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Mestra Maria Cristina: uma mulher que carrega consigo a ancestralidade da Amazônia

Ela é poeta, guardiã de sementes, fundadora do grupo de carimbó Sereias do Mar e não esconde o orgulho de ser lavradora

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Mestra Maria Cristina no Sesc Boulevard
Mestra Maria Cristina no Sesc Boulevard - Lilian Campelo
Ela é poeta, guardiã de sementes, fundadora do grupo de carimbó Sereias do Mar e não esconde o orgulho de ser lavradora

Ela é guardiã de sementes, agricultora, promotora de eventos na comunidade onde mora, fundadora de um grupo de carimbó formado por mulheres chamado Sereias do Mar e poeta.

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Chamada de mestra por carregar conhecimentos ancestrais da cultura amazônica, Maria Cristina mora na Vila Silva, comunidade rural no município de Marapanim, cidade conhecida como a terra do carimbó. A cidade fica localizada no nordeste paraense, também chamado de “região do salgado”, pela proximidade com o oceano atlântico.

Maria Cristina sustentava os filhos na roça junto com o esposo. Fazia farinha, beiju e tapioca, alimentos típicos da região amazônica, e hoje conta orgulhosa que foi a lavoura que deu sua aposentadoria.

“Eu plantava muito. O pai dos meus filhos roçava. Plantar maniva, frutas eu fazia; fazia farinha, fazia tapioca, fazia beiju de folha. Depois eu me aposentei com 55 anos e hoje sou aposentada, graças a Deus, pela lavoura. Pagava meu sindicato, com 29 anos pagava o sindicato e tive sorte, e hoje estou batendo as asas”.

Muita ativa na comunidade, ela fundou em 1994 o grupo Sereias do Mar. Atualmente, o grupo conta com dez mulheres agriculturas de diferentes idades que dançam, tocam instrumentos e cantam. Durante as apresentações, elas alternam entre músicas já consagradas e composições próprias, como a lenda da Mani, a lenda da mandioca.

“Mani era uma menina que nasceu na tribo, era muito inteligente, mas com cinco anos ela morreu. Os parentes choraram muito sua morte, do lamento nasceu uma planta, mas eles arrancaram e tiraram a mandioca para extrair o tucupi”, conta a mestra.

No grupo, a mestra Maria Cristina de 69 anos toca o maraca ou maracá, uma espécie de chocalho indígena, instrumento presente também em festividades de culto de matriz africana. O grupo de carimbó é só uma parte do que essa senhora faz na comunidade.

Ela é considerada na Vila Silva como guardiã de sementes por também incentivar outras pessoas a preservarem e trocarem sementes crioulas. Esse conhecimento tradicional ela herdou dos pais: “Eu fui estudar em Belém, na época de 1979. Eu fiz apenas a admissão, que é a 6ª série, mas voltei [para a comunidade]. Não deu para estudar mais porque o meu irmão morreu, que era quem me sustentava na casa da minha madrinha. Então eu voltei pra cá, com o meu pai e fui aprendendo com ele [pai] a tirar pedaço de maniva para plantar no outro ano”.

O gosto pela música, a religiosidade e a sensibilidade em tecer poesias com palavras, também são heranças passadas dos pais a ela. Um desses poemas fala um pouco da cidade de Marapanim:

Lutar por Marapanim.
A cada dia que passa Marapanim fica seguro,
apesar de muita gente ter sofrido,
um sofrimento maduro.

Já houve tempo mais ruim,
mas vou falar mesmo assim
e lutar pelo futuro do nosso Marapanim.

Muitos anos passados era uma escuridão,
pra nossos pais, era maltrato,
parecia um retrato de uma escravidão,
só sabiam trabalhar, mas faltava educação
e hoje Marapanim civilizado,
Deus do céu botou a mão
e ficou tudo mudado.

Edição: Vanessa Martina Silva