se apresentava como perfil duplo. Às vezes, como alguém que retoma as cordas do projeto político da Revolução Cidadã [movimento que culminou na ascensão do Aliança País e de Rafael Correa ao poder, em 2007]; mas, também, como alguém que está marcando pontos de inflexão com o estilo de liderar do governo de Correa.

Seu mote da campanha foi falar sobre um governo de diálogo, de abertura, de tolerância e evitando fazer confrontos com diversos setores. Ele se coloca como antípodas ao modo de governar de Correa, cuja forma de governo foi mais vertical, confrontadora. Correa entrou em um momento de desgaste e, claramente, a sociedade demanda uma nova forma de governo mais aberta.

Ao mesmo tempo, Moreno se apresenta como uma espécie de personagem pós-político, que, de algum modo, tende a evitar conflitos. Ele não marca com clareza suas convicções, teses, sua impressão ideológica e se dirige aos cidadãos de uma perspectiva emocional, ligada aos afetos e às boas intenções.

Um dos pontos marcantes de sua candidatura são as imagens de gente do bem, de um homem com bom coração, e ele tratou de explorar essa figura sem acudir a linguagem tradicional da Revolução Cidadã. Não escutamos dele termos como "revolução", "soberania", "bem viver" e etc.

É o perfil de uma figura de relevância, mas, ao mesmo tempo, com algumas incógnitas de como pode ser sua gestão política.

Comparando com a atual gestão de Correa, como você acredita que será a administração de moreno? Haverá mudanças bruscas no modo de governar?

Parece-me que a situação econômica do país, que ainda está se recuperando da crise da queda dos preços do petróleo em 2014, não coloca Moreno em um cenário de folga. Seguramente, serão necessários vários ajustes na economia. Então, é muito provável que a agenda reformista de Correa não prossiga, com exceção da lógica de manter certos programas de proteção social e certas iniciativas de política social. Mas, do ponto de vista macroeconômico, espera-se um governo mais ortodoxo.

Parece-me que as elites vão estar mais cômodas com Lenín Moreno, ainda que, insisto, temos que ver como efetivamente se configurará seu gabinete e em que medida sua eleição como presidente reconfigura a relação de força no interior da Aliança País  — e, se isso permite, ou não, um acesso ao poder de novos quadros, que estejam fora do que há sido até agora a dinâmica governista da Revolução Cidadã.

Seu governo vai ter apoio ou a disputa acirrada das urnas vai se traduzir em crescimento da oposição?

Moreno chega ao governo com uma cômoda maioria no Legislativo. Isso vai dar uma base de governo que, em princípio, vai assegurar certa estabilidade. Ao mesmo tempo, parece evidente que a mobilização da direita não vai se enfraquecer, os protestos como os que encerraram a votação [presidencial] não estão simplesmente ligados à vontade de impugnar os resultados eleitorais, mas de colocar o novo governo debaixo de assédio e pressão social desde o início.

Isso obriga Lenin Moreno a ampliar o seu campo de alianças e aliados em diversos setores. E isso significaria uma mudança em relação ao governo de Correa, que foi gerenciado com um círculo de figuras de setores políticos muito ligados ao "correísmo" e ao Aliança País.

É provável que Lenin tenha que abrir seu jogo político e reabrir as linhas de relacionamento com os movimentos sociais, organizações populares. De todo o modo, isso ainda é uma incógnita. Mas ele deu alguns sinais que nos fazem pensar que haverá algum grau de abertura, se ele quiser enfrentar com sucesso a mobilização da oposição — que, com certeza, não acabará em curto-prazo.

Após a eleição, Guillermo Lasso anunciou que vai pedir a impugnação e uma segunda contagem dos votos. Aqui no Brasil, depois de uma vitória apertada de Dilma Rousseff (PT) em 2014, a oposição também ameaçou não reconhecer o resultado. A polarização política aumentou e, dois meses depois, já havia pedido de impeachment contra a presidenta eleita. Algo semelhante pode acontecer no Equador?

Neste momento, é difícil pensar que haja uma saída institucional que busque a revogação da eleição de Lenín Moreno. A maioria do Legislativo concede a ele um respaldo para a governabilidade importante. No entanto, não cabe descartar que se produza o crescimento de um movimento destituinte em torno de Moreno. Vai depender muito das decisões que ele tomar em primeira instância em torno das denúncias de corrupção contra figuras do governo.

Um tratamento sábio, prudente e valente sobre este tema pode deixar algumas das demandas da oposição contidas, mas efetivamente marca um triunfo estreito não cabe descartar que a dinâmica de oposição busque alguma figura institucional ou pela força para procurar a saída de Moreno.

Apesar disso, temos que observar que, em nosso país, temos uma aliança muito forte com os governos locais e com a maioria no Parlamento; ou seja, os fatores de poder não dão muita margem institucional para a oposição.

Uma possível dinâmica destituinte vai depender se será um governo de alianças, mas amplo, e se ele responde a certas questões como a corrupção, a maior participação e de uma política macroeconômica que não afete os interesses populares.

O que representa a vitória de Moreno para a esquerda latino-americana, abalada com derrotas na Argentina e Brasil e em crise política na Venezuela?

Efetivamente, eu acho que o triunfo de Moreno põe um parênteses em uma série de reveses eleitorais que a esquerda latino-americana sofreu nos dois últimos anos. A hipótese de um pleno retorno da direita no poder nos distintos países fica, ao menos, em baixa.

Em todo o caso, também não podemos fazer a leitura de uma simples continuidade das políticas mais reformistas redistributivas de Correa. Pode ser, e é muito provável, que seja haja um direcionamento ao centro neste governo de Moreno. Mas, certamente, olhando para as correlações de forças geopolíticas no continente, das perspectivas de integração, o êxito de Moreno constitui um respiro de uma série de derrotas que vieram nestes anos.

Lenín Moreno também está próximo de uma série de movimentos comprometidos com os processos de integração regional. Uma derrota no Equador poderia deixar isolada a Bolívia, já que sabemos que a situação na Venezuela é muito mais delicada. O triunfo em nosso país encerra este ciclo de derrotas para a esquerda latino-americana.

É importante, mas, insisto, não deve ser visto como uma possibilidade de continuidade das posturas mais radicais da Revolução Cidadã no Equador e, tão pouco, da continuidade do ciclo da esquerda e das forças populares no poder. Entramos em uma nova fase, cujas características estão por vir.

Edição: Camila Rodrigues da Silva