Dia Mundial da Saúde

Residentes apostam no caráter transformador da Medicina de Família e Comunidade

Estratégia, que foca na interdisciplinaridade e criação de vínculo, pode solucionar até 85% dos problemas de saúde

Saúde Popular | São Paulo (SP) |
Médico de Família Bruno Stelet (ao centro), com os colegas Mariana Brettas, Monique Oliveira, Thiago Alleyne e Fabiane Panozo
Médico de Família Bruno Stelet (ao centro), com os colegas Mariana Brettas, Monique Oliveira, Thiago Alleyne e Fabiane Panozo - Eduardo de Oliveira/ Revista Radis

A figura de um médico que faz o acompanhamento domiciliar pode remeter o imaginário a filmes e novelas de época. Mas, no Dia Mundial da Saúde, comemorado nesta sexta-feira (7), futuros profissionais da Medicina da Família e Comunidade contam a importância da estratégia focada na criação de vínculo e o quanto ela é, mais do que nunca, atual.

Para de fato universalizar o Sistema Único de Saúde (SUS), a rede pública no Brasil, desde 1988, tem dado prioridade à construção de uma estratégia de Atenção Primária à Saúde (APS) — que, entre outras coisas, ressalta a interdisciplinaridade e vai contra a corrente da ultra-especialização da medicina. Segundo a pesquisadora e pediatra estadunidense Bárbara Starfield, quem sistematizou uma definição para a APS na década de 1990, 85% dos problemas de saúde podem ser resolvidos na atenção primária.

Residente do 2º ano em Medicina em Família e Comunidade da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Petrolina (PE), Allison Sampaio Lisboa, de 26 anos, lembra que a relação com o paciente na atenção básica é muito mais próxima.

Alisson conta que, no cotidiano de um Médico de Família e Comunidade (MFC), as visitas domiciliares são rotinas. Geralmente, os pacientes têm dificuldade de acesso à UBS (Unidade Básica de Saúde). Para além dos sintomas físicos, saber outras determinantes da vida de um paciente, como condições sociais, estrutura familiar e a religiosidade, é um diferencial importante. Alisson acompanha o quadro clínico de Dona Maria* — uma das primeiras moradoras do bairro Mandacaru, na zona norte de Petrolina (PE), onde mora há mais de 20 anos, e cuja casa ainda é a única de pau a pique.

O residente explica que os detalhes sobre as condições de vida e moradia da pessoa influenciam no diagnóstico e prevenção. Na casa de Dona Maria, por exemplo, os agentes de saúde identificaram problemas estruturais, como  como o acúmulo de lixo, água parada, que poderiam desencadear problemas de saúde no futuro. “Dessa forma, vemos o paciente como um todo, considerando o contexto onde ele está inserido”, disse ele. “É uma forma superar uma forma de fatiar e dividir o corpo, dividir excessivamente, o médico da família consegue ter uma visão integrada da pessoa”, completou.

Alisson salienta que precisa ter uma grande capacitação técnica para desenvolver o trabalho. Na mesma linha, Larissa Cordeiro Lopes, residente em Medicina em Família e Comunidade no Hospital Municipal Odilon Behrens, na região da Lagoinha, em Belo Horizonte (MG), pondera que a abordagem é importante porque humaniza o estudo da Medicina ao colocar em perspectiva expectativas e sentimentos do paciente. “O foco é a pessoa e não o doente. E neste caso, as pessoas têm doenças, mas também contextos de família, emprego, comunidade em que elas se inserem”, lembra.

A territorialidade, regionalização e o princípio da longitudinalidade, ou seja, do acompanhamento histórico do indivíduo, são importantes para a criação de vínculos. “Se uma pessoa consegue melhorar a questão da diabetes porque ela tem um bar e vende comida gordurosa, doces e refrigerantes, temos que levar isso em consideração. Vamos pactuar atitudes que façam sentido no dia a dia”, exemplificou Larissa.

Outro ponto essencial, considera a residente, é a prevenção quaternária, de sempre não se exceder, não passar exames e remédios demais, não solicitar  procedimento desnecessários.

Dessa forma, diz Larissa, o sistema público passa a ser mais econômico, já que a APS diminui o número de encaminhamentos e intervenções.

Ameaça

Um dos programas que visou ampliar a APS, o Mais Médicos, criado em 2013, está sob ameaça. O programa chegou a ter 18.240 médicos, garantindo acesso a 63 milhões de pessoas em 4.058 municípios. Hoje, não chega a 16 mil médicos para menos de 3.800 municípios, o que pode significar a exclusão de 7,7 milhões de pessoas atendidas pelo programa.

“O Mais médicos cumpriu um papel de distribuição da atenção básica no país, ainda que de maneira emergencial e com uma série de contradições”, opina Allison. Ele acredita que essa é apenas uma de outras medidas que vão impactar no Atenção Primária e na consolidação do SUS, um processo que, desde 1988, foi “lento e contraditório, mas gradual”.

“A Saúde não é só determinada pela qualidade de um sistema de saúde, mas pelas condições de vida da população. Então, os impactos da terceirização, da flexibilização do vínculo e precarização do trabalho na saúde é algo a ser estudado, mas com certeza vai gerar algo negativo”, opinou o residente.

Larissa também critica o projeto de Planos de Saúde Acessível, apresentado pelo ministro da Saúde Ricardo Barros no ano passado que, segundo ela, intensificaria a segmentação do acesso à saúde para população.

Para Larissa, as altas taxas de expedição de exames, solicitação de remédios e consultas com especialistas realizadas pelos convênios de saúde são muito rentáveis. “Na lógica da Medicina da Família e Comunidade, focar no paciente e no cuidado faz com que o médico só visite os especialistas quando for necessário”, finalizou.

Edição: Juliana Gonçalves