Conflito agrário

Comissão da Câmara Federal apura ação armada contra o MST em Capitão Eneias (MG)

Entidades locais se reúnem nesta terça para tratar de conflito; o movimento pede destinação de fazenda à reforma agrária

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Sem-terra na Fazenda Norte América, no município de Capitão Eneias, região Norte de Minas Gerais
Sem-terra na Fazenda Norte América, no município de Capitão Eneias, região Norte de Minas Gerais - Divulgação/MST

O colegiado da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara Federal anunciou, na tarde dessa segunda (10), a abertura de um procedimento para apurar a ação armada que culminou no ferimento de cinco sem-terra na Fazenda Norte América, no município de Capitão Eneias, região Norte de Minas Gerais.

Segundo relato do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), um grupo com cerca de 300 pessoas foi ao local no último domingo (9) pela manhã para participar de uma reunião, a pedido do administrador da fazenda, mas foi recebido com tiros disparados por funcionários do estabelecimento. O encontro trataria da venda da propriedade com vistas à reforma agrária.

Os sem-terra narraram que o suposto proprietário da fazenda, Leonardo Andrade, não só assistiu à cena do tiroteio como estaria dirigindo o carro no qual estavam os pistoleiros que atiraram contra os trabalhadores. O Brasil de Fato tentou ligar para o latifundiário, mas o celular dele esteve desligado durante toda a segunda-feira.

Na ocasião, três trabalhadores foram baleados e duas crianças saíram feridas com tiros de raspão. O incidente foi interpretado pelo MST como uma emboscada. Em seguida, duas pessoas foram presas pela Polícia Militar.

Lideranças da região denunciaram o ocorrido à CDHM, que designou dois parlamentares da bancada de Minas Gerais para acompanhar o caso. “Houve, de fato, intenção de matar, por isso os responsáveis precisam ser punidos. Estamos acompanhando os desdobramentos e cobrando das polícias e do governo do estado todas as providências”, disse o deputado Padre João (PT-MG).

O parlamentar esteve no local há cerca de 15 dias e vem acompanhando a situação do acampamento Alvimar Ribeiro, que foi montado na fazenda em janeiro deste ano pelo MST, como primeiro passo da luta pela desapropriação do imóvel.

“Recebi essa notícia [da emboscada] com muita indignação, porque lá já está numa fase de negociação. Os herdeiros sempre são indenizados e bem pagos, então, eles não ficam no prejuízo. Além disso, a fazenda não cumpre a função social, e as famílias que acamparam estão dando uma função à propriedade, com uma produção sem agrotóxicos. Então, foi covardia dos que estavam lá na fazenda e dos mandantes dos jagunços. Isso não pode ficar impune”, declarou o deputado.

Samuel Costa Santos, da direção estadual do MST, destaca que a propriedade, apesar de não ser improdutiva (pelo fato de ter criação de equinos), estaria desrespeitando a Constituição Federal de 1988 por não cumprir a função social da terra.

“É uma das poucas fazendas com potencial para produção de arroz no Norte de Minas. Queremos que ela seja desapropriada porque tem um grande potencial produtivo e é usada apenas para engorda de animais”, disse Santos. Em janeiro, havia 150 famílias no local; hoje já são cerca de 600.

Atores

Além da CDHM, instituições locais também foram provocadas a atuar no conflito envolvendo a Fazenda Norte América. Na manhã desta terça-feira (11), a Mesa de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais, vinculada ao governo do estado, deve se reunir para discutir o assunto.

Segundo a coordenadora do colegiado, Lígia Maria Alves Pereira, o objetivo inicial é estabelecer uma forma de acompanhamento da investigação que será feita sobre o caso. A Mesa vai reunir representantes da Defensoria Pública, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), lideranças populares e outros atores.

A coordenadora atribui a situação da fazenda a uma questão de nível federal. “É uma decisão que depende de um acerto com o governo federal. O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] precisa se pronunciar. (...) Não podemos deixar a situação chegar a ponto de uma pessoa achar que pode atirar em outra”, disse Lígia Maria, acrescentando que o Incra será oficiado para se posicionar sobre o caso.

Ela afirmou que os conflitos fundiários têm destaque nas solicitações que chegam ao colegiado, representando cerca de 70% da demanda da Mesa.

Ministério Público

O procurador de Justiça Afonso Henrique, coordenador do núcleo do MPMG que trata de questões fundiárias, disse à reportagem que ainda está se informando sobre o ocorrido na fazenda e que irá participar da reunião da Mesa, mas adiantou que classifica o conflito como “um fato gravíssimo”.

Ele credita a ocorrência à situação de desigualdade social presente no campo. “A questão agrária no Brasil é uma tragédia. Somos um dos poucos países do mundo que não fizeram reforma agrária, e o atual governo ainda extinguiu a Ouvidoria Agrária Nacional, que era fundamental no trabalho da paz no campo. Então, a nossa tendência é o recrudescimento da violência. O Estado se desaparelhou nos últimos meses pra enfrentar essa questão”, considerou o procurador.

A extinção da Ouvidoria, em novembro do ano passado, provocou reações de diversas instituições e movimentos populares. O governo federal recriou o órgão em janeiro, a partir de um decreto de reestruturação do Incra, mas com uma estrutura menor e sem muitas explicações sobre o porquê da redução.

Incra

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do Incra em Minas Gerais informou que a Ouvidoria Agrária tem ciência da ocupação, mas até então não havia recebido relato de conflitos.

Sobre a situação da Fazenda Norte América, o órgão disse que a propriedade esteve em negociação entre 2002 e 2004, ano em que houve nova avaliação, com acordo de valores, mas o imóvel estaria hipotecado pelo Banco do Brasil, o que estaria inviabilizando a continuidade da negociação.

O Incra informou ainda que não recebeu nova oferta de venda do imóvel por parte do proprietário e que está tomando as providências cabíveis para auxiliar na mediação do conflito através da Ouvidoria. O órgão também deve participar da reunião da Mesa de Diálogo desta terça-feira.

Edição: Camila Rodrigues da Silva